Produzido pelo Centro de Formação e Produção em Jornalismo da ESPM Rio e pelo site ((o))eco de Jornalismo Ambiental, o podcast convida você a explorar a riqueza, a importância e os desafios de conservação da Amazônia, Caatinga, Pampa, Mata Atlântica, Pantanal e Cerrado.
Apresentado por Guilherme Costa, jornalista e professor da ESPM, Bê-á-bá Biomas oferece uma experiência sonora imersiva, combinando informações de especialistas, dados apurados e percepções sobre a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos, as ameaças e as soluções socioambientais em cada região do nosso país.
Destaques
- Exploração Detalhada dos Biomas: Descubra as características únicas de cada bioma, desde a floresta Amazônica até os campos do Pampa, a resiliência da Caatinga e a importância do Cerrado como “caixa d’água” do Brasil.
- Biodiversidade e Ecologia: Aprofunde seus conhecimentos sobre as espécies de plantas e animais que habitam cada bioma, incluindo espécies endêmicas e ameaçadas de extinção.
- Desafios de Conservação: Entenda os impactos do desmatamento, das mudanças climáticas, da agropecuária e da desertificação nos biomas brasileiros.
- Soluções e Políticas: Conheça iniciativas de conservação, políticas públicas e práticas sustentáveis que podem garantir a proteção dos nossos biomas.
- Vozes dos Especialistas: Ouça entrevistas com jornalistas, biólogos e outros especialistas que conhecem profundamente os biomas brasileiros.
Bê-á-bá Biomas é uma ferramenta essencial para estudantes, educadores, ambientalistas, jornalistas e todos aqueles que desejam aprender mais sobre a riqueza natural do Brasil e se engajar na sua proteção.
Ficha técnica:
Entrevistas: Duda Reis, Joana Braga e Vinicius Nunes
Pesquisa: Joana Braga
Roteiro, apresentação e edição: Guilherme Costa
Montagem e trabalhos técnicos: Jerônimo Orselli
Supervisão: Paulo André Vieira e Marcio Isensee
Ideia original: Guilherme Costa e Marcio Isensee
Entrevistados: Kátia Brasil, Aldem Bourscheit, Maristela Crispim, Herton Escobar, Mauricio Bianco e Gustavo Figueiroa.
Sobre os Produtores:
O Centro de Formação e Produção em Jornalismo (CFPJor), da ESPM Rio, é um espaço dedicado ao aprimoramento das práticas jornalísticas. Oferece cursos, produz conteúdos, promove parcerias e organiza eventos que ampliam as oportunidades de aprendizado e networking.
((o))eco é um site de jornalismo ambiental independente que há 21 anos cobre questões ambientais no Brasil e no mundo, com foco em biodiversidade, política ambiental e clima.
Transcrição do episódio
Quando a gente coloca caatinga no Google, o Google fica numa cor assim, deixa eu ver, fica bege.
Pantanal é um bioma muito particular, muito único, que fica bem no coração da América do Sul, né?
É um ecossistema muito rico em biodiversidade.
No Brasil ele é conhecido como a caixa d’água.
A Mata Atlântica é uma obra de arte da natureza que merece tanta admiração e tanto a proteção quanto qualquer coisa que nós fizemos com as nossas motas.
O Brasil é o país com a maior quantidade de diferentes biomas do planeta. São seis ao todo, cada um com suas características, sua importância para o equilíbrio climático e seus desafios de conservação.
Eu sou Guilherme Costa e convido você a embarcar nessa viagem pelo Brasil da Caatinga, do Pampa, da Mata Atlântica, do Pantanal, do Cerrado e da Amazônia.
Um bioma é como um mosaico vivo, onde clima, rios, solo e vida se entrelaçam, criando paisagens únicas com espécies de plantas e animais que ou só existem ali ou que ao menos predominam naquela região.
Ele é fundamental para o equilíbrio hídrico, retenção de umidade e abastecimento de aquíferos para regular a temperatura, contribuindo para os padrões climáticos regionais.
