Reportagens

Triste fim de Chuquicamata

No deserto de Atacama, uma cidade inteira está sendo transferida de lugar pelo governo chileno. É preciso abrir espaço para ampliar a exploração de cobre.

João Teixeira da Costa ·
16 de março de 2005 · 20 anos atrás

Chuquicamata é uma pequena cidade perdida no meio do deserto chileno de Atacama, considerada a região mais árida do mundo. Pacata como manda o figurino. Ao redor da praça principal, uma igreja, a sede da prefeitura e os principais serviços do lugar. Mas a rotina tranqüila é quebrada todos os dias, pontualmente às cinco da tarde, quando começam as explosões na mina de cobre que funciona a menos de 3 quilômetros da cidade. Uma nuvem de poeira invade as ruas, dificultando a respiração de quem se aventura fora de casa.

O sustento das 3.200 famílias de Chuquicamata depende, direta ou indiretamente, da exploração de cobre. Nos últimos anos, a Corporação de Cobre do Chile (Codelco), maior estatal do país, investiu cerca de 600 milhões de dólares para tentar melhorar a qualidade do ar na cidade. O plano teve sucesso relativo, com a redução de 70% nas emissões tóxicas. Mas não foi suficiente para conter o aumento dos casos de doenças respiratórias na população, a maior parte delas provocada pela poeira em suspensão e pelos resíduos de arsênico no ar. Entre as enfermidades mais comuns está a silicose, doença tradicionalmente associada ao trabalho em minas.

Por isso, o governo chileno tomou uma medida drástica: está desfazendo a cidade. Desde 2003 todos os moradores de Chuquicamata estão sendo transferidos para a vizinha Calama, distante cerca de 10 quilômetros. Os custos da mega-operação, estimados em mais de 200 milhões de dólares, são bancados pela estatal, que com o fim de Chuquicamata poderá ampliar a exploração de cobre na área.

A importância do cobre para o país ajuda a explicar o alto investimento. O Chile tem 17% das reservas conhecidas do mineral no planeta. Chuquicamata é a principal mina do país e a maior a céu aberto do mundo. Um imenso buraco de 850 metros de profundidade e 4.500 metros de comprimento, em cujas paredes enormes caminhões carregados de areia descem e sobem em espiral.

A cada dia são retiradas 600 mil toneladas de material bruto, de onde se extraem 186 mil toneladas dos mais diversos minerais, entre eles o cobre. Desde 1915, quando a mina começou a ser explorada por empresas americanas, mais de 1,6 bilhão de toneladas de material bruto já foram retiradas da mina de Chuquicamata, e a expectativa é de que nos próximos 25 anos esse valor dobre. Administrando o principal produto de exploração chileno desde 1971, quando o governo de Salvador Allende nacionalizou o cobre do país, a Codelco acumula lucros estratosféricos. Foram US$ 3,5 bilhões só em 2004, ou cerca de 8% do PIB chileno.

A transferência dos moradores de Chuquicamata para Calama não se deve apenas a um problema de saúde pública. Os planos de expandir a exploração da mina esbarram no enorme gasto de combustível e manutenção dos caminhões que retiram as milhares de toneladas de areia que sobram diariamente após a extração dos minerais. A Codelco quer encurtar ao máximo a distância entre a mina e os depósitos, que acabaram se aproximando perigosamente da cidade (foto). Com a população devidamente transferida, as construções serão postas abaixo e Chuquicamata vai se transformar em um enorme depósito de areia.

Mas a gente que mora ali não tem nervos de cobre. A maioria dos habitantes resistiu à mudança. Reclamam do sentimento de perda de raízes, do aumento da distância para o trabalho e do contraste entre a tranqüilidade da antiga vizinhança e o clima de “cidade grande” de Calama. Não que esta, com seus pouco mais de 120 mil habitantes, seja uma metrópole. Mas para quem se acostumou com uma vida inteira na pequena Chuqui, como a cidade é conhecida, a diferença é do tamanho do abismo que a mina de cobre abriu no deserto.

Pedro Cruz (foto), chofer de caminhão da Codelco que há cinco meses foi transferido com sua família para uma vila construída pela estatal, sente saudades do lugar onde nasceu. Ao lado da mulher Lonka e da filha Ivanna, lamenta a perda da tranqüilidade e de áreas de lazer. “Gosto de correr, mas nessa vila onde estamos morando não tenho onde fazer isso”. A preocupação com a saúde, contudo, o fez resignar-se com a mudança. “Aqui também chega poeira, mas ela não é tóxica e vem em quantidade muito menor”, afirma ele.

Na mesma Villa Los Volcanes, onde mora a família Cruz, Andrew Flores, de 14 anos, passeia com sua bicicleta pelas ruas recém-pavimentadas pela Codelco. Seu pai é um exemplo de crescimento dentro da empresa. Começou como operário dentro da mina, passou a chofer de caminhões e hoje trabalha em um escritório no luxuoso prédio da estatal em Calama. Andrew, que é portador de asma alérgica desde que se entende por gente, teve que abandonar Chuquicamata com a família há dois meses e já sente a diferença. “O ar é diferente e me sinto muito melhor. Hoje eu não fico resfriado com tanta freqüência”. Sua irmã Catalina, de 12 anos, que sofre de asma crônica, também apresenta melhoras. Eles fazem tratamento no Hospital do Cobre, em Calama, que atende pacientes com doenças relacionadas à exploração do mineral.

Apesar de satisfeito com a melhora na saúde, Andrew se diz triste em deixar a terra natal e parece assustado com a agitação de Calama. “Em Chuqui vivíamos como numa bolha, e agora estamos tendo que encarar uma realidade muito diferente”. Até a escola – com seus professores, funcionários e estrutura – foi transferida para a cidade vizinha. Planos para o futuro ele já tem. “Quero ser geólogo”, diz Andrew.

Segundo a empresa, até o fim de 2004 foram realizadas 782 mudanças, e a expectativa é chegar ao fim de 2005 com mais de 1.250 famílias transferidas, entre funcionários da Codelco e os chamados particulares. Para amenizar o caráter obrigatório da mudança, a empresa propagandeia que esta é uma “oportunidade única” para muitos moradores. Perde-se uma cidade, conquista-se o sonho da casa própria.

A promessa foi cumprida pela metade. Ao contrário dos funcionários, que receberam indenizações com as quais puderam pagar as casas novas, os particulares obtiveram da estatal apenas facilidades de financiamento. As donas de casa Jacqueline Miles e Maria Rosales tinham uma pequena loja em Chuquicamata, mas em abril de 2004 tiveram que fechá-la e se mudar para a Villa Tucnar Huasi. Elas não se queixam da vida nas novas casas, mas reclamam da diferença de tratamento dada pela Codelco para funcionários e particulares. “Não tivemos escolha, tivemos que nos conformar e sair caladas. Ainda por cima, nossas casas são piores que as deles”, diz Jacqueline.

À medida que se aproxima o fim dos tempos para Chuqui, cresce o sentimento de nostalgia entre os que ficaram. Vários moradores se recusam a sair da cidade até o último minuto possível, mesmo com a saúde ameaçada pela poeira. Depois de ver sua história virar pó, pode ser que ganhem como recordação uma réplica da parte antiga da cidade, que tem prédios do início do século. Um projeto pretende erguer o cenário perto da vila chamada “Nova Chuquicamata”.

* João Costa é jornalista e integrou a expedição Filhos do Sul, que percorreu a América do Sul de carro.

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