Até agora, foram apresentadas 111 emendas ao Projeto de Lei de Gestão de Florestas que o governo federal apresentou há duas semanas, em regime de urgência constitucional, na Câmara dos Deputados. Nenhuma delas questiona o regime de concessão para a exploração de florestas em terras públicas por interesses privados. Nem tampouco assentamentos rurais em áreas designadas para atividades de desenvolvimento sustentável, como o extrativismo. A maioria coloca em discussão coisas que a área ambiental do governo considera legítimas, como prazos de concessão e os processos que serão criados caso o projeto seja aprovado. Mas algumas das emendas preocupam a cúpula do Ministério do Meio Ambiente.
Há as que tentam esvaziar o MMA das atribuições de gestão, repassando-as ou dividindo-as com o Ministério da Agricultura, ou que pegaram carona no projeto para tentar modificar o Código Florestal Brasileiro, acusa membro do alto escalão do Executivo. O deputado Mendes Thame (PSDB-SP), recordista de emendas apresentadas ao projeto – assina 32 delas – toca em todos estes temas pela contramão do que pretende a área ambiental do governo. A vontade de Thame de reduzir a importância do MMA numa eventual operação de gestão de florestas públicas é tanta que algumas de suas emendas chegam a ser contraditórias. Parecem ter sido escritas como uma espécie de salvaguarda para seus objetivos originais.
Por exemplo, algumas pedem que o Serviço Florestal Brasileiro, órgão que ficaria encarregado de administrar as concessões, e a silvicultura, que a rigor pode incluir qualquer tipo de atividade econômica em florestas públicas, fiquem subordinadas à Agricultura. Outras, que a diretoria do Serviço Florestal não seja apenas indicação do Ministério do Meio Ambiente, mas também do Ministério da Agricultura. Mas o que preocupa mais o governo são as tentativas de pegar carona no projeto para modificar determinações que estão no Código Florestal Brasileiro. “São coisas que estão sendo colocadas lá numa tentativa de descaracterizar o projeto”, continua o funcionário federal.
Thame também aparece com destaque nesse quesito. Fez emendas sugerindo a passagem da tutela de florestas plantadas também para o Ministério da Agricultura e sugeriu o fim da regra que impõe a manutenção de 20% de reserva legal em pequenas propriedades. “Há uma clara tentativa de se fazer com o projeto de florestas o que aconteceu no projeto de Biossegurança”, diz a mesma pessoa. Vão se agregando a ele, pelas emendas, uma série de questões que pouco tem a ver com seu objeto. O risco é elas ficarem mais importantes do que a discussão sobre a gestão das florestas públicas. Foi isso que aconteceu na Lei de Biossegurança.
Enfiou-se a questão das células-tronco no meio do projeto, ela tornou-se a discussão dominante, e depois que o projeto passou, viu-se que o país adotou legislação que exclui a área ambiental do governo de influir na política nacional de bissegurança. Escaldados pela experiência anterior, Marina Silva e seus assessores mais diretos não se descuidam um minuto da tramitação do projeto na Câmara. A mesa da Casa, por exemplo, tinha inexplicavelmente excluído da Comissão Especial que vai examinar o texto os deputados que fazem parte da Comissão da Amazônia. Como eles têm interesse direto no assunto, rebelaram-se e ameaçaram pressionar o Executivo para retirar do projeto o caráter de urgência constitucional. A turma de Marina foi ao Congresso conversar com suas excelências e o governo pressionou Severino Cavalcanti, presidente da Câmara, a incluí-los na Comissão Especial. Na noite de quinta, dia 10 de março, essa pequena crise estava debelada. Mas a carga contra a urgência constitucional não.
O governo identifica por trás dela uma aliança que soa estranha, porque junta um ex-ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA), e dois velhos inimigos, a bancada ruralista e a associação de funcionários do Ibama – ou mais exatamente a ala de funcionários que têm militância sindical. Se ela vai dar certo, ou não, depende fundamentalmente de Lula. Só ele tem poder para retirar o projeto de regime de urgência. Mas a condução política do governo tem sido tão atabalhoada que não soa absurda a hipótese de a esperteza do legislativo forçar a presidência a dar um passo atrás.
Mas quem está na linha de frente diz que o recuo pode ter sérias conseqüências. “Ou o governo consegue aprovar rápido o Projeto de Lei de Gestão das Florestas Públicas ou restarão duas alternativas: o fim da indústria madeireira da Amazônia ou o desmatamento em larga escala e ilegal”, afirma Vagner Krombauer , presidente da União das Indústrias Florestais do Estado do Pará (Uniflor). Como o PL tem caráter de urgência, ele tem que ser aprovado até 7 de abril. Se não passa a trancar a pauta de votação.
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