Um bioma abriga uma enorme variedade de espécies vegetais, animais e microrganismos essenciais para o equilíbrio ecológico. Ele fornece alimentos, medicamentos e outros recursos naturais essenciais para a humanidade. Também inspira culturas, tradições e espiritualidades, sendo parte da identidade e da conexão humana com a natureza.
Os arqueólogos conseguiram comprovar que a Amazônia é habitada por milhões de anos. Se encontraram muitas peças de artefatos e que são de 2.000 anos, 3.000 anos, 5.000 anos, já eram território muito habitado por esses povos que hoje nós chamamos de indígenas.
Esta é a jornalista Kátia Brasil. Ela cobre a Amazônia desde a década de 90 e atualmente é a cofundadora e editora executiva da Agência de Jornalismo Independente e Investigativo Amazônia Real. A Amazônia é o maior bioma do Brasil e ocupa quase metade do território nacional. Ela se estende ainda por outros oito países vizinhos. Sua riqueza é natural. São cerca de 40.000 espécies de plantas, 300 espécies de mamíferos e 1.300 espécies de aves, segundo dados do ICMBio, mas é também cultural.
Hoje nós temos aí 305 etnias indígenas que falam mais de 270 línguas diferentes. Nós que somos brasileiros e falamos português, não dominamos essas línguas, não temos interesse em conhecer essas línguas. A gente não estuda na escola que essas pessoas já existiam antes. E a gente precisa contar essa história do Brasil a partir desse olhar dos povos tradicionais.
Tudo é superlativo naquela região. A bacia amazônica é a maior do mundo, cobre cerca de 6 milhões de km2 e tem 100 afluentes. Seu principal rio, o Amazonas, corta a região para desaguar no Oceano Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 milhões de litros d’água a cada segundo. O Brasil é um país que sim, tem muitas florestas, talvez a última fronteira do mundo em relação a recursos hídricos. Nós temos uma riqueza muito grande. Nós temos inclusive reservatórios de água subterrâneos que dizem que podem atravessar três estados, né, do Pará até a Ponta do Amazonas, já na fronteira com a Venezuela e a Colômbia. Mas a gente não tem uma política saudável para tratar disso.
Não temos uma política saudável para proteção efetiva deste bioma. As secas estão cada vez mais frequentes. O desmatamento, ainda que tenha recuado cerca de 31% em 2024, tem um acumulado dos últimos anos que coloca esse bioma no seu limite. Dados da InfoAmazonia apontam que as médias das temperaturas máximas em 2024 ficaram até 5.1ºC acima do que era considerado normal para cada mês do ano, quando analisado em uma escala que considera os últimos 30 anos. O mesmo InfoAmazonia também mostra que os rios Amazonas, Madeira, Solimões, Negro e Purus, além do afluente Paraná do Careiro, registraram em 2024 a pior seca em 122 anos, que foi quando começou o monitoramento do Serviço Geológico do Brasil.
Na estrutura do governo brasileiro existe uma deficiência de continuidade das fiscalizações. Recentemente a gente tá vendo uma crise que envolve pagamento de salários, de pedido de aumento de salários dos funcionários do ICMBIO e do IBAMA no momento em que a gente também tá enfrentando uma crise de queimadas. Enfim, existe um problema muito sério do Brasil continuar com a sua política ambiental.
A urgência de políticas ambientais efetivas não se restringe ao bioma amazônico.
Ele é proporcionalmente um dos biomas mais devastados pela agropecuária. Ele já é um bioma pequeno, e a área devastada por essa economia destrutiva é muito grande lá. Aí você olha do outro lado: O Pampa hoje é um dos biomas brasileiros menos protegidos legalmente, ou seja, com unidades de conservação.
Esse é o Aldem Bourscheit, repórter especial de ((o))eco. O Pampa é o bioma mais recente do Brasil, formalmente reconhecido em 2004, no país ele é restrito ao estado do Rio Grande do Sul. Esse ecossistema conta com 3.000 espécies de plantas, cerca de 100 espécies de mamíferos, quase 500 aves e cerca de 50 espécies de peixes, segundo dados do ICMBio
Ele é dominado por campos naturais, tem o que chamam de coxilhas, com a parte onde baixa mais, onde a vegetação cresce, tem capões de mata, aglomerados de mata, mas de forma geral, olhando no satélite, ele é um grande formação de campos naturais que começa ali e avança: Argentina, Uruguai e um pedacinho do Paraguai.
