A economia catarinense tem motivos para comemorar. O estado é o maior produtor de ostras e mexilhões do país, com 96% e 92% do total nacional, respectivamente. Céu de brigadeiro na economia, sinais de tormenta para o meio ambiente. A produção excessiva está reduzindo os estoques naturais de mariscos – que são as larvas, ou sementes, que se reproduzem nos costões rochosos.
Uma volta ao redor da Ilha do Papagaio, reserva particular de 146 mil m² localizada em Palhoça, a 40 quilômetros de Florianópolis, evidencia o fim da abundância de mexilhões. Há 35 anos, quando a família de Renato Sehn comprou a propriedade, os peixes podiam ser pegos com a mão na beira da praia. “Achei que nunca fossem acabar. Hoje, não tem mais nada”, lamenta Manoel Santos, zelador da ilha. Mariscos servem de alimento para peixes de várias espécies. Sem marisco, sem peixe.
A produção de mexilhões começa com a extração das sementes. Elas são arrancadas dos costões e levadas para fazendas marinhas. Em Santa Catarina, a maior parte da produção é do tipo “espinhel”: cordas mestres com bóias e âncoras sustentam outras cordas onde se instalam os mexilhões. O cultivo em si é de fácil manejo e tem pouco impacto ambiental e visual.
O problema todo está no início, na retirada das sementes. Os produtores usam pás para raspar a rocha, e acabam levando junto os substratos onde novas larvas iriam se fixar (foto). O sumiço dos mariscos reflete-se na fauna que se alimenta destes animais, como os poliquetas (vermes marinhos) e os peixes-porcos. Além disso, a intensa atividade de raspagem nas rochas está diminuindo a área de navegação e prejudicando o turismo, por causa da poluição visual. Renato Sehn já perdeu a conta do número de vezes que denunciou essa prática às autoridades. “Ninguém faz nada. E eu, que sou um empresário preocupado com o meio ambiente, ainda sou chamado de bandido”, queixa-se.
O município de Penha está mostrando que abandonar a prática predatória beneficia não apenas o meio ambiente, mas também o bolso. Em 2002, foi o maior produtor de mariscos do Estado. De seus 22 mil habitantes, mais de 2 mil sobrevivem desse cultivo. Nos últimos anos a produção caiu, mas um projeto de conscientização dos maricultores coordenado pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) pode levar a cidade de volta à liderança do cultivo em 2005. “Há um ano não estamos tirando semente dos costões. Nas próprias criações há semente sobrando”, relata Arnoldo Rodolfo da Silva, um ex-pescador que há cinco anos foi em busca de renda melhor na maricultura (foto). Segundo ele, o trabalho da Univali fez os produtores se darem conta de que naquele ritmo os estoques naturais iam acabar. “Eles sempre nos alertaram que a natureza precisa de um tempo para se recuperar”, afirma. O resultado da mudança de postura já se faz notar na produção. “A natureza está sendo generosa com a gente”, resume Arnoldo.
Segundo Gilberto Caetano Manzoni, coordenador do Centro Experimental de Maricultura da Univali, a prática da maricultura tem outro impacto ambiental: o acúmulo de matéria orgânica no fundo dos locais de cultivo. “O mexilhão filtra a água do mar o tempo todo. Ele absorve o que quer e depois expulsa as substâncias que não quer”, explica. Ao longo dos anos, esse depósito de rejeitos abaixo dos cultivos pode ser agressivo ao ecossistema marinho. Além disso, o professor alerta o consumidor para que verifique a origem do mexilhão que está comprando. “Alguns cultivos ocorrem em áreas onde há despejo de esgoto, o que afeta a qualidade dos mariscos”, afirma Manzoni.
Em 1990, o Laboratório de Moluscos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) iniciou pesquisas para a produção de larvas de ostras. No ano passado, vendeu 32 milhões de sementes para cidades do Sudeste e do Nordeste. Atualmente, estão avaliando a possibilidade de desenvolver larvas de mexilhões. Mas as expectativas não são boas: “Não sabemos se será viável, porque o preço do mexilhão é muito baixo. Quem irá pagar por toda essa pesquisa?”, indaga a bióloga Marisa Bercht, mestre em Aqüicultura e pesquisadora do Laboratório de Moluscos da UFSC.
Enquanto isso não é possível, a universidade incentiva os produtores a coletarem sementes no próprio local de cultivo, como já acontece em Penha, poupando assim os costões e seus futuros mexilhões.
* Eunice Venturi é jornalista e pós-graduanda em educação ambiental em Joinville.
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