O clamor por justiça pelos assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, ocorridos há um ano no Vale do Javari, Amazonas, ecoou em várias cidades brasileiras nesta segunda-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente. No Rio, em uma manhã ensolarada de outono, tendo como cenário a praia de Copacabana, familiares, amigos e sociedade civil também estiveram mobilizados para defender que os crimes de grande repercussão nacional e internacional não fiquem impunes. O momento também inspirou celebrações pelo legado de luta de ambos por uma Amazônia livre da devastação da natureza e da violência contra seus povos e territórios tradicionais.
Em entrevista ao ((o))eco, o advogado José Guilherme Azevedo, concunhado de Dom, dá o tom do propósito da família nessa data de sentimentos divididos. “Nós não gostaríamos de estar passando por essa experiência. Bom seria que ele estivesse vivo aqui com a gente”, lamenta. Mas ressalta que Alessandra Sampaio [viúva do jornalista e irmã de Luciana, esposa do advogado] “está buscando com esse movimento continuar a luta dele”, apoiada por outros familiares, amigos e movimentos sociais.
Azevedo conta que em meio à luta por justiça e contra a impunidade envolvendo esses crimes, um alento para a família de Dom tem sido a mobilização de amigos jornalistas para dar continuidade ao livro que ele estava escrevendo. Esse foi o motivo da sua ida ao Vale do Javari, acompanhado do indigenista, onde ambos estavam investigando ações do crime organizado em uma região onde a natureza vem sendo saqueada e os povos indígenas têm sofrido fortes pressões.
“Vivemos agora um novo panorama governamental que nos traz alguma esperança de ver um Vale do Javari melhor e uma Amazônia mais protegida. Por outro lado, partimos do luto à luta tanto por justiça como para que todo seu legado se mantenha vivo. Temos a certeza de que o livro, o documentário e outras produções servirão para mobilizar a sociedade em favor da natureza e da cultura dessa região. Isso tudo é a cara dele. Estamos felizes por outros jornalistas muito competentes levarem essa mensagem que é importante para o mundo e para a gente também”, relata o Azevedo.
Mais de 50 jornalistas de dez países fazem parte das 16 organizações midiáticas internacionais que integram o Projeto Dom e Bruno por meio de um consórcio coordenado pela organização francesa Forbidden Stories. Como relatado em produção da agência Amazônia Real, uma das participantes dessa experiência, o objetivo dessa ação colaborativa é dar continuidade ao trabalho investigativo que ambos estavam desenvolvendo no Vale do Javari, região transfronteiriça onde operam redes criminosas envolvidas com pesca ilegal, roubo de madeira, grilagem de terras, garimpo e outros ilícitos que ameaçam povos indígenas, inclusive grupos isolados.
“Nesse quase um ano de trabalho, foram dezenas de entrevistas em profundidade, pedidos de acesso à informação, mapeamentos e cruzamentos de dados inéditos, obtenção de documentos reservados e viagens a campo. O consórcio Forbidden Stories conclui o Projeto Bruno e Dom com a certeza de que ele representa apenas uma batalha dentro de uma luta que está longe de acabar”, informa uma das reportagens da Agência Amazônia Real ao mencionar como esse projeto colaborativo tem trazido à tona uma série de elementos, como documentos pessoais e aparelhos celulares com fotos e vídeos registrados antes dos assassinatos, que contribuem para elucidação de fatos ainda sem explicação.
Organizações lançam nota e resgatam o andamento dos processos
“Há um ano, em 5 de junho de 2022, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira desapareceram em uma emboscada no rio Itacoaí, nos limites da Terra Indígena Vale do Javari, no estado do Amazonas, na região da tríplice fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia. Dez dias depois, seus corpos foram encontrados esquartejados, queimados e escondidos na floresta. Desde então, as respostas que o Estado brasileiro deu a este bárbaro crime e para a situação de extrema insegurança em que vivem povos indígenas, defensores de direitos humanos e comunicadores que atuam na Amazônia é insuficiente”, informa a nota divulgada por organizações que defendem a liberdade de expressão, os direitos humanos e a atuação jornalística no Brasil, dentre as quais, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
“Se é verdade que 12 pessoas já foram denunciadas pelo Ministério Público Federal pelos crimes de duplo homicídio qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa para pesca ilegal, os maiores avanços no processos de responsabilização se concentraram em alguns executores mais diretos”, afirmam as organizações signatárias. “No entanto, a não repetição de casos como o de Dom e Bruno exige que se nomeie e responsabilize todos aqueles que se beneficiaram de suas mortes e que têm interesse em silenciar os defensores que lutam pela proteção do território do Vale do Javari”, defendem.
Outro trecho do documento, enfatiza que, “mesmo em relação aos réus presos, o processo não tem sido conduzido de forma diligente, já que no último dia 16 de maio, por decisão do Tribunal Regional Federal (TRF1), a pedido da defesa dos réus, o processo voltou à fase de instrução, para ouvir novas testemunhas”.
As organizações alertam também sobre a situação de violência e ameaças que ainda impera na região: “Enquanto isso, pelo menos 11 defensores e comunicadores/as indígenas seguem sob alto risco. Apesar de terem sido incluídos no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), as medidas oferecidas pelo Estado brasileiro não são capazes de responder às ameaças que têm recebido e à violência que impera na floresta amazônica”.
Presidente Lula e ministra Marina Silva prestam homenagens
Em pronunciamento pelo Dia Mundial do Meio Ambiente, ao homenagear os que perderam a vida pela defesa ambiental, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou que “Bruno e Dom mereciam e deveriam estar aqui, neste momento em que eles teriam o governo brasileiro como aliado e não como inimigo, ao contrário do que aconteceu nos últimos quatro anos”. “A melhor maneira de honrá-los é garantir que sua luta não tenha sido em vão”, acrescenta.
Ainda segundo o presidente, “há um ano, o assassinato brutal de que foram vítimas chocou o mundo, que passou a ver a Amazônia como uma terra sem lei e à beira da destruição, com enorme ameaça ao enfrentamento da emergência climática”. Diante de um novo panorama político reafirmou: “Hoje, o mundo voltou a olhar o Brasil com esperança”.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, também homenageou Dom Phillips e Bruno Pereira no seu pronunciamento pela data comemorativa, trazendo uma mensagem de reflexão de que as ameaças “não são impostas apenas pelo meio ambiente degradado”. Na ocasião, ela fez uma saudação às viúvas Beatriz Matos e Alessandra Sampaio e aos demais familiares de ambos.
Segundo ressaltado pela ministra, “há exatamente um ano, esse crime chocou o mundo e expôs a realidade de uma Amazônia entregue ao crime organizado, que desmata e mata quem atravessar seu caminho para defender a floresta e seus povos originários”. Marina Silva enfatizou também que “essa realidade se tornou ainda mais grave nos últimos quatro anos, quando o governo Bolsonaro desmontou a proteção ao meio ambiente e deu força aos criminosos ambientais”.
“É muito simbólico que Bruno Pereira estivesse trabalhando com uma associação de indígenas do Javari por ter sido afastado da Funai após uma operação de combate a crimes ambientais que desagradou à chefia do órgão indigenista”, opina a ministra.
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