Ele foi reconhecido como um bioma à parte em 2004, mesmo ano em que ((o))eco foi fundado. Antes ele era uma região assim, tipo um apêndice da Mata Atlântica. Então ele como bioma, ao menos legalmente, tem 20 anos de idade só.
Por ser um ecossistema muito antigo, já conhecido pelos povos pré-colombianos, o Pampa foi o berço de uma população de megafauna importante. Aliás, é por lá que existem os principais sítios arqueológicos de dinossauros aqui no Brasil. Inclusive, seus parentes evolutivos, as aves, continuam circulando por lá.
Algumas regiões do Pampa, até tem uns pesquisadores que chamam assim de um de um grande hub aéreo, um grande grande aeroporto internacional. Tem lá a Lagoa do Peixe, aquelas lagoas que formam um cordão na parte leste do estado, elas são muito frequentadas por aves migratórias, tanto subindo quanto descendo do hemisfério sul pro norte e vice-versa.
Contudo, esse tráfego aéreo anda ameaçado. Nas últimas décadas, o Pampa em território brasileiro vem sendo utilizado para pastagem e também para agricultura de monoculturas, especialmente da soja e do arroz. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil, apontam que cerca de 59% do bioma já foram descaracterizados aqui no país.
Talvez soe meio especulativo, mas o Brasil como um todo é reconhecido como país florestal, né? O peso da Amazônia é muito grande, a Mata Atlântica também, as florestas tropicais, depois tem a savana do Cerrado, tem a Caatinga… Ou seja, quase que politicamente, na prática, esse ambiente formado predominante por Gramíneas acaba perdendo um certo peso, nessa conservação que o Brasil desenvolveu ao longo das décadas.
Tem outro bioma que também acaba recebendo pouca atenção.
Quando a gente coloca Caatinga no Google, o Google fica numa cor assim, deixa eu ver, fica bege, ele fica bege, porque só aparece vegetação seca aqui e acolá, um cacto, terra rachada. Esse estereótipo tipo de Caatinga que as pessoas construíram, os livros didáticos, jornalistas, todo mundo construiu ao longo do tempo.
Aqui a jornalista Maristela Crispim, que acumula mais de 30 anos na cobertura do bioma Caatinga e é mestra em desenvolvimento e meio ambiente pela Universidade Federal do Ceará. A Caatinga é coisa nossa, só existe no Brasil. Esse bioma é encontrado principalmente no Nordeste, com uma área de abrangência de cerca de 11% do território brasileiro.
É um bioma único, com espécies muito interessantes, muito resilientes, muito adaptadas ao clima semiárido. Existem algumas unidades de conservação na região que nos mostram uma vegetação frondosa que perde as folhas no período seco e retoma o verde no período chuvoso, que é a coisa mais linda de se ver da Caatinga, essa capacidade de se adaptar a essas mudanças do clima ao longo do ano, né?
Dados divulgados pela Associação Caatinga indicam cerca de 3.150 espécies de plantas vasculares, cerca de 550 aves, 390 peixes, quase 300 formigas, 170 répteis, quase 100 anfíbios e cerca de 150 mamíferos, com um nível de endemismo variando de 6% entre os mamíferos a 53% entre os peixes, o que reflete valores altos se comparados com outras florestas secas do mundo. Esses números resultam de pesquisas mais recentes que questionam que este seria um ecossistema pobre em espécies e endemismos. Por exemplo, na Chapada do Araripe, um acidente geográfico e sítio paleontológico localizado na divisa dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. ( 11:04)
E é aí onde mora o Soldadinho-do-Araripe, que foi descoberto para a ciência na década de 1990, mas ele já estava em extinção, porque ele é um pássaro que só existe naquelas nascentes da Chapada do Araripe. Também é um pássaro que faz o ninho no chão. E aí tem uma diferença linda eh de espécies, porque o macho, a gente que já tem essa vivência, ele é aquela coloração branca e preta com topete vermelho, mas a fêmea é verdinha e os ovos são verdinhos, então eles conseguem ficar relativamente protegidos nessas áreas de nascente exatamente pela coloração que se confunde com a vegetação.
