Notícias

Sapinho descoberto nas bromélias da Serra da Mantiqueira homenageia folclore brasileiro

Pesquisadores batizaram o recém-descrito sapinho com o nome da Cuca. Espécie ocorre apenas numa pequena área da Serra Negra da Mantiqueira

Duda Menegassi ·
15 de fevereiro de 2023 · 1 anos atrás

Entre as montanhas que formam a extensa Serra da Mantiqueira, a Mata Atlântica, a altitude e as rochas formam paisagens e ambientes únicos, muitas vezes lar de espécies que vivem apenas ali. É na porção norte desta cadeia, conhecida como Serra Negra da Mantiqueira, em Minas Gerais, que vive um sapo só agora descoberto pela ciência. A nova espécie ganhou nome direto das páginas do folclore brasileiro: Dendrophryniscus cuca. Se nas histórias de Monteiro Lobato a cuca era um jacaré bípede, nas florestas da Serra Negra, ela é um sapinho pequeno e esguio de coloração amarronzada e cabeça triangular.

A espécie foi descoberta em um remanescente da Mata Atlântica protegido pela Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Chapadão da Serra Negra, no município mineiro de Santa Bárbara do Monte Verde. Os sapinhos de apenas dois centímetros (o tamanho de um polegar adulto) foram encontrados dentro de bromélias em áreas de floresta nebular. Até o momento, a espécie é conhecida apenas em uma única localidade, chamada de Jardim das Vrieseas (justamente por causa das bromélias) onde foram coletados os 11 indivíduos estudados.

A descrição do D. cuca foi publicada em janeiro deste ano na revista científica Herpetologica, especializada em artigos sobre a herpetofauna. O estudo é assinado por cinco pesquisadores, sendo um deles o biólogo Lúcio Lima, um dos proprietários da RPPN Chapadão, que protege a espécie, e pós-graduando da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Os trabalhos de campo na RPPN começaram em meados de 2014 e desde 2015 os pesquisadores observam indivíduos da espécie, sem nunca ter ouvido nenhuma vocalização, o que pode indicar que esta espécie não emite som.

Em maio de 2019, entretanto, eles tiveram a chance de observar um amplexo entre dois machos – um tipo de “abraço reprodutivo” que, no caso dos machos, pode significar disputa ou até mesmo um equívoco na hora de acasalar. O que chamou atenção dos pesquisadores é que durante este “abraço” o macho que estava por baixo realizou “vibrações de alerta”, uma vocalização inaudível feita através de um rápido inflar e desinflar dos pulmões do sapo, feitas com o intuito de evitar amplexos que não resultarão na postura de ovos. Pela primeira vez este tipo de vibração foi documentado em vídeo (assista aqui) e descrito como comportamento para o gênero Dendrophryniscus.

O amplexo entre dois machos registrado pelos pesquisadores junto com o vídeo da vibração de alerta. Foto: Renato Nali

Os pesquisadores fizeram buscas em outros 13 pontos ao longo da Serra Negra, inclusive dentro do Parque Estadual da Serra Negra da Mantiqueira, área protegida vizinha, mas não encontraram nenhum registro do sapinho-cuca fora da RPPN.

Essa é a quarta espécie de anuro (grupo que inclui sapos, rãs e pererecas) endêmica, ou seja, com ocorrência restrita à Serra Negra da Mantiqueira. Uma delas, descrita em 2008, é o sapo Hylodes perere, em outra referência ao folclore brasileiro, dessa vez ao Saci, que foi quem inspirou o batismo do sapinho-cuca.

“A Mata Atlântica é uma das mais diversificadas ecorregiões do mundo, abrigando muitas espécies endêmicas, especialmente em áreas montanhosas, como as serras do Mar e da Mantiqueira no sudeste do Brasil. Novas espécies de anfíbios têm sido frequentemente descritas nos últimos anos em áreas de mais de 1.000 m acima do nível do mar no bioma. Por causa do aumento do desmatamento nesta ecorregião, a maioria dessas espécies endêmicas e raras são ameaçadas ou, por falta de estudos, não possuem dados suficientes para ser atribuído um estado de conservação, o que chama a atenção para esses anfíbios”, destacam os pesquisadores em um dos trechos do artigo.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

Leia também

Reportagens
3 de maio de 2021

Nova espécie de sapo-pingo-de-ouro é descrita na Serra da Mantiqueira

Após um estudo morfológico e genético, pesquisadores constataram que a população de pingo-de-ouro em São Paulo se tratava de uma nova espécie, batizada de Brachycephalus rotenbergae

Notícias
26 de julho de 2020

Espécie de sapo pingo-de-ouro é redescoberta depois de 100 anos

Pesquisadores reencontraram a espécie, Brachycephalus bufonoides, descrita em 1920 e não encontrada desde então. Sapinho é endêmico da Mata Atlântica

Notícias
5 de outubro de 2017

Sapinhos da Mata Atlântica cantam, mas são surdos

Para pesquisadores, a surdez é resultado da evolução desses anfíbios. Estão deixando de ouvir, para se comunicar por sinais visuais

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.