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Pra toda obra

Há 37 anos no Brasil, o iraniano Khoshrow Ghavami é um pioneiro no estudo das aplicações do bambu na engenharia. Suas teorias estão cada vez mais difundidas.

Bruno Prada ·
1 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Por muito tempo visto como praga em plantações, o bambu tem cada vez mais defensores. O engenheiro civil Khoshrow Ghavami é um deles. Aliás, engenheiro