A biodiversidade da Caatinga, segundo o ICMBio, ampara diversas atividades econômicas regionais, além de apresentar um imenso potencial para conservação de serviços ambientais que, se bem explorados, podem ser decisivos para o desenvolvimento da região e do país. A conservação desse bioma, contudo, está intimamente associada ao combate da desertificação, processo de degradação ambiental que ocorre em áreas áridas, semiáridas e subúmidas-secas.
O processo de desertificação, ele se dá por fatores naturais, mas pode ser intensificado pela ação humana. Então se você tem, por exemplo, como eu disse, a vegetação da Caatinga, ela é super resiliente e adaptada, mas se você desmata, deixa o solo nu, então o que vai acontecer é que a capacidade de regeneração vai diminuindo, vão ficando só aquelas espécies ultra resistentes, mas a biodiversidade em si vai diminuindo e vai ficando cada vez mais pobre.
Dados do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima apontam que 80% dos ecossistemas originais da Caatinga já foram alterados. Um cenário familiar a outro bioma, um vizinho bastante conhecido,
Um centro de biodiversidade incrível e tá aqui do nosso lado, a gente vive dentro desse bioma, é responsável por grande parte da água que a gente consome e que infelizmente já foi destruído na sua maior parte. Dando lugar à cidades, dando lugar a cana de açúcar, a pastos, e plantações diversas, quer dizer, a maior parte da nossa da população brasileira está concentrada numa faixa do país que é ocupada pelo bioma Mata Atlântica, mas que não tem mais as suas florestas originais, porque elas foram retiradas, desmatadas para que a gente ocupasse essas áreas com as atividades humanas, urbanas ou rurais.
Esse é o jornalista Herton Escobar, especializado na cobertura de ciência e meio ambiente e que atualmente trabalha na Universidade de São Paulo como repórter especial da Superintendência de Comunicação Social.
As florestas da Mata Atlântica foram as mais devastadas do país e hoje o bioma conta com apenas 12% de florestas bem preservadas e maduras em relação à sua cobertura original. O bioma é composto por formações florestais nativas com a floresta ombrófila densa mista e a floresta ombrófila aberta, além de ecossistemas associados como manguezais, restingas, brejos interioranos, entre outros. Originalmente a Mata Atlântica ocupava mais de 1.300.000 km² em 17 estados do território brasileiro, estendendo-se por grande parte da costa do país.
A Mata Atlântica é uma obra de arte da natureza que merece tanta admiração e tanta proteção quanto qualquer coisa que nós fizemos com as nossas mãos.
Entre outras ações, a proteção desse bioma passa pela recuperação das suas características originais, inclusive com a manutenção de corredores biológicos.
Quando a gente olha para esse mapa, vamos dizer, mostrando os remanescentes da Mata Atlântica, precisa ser levado em conta a conectividade e a funcionalidade ecológica desses fragmentos. Se eles não estiverem conectados, não necessariamente eles estão cumprindo o papel do bioma. Pode ser só uma floresta que tá isolada e com o tempo ela vai definhar, porque se você não tem os animais, você também não tem dispersão de sementes, com o tempo você tem espécies arbóreas que não vão conseguir se multiplicar, se reproduzir mais, porque você não tem os animais para dispersar as suas sementes.
A Mata Atlântica tem a segunda maior biodiversidade das Américas, perdendo apenas para a Amazônia. Porém, ela possui o maior número de espécies por área, o que a coloca como um hotspot da biodiversidade. Além disso, o bioma presta diversos serviços ecossistêmicos. As florestas e demais ecossistemas que o compõem são responsáveis pela produção, regulação e abastecimento de água, regulação e equilíbrio climático, produção de alimentos, madeira, fibra, óleos e remédios, além de proporcionar paisagens cênicas e preservar um patrimônio histórico e cultural imenso.
