Todo mundo sabe, todo mundo vê, mas ninguém faz nada. Essa é a sensação de quem nota, ano após ano, o aumento das crateras formadas a partir da extração desmedida de areia em Cabo Frio (RJ). Há mais de uma década, enormes lagoas (foto) surgem por causa da atividade, provocando um impacto visual impressionante.
Surpreendentemente, as conseqüências ambientais da exploração mineral em uma área não costeira e que não envolve leito de rio – como é o caso, a princípio — são consideradas as menos perigosas à natureza, na opinião de especialistas. No entanto, denúncias sobre a retirada de vegetação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) para o recolhimento da areia e dúvidas envolvendo a própria licença da Feema que autoriza as extrações levaram o Ministério Publico (MP) a investigar a ação de pelo menos uma das empresas mineradoras. As denúncias foram oficializadas por um conhecido ambientalista da região e, ironicamente, passaram despercebidas pelos órgãos ambientais fiscalizadores.
A história das mineradoras na região dos Lagos do estado do Rio não é recente. Diversos municípios litorâneos viraram verdadeiros campos de extração de areia para construção civil, especialmente na praia de Unamar e no distrito de Tamoios, ambos em Cabo Frio. Desde a década de 80, quando as atividades começaram, uma série de denúncias e escândalos acompanhou a trajetória das empresas. Segundo o ambientalista Ernesto Galiotto — que fez as denúncias e mantém um parque florestal vizinho à zona de extração — houve épocas em que as mineradoras retiravam cerca de 300 caminhões carregados de areia por dia, o equivalente a aproximadamente 3 mil toneladas do mineral. A atividade, que acontece em uma área de praia relativamente afastada da linha da costa, tem feito surgir crateras com cerca de 10 metros de profundidade que expõem o lençol freático em um cenário desolador.
Para o geólogo Cleverson Guizan Silva, da Universidade Federal Fluminense, a água que surge na superfície pode permitir desequilíbrios ambientais na medida em que o local se torna propício à sobrevivência de larvas de mosquitos, por exemplo. Além disso, a exposição do lençol o torna vulnerável à contaminação. Mas, no caso de Cabo Frio, a principal ameaça é à vegetação de restinga, que, como os mangues, deve ser preservada em todo país, independentemente de estar ou não em unidades de conservação.
A dimensão da devastação (visível até em fotos de satélite) inspirou denúncias que levaram a Polícia Federal (PF) a suspender, em 1999, a atividade de 23 empresas que atuavam na região. A área ficou abandonada e acabou atraindo a ocupação desordenada. Mas duas mineradoras continuaram. Mesmo assim, em 2002, elas tiveram máquinas apreendidas em uma nova intervenção da PF, apesar de portarem concessão de lavra e licença da Feema. O principal argumento de Galiotto é de que as empresas estariam retirando vegetação de restinga e mata atlântica na APA do Rio São João, onde é permitido apenas o uso sustentável do solo, sob supervisão do Ibama. O MP de Cabo Frio ainda não pode confirmar a irregularidade, restringindo-se a explicar que, no papel, as extrações acontecem pelo menos muito próximas a essa unidade de conservação. De qualquer maneira, as fotos que embasaram as denúncias não deixam dúvida de que a cobertura verde está sendo sumariamente retirada (foto).
A pedido do MP do Rio, que instaurou um inquéritio civil para apurar fraudes na concessão de licenças pela Feema, a promotoria pública de Cabo Frio começou a investigar a atividade da empresa Tosana Agropecuária S.A., que tem uma propriedade na área e realiza extração de areia por intermédio de uma outra, a Minerare — Mineração e Comércio Ltda. Um ponto chave neste caso é a solicitação do proprietário da Tosana, Osaná Sócrates de Araújo Almeida, de alargar um canal para aumentar a captação de água doce para irrigação. No pedido, Osaná recorreu ao curioso argumento de que a ampliação serviria também para demarcar melhor os limites da fazenda. Apesar do pedido não ter sido atendido, o MP foi informado que o proprietário já estaria realizando as obras no local para extrair ainda mais areia.
O professor do Programa de Engenharia Oceânica e Costeira da Coppe/UFRJ, Paulo César Rosman, alerta que a retirada de areia do leito dos rios acarreta danos irreversíveis ao meio ambiente, pois modifica por completo a dinâmica de deposição de sedimentos, causando problemas, inclusive, à sua vazão. “Se é preciso retirar areia de algum lugar para atender as demandas da nossa sociedade, que seja feito no fundo do mar, longe da costa. A questão é que isso tem um custo muito elevado”, comenta. E, nesse caso, Rosman é categórico: “Se estão interferindo nos rios é porque está faltando fiscalização do poder público”.
Está mesmo. E cada um dá suas desculpas. Segundo a promotoria de Cabo Frio, já é sabido que Osaná é poderoso na região dos Lagos. Coincidência ou não, os agentes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente têm sempre dificuldade para entrar na fazenda em Tamoios, só obtendo êxito com apoio policial. Enquanto isso, o gerente regional do Ibama, Marcos Machado, diz que desconhece quaisquer problemas de acesso ao local e informou que as vistorias são feitas normalmente, sem registro de irregularidades. Assim, como se trata de uma área federal, o Ibama concedeu sem restrições um ofício de “nada opor” à Feema — requisito para que a entidade estadual liberasse a atividade.
A Feema se defende dizendo que a empresa Tosana apresentou um plano de controle ambiental da área e tinha concessão de lavra emitida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). “A Feema confere se os areeiros estão atuando dentro dos limites estabelecidos na licença, mas, no caso de haver vegetação, a responsabilidade é do Ibama”, diz o agente regional Luis Carlos de Oliveira.
Pelo andar da carruagem, o final das investigações não está próximo. Enquanto isso, a aparente tranqüilidade como a Feema e o Ibama tratam a extração de areia na região dos Lagos coloca em dúvida a origem do alvoroço. De duas, uma. Ou as fotos que deram origem às denúncias são falsas e mal intencionadas ou as autoridades ambientais não conseguem ver um palmo diante do nariz.
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