E ela presta todos esses serviços que as pessoas não enxergam, porque, se está chovendo, o que que a floresta tem a ver com a chuva que tá caindo no meio da cidade, né?
É curioso como o conhecimento dos biomas brasileiros para a maior parte das pessoas parece ser algo restrito às provas de geografia da época da escola. Assim como no caso da Mata Atlântica, pouca gente associa chuvas ao regime hídrico do Cerrado, por exemplo.
Ele é caracterizado por aquelas árvores mais baixas, aquelas plantas rasteiras. Apesar dele parecer seco por cima, no Brasil ele é conhecido como a caixa d’água, porque ele tem uma série de rios importantes do Brasil que nascem no Cerrado. Então acaba que ele tem uma responsabilidade muito grande de fornecer água doce para uma boa parte da população brasileira.
Você ouviu o vice-presidente da Conservação Internacional no Brasil, Mauricio Bianco.
O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul, atrás apenas da Amazônia e está presente em todas as regiões brasileiras, ocupando cerca de 23.3% do território nacional. Segundo dados do IBGE, ele abriga as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: Amazônica-Tocantins, São Francisco e Prata.
A gente tá falando de um território que é muito usado e tem uma característica muito forte para produção de grãos, toda a parte agro e também a parte pecuária, agricultura e a pecuária muito forte no Brasil. Então, se o Brasil hoje é um país que, se não for o primeiro, é o segundo, no máximo o terceiro em determinadas commodities agrícolas (milho, soja, arroz, algodão e pecuária para corte, principalmente) se deve ao Cerrado.
Esse bioma que gera tanta riqueza é reconhecido pela sua biodiversidade. O Cerrado brasileiro é a savana mais rica do mundo, abrigando 12.829 espécies de plantas nativas já catalogadas. Com relação às espécies da fauna, das 3.167 espécies que já foram avaliadas pelo ICMBio, 9% do total encontram-se em alguma categoria de ameaça de extinção. A pressão que o bioma enfrenta é do avanço da fronteira agrícola.
É possível continuar crescendo em termos de produtividade no Cerrado, sem com isso precisar diminuir ainda mais a quantidade de vegetação nativa daquele bioma.
Mas para isso, outra mentalidade de gestão é necessária.
Eu me arriscaria dizer hoje que do ponto de vista de produtores no Brasil em geral, uma grande maioria tem consciência da importância de conservar e de restaurar e de produzir de forma sustentável, porque senão o próprio modelo de negócio que ele tá dependendo hoje e no qual sua família depende, pode não existir mais daqui uns anos. Talvez não na geração atual, mas talvez nas próximas.
E esse cenário vai se confirmando mais rápido que o esperado. De acordo com o artigo “O Cerrado está se tornando mais quente e seco”, publicado em 2020 na revista científica Global Change Biology, a acrescente supressão de vegetação nativa, somada a incêndios de grandes proporções, tem provocado elevação das temperaturas, o que prejudica ciclos de fotossíntese, absorção de luz e formação de orvalho, muitas vezes a única fonte de água para insetos polinizadores cruciais para manutenção da biodiversidade durante a estação seca. O resultado poderá ser uma reação em cadeia que levará o Cerrado ao colapso em apenas 30 anos, caso essas tendências de aumento médio de temperatura continuem. E esse cenário de altas temperaturas e mais seco se repete também no Pantanal.
Pantanal tem secado, mas basicamente o Pantanal é isso: é uma planície no meio do da América do Sul, que é um importantíssimo reservatório de biodiversidade. Pantanal é um ecótono, que a gente chama, ele é um encontro de vários biomas, é por isso que ele é tão único. Pantanal tem influência do Cerrado, uma grande influência do cerrado. Tem influência da floresta amazônica, tem influência da Mata Atlântica, tem encraves de Mata Atlântica na porção sul do Pantanal.
Esse que você ouviu é o Gustavo Figueiroa, biólogo, especialista em manejo e conservação de fauna, responsável pela comunicação da organização SOS Pantanal.
Pantanal é um um grande tampão de temperatura na região central da América do Sul. Como foi sinônimo de muita água pantanal, as correntes de ar que passavam por lá, o Pantanal era um grande ar condicionado ali para resfriar e regular a temperatura no centro-oeste do país. Com essa diminuição da superfície de água, a gente tá perdendo várias funções ecológicas de regulação térmica mesmo, que essa grande planície alagada presta para pros biomas ao seu redor.
Esse bioma ocupa quase 2% do território nacional, segundo o IBGE e abrange parte dos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Ele apresenta vegetação típica do Cerrado, ocorrendo também vegetação semelhante à Caatinga e pequenas áreas com florestas. Porém, o que o diferencia é que o Pantanal é reconhecido como a maior planície de inundação do planeta Terra, o que constitui o principal fator para sua formação e diferenciação em relação aos outros biomas.
O Pantanal é um bioma muito particular, muito único, que fica bem no coração da América do Sul. É uma grande depressão no meio da América do Sul, é uma planície sedimentar, é como se fosse uma bacia enterrada, no meio da América do Sul. Então toda água que nasce no entorno dele, escorre para ele e ela só tem um lugar para sair, que é o rio Paraguai lá para baixo, na porção sul do Pantanal por Porto Murtinho.
Uma característica desse bioma é que quase toda a fauna brasileira aparece por lá, lá no Pantanal. E durante o período de inundação, parte dessa fauna se refugia nas áreas mais altas, retornando quando baixam as águas. Aliás, essa dinâmica das águas é fundamental para a proteção do bioma.
Mesmo com as legislações protegendo a planície, nosso maior desafio é uma legislação que regule o uso do Planalto. O Planalto é o maior calcanhar de Aquiles hoje do Pantanal. É como se o Pantanal em si, a planície fosse a copa da árvore e as raízes fossem o Planalto. Então não adianta a gente proteger a copa da árvore se a raiz tá sendo cortada. O Pantanal vai perder de qualquer jeito, né? Então o maior desafio a nível de política pública é a gente conseguir uma política pública mais restritiva e que exija mais a restauração desses pontos críticos no Planalto, na bacia do Alto Paraguai.
Ainda que, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o bioma Pantanal seja o mais preservado e que conseguiu conciliar razoavelmente bem os serviços ambientais com a criação de gado, os avanços das fronteiras agrícolas e as recentes queimadas impactam fortemente este bioma.
O pior cenário que os cientistas do IPCC têm traçado, enquanto o mundo vai aumentar em média 2,5 a 3º, no Pantanal tem estudos que estimam que esse número vai chegar de 5 a 7º. Pantanal vai ele vai perder esse efeito de regulação térmica e vai fazer o inverso, ele vai esquentar demais, vai virar uma grande bolha de calor no meio da América do Sul.
A maior planície alagável do mundo e área crucial para conservação da biodiversidade e recursos hídricos. A maior floresta tropical do mundo, com mais de 30.000 espécies de plantas e 1.300 espécies de aves. O berço de nascentes de grandes rios brasileiros. Um hotspot de biodiversidade, um bioma exclusivamente brasileiro e extremamente adaptado ao clima semiárido e um verdadeiro aeroporto para aves migratórias. Tem tudo isso aqui no Brasil.
Chegou ao fim nossa viagem pelos biomas brasileiros. Um convite feito pelo Centro de Formação e Produção e Jornalismo da ESPM Rio e pelo site ((o))eco de Jornalismo Ambiental. Parte das entrevistas que você ouviu aqui foram gravadas durante o seminário que comemorou os 20 anos do site ((o))eco e foram realizadas pelos estudantes de jornalismo da ESPM, Duda Reis, Joana Braga e Vinícius Nunes. A Joana também é responsável pela pesquisa sobre os biomas. O roteiro, a apresentação e a edição ficaram comigo, Guilherme Costa, jornalista e professor dessa turma. A montagem e demais trabalhos técnicos é do Jerônimo Orselli, do laboratório de podcast da ESPM Rio. Pelo site ((o))eco, essa produção contou com a supervisão do diretor executivo Paulo André Vieira e do diretor de conteúdo Marcio Isensee, que também participou do desenvolvimento da ideia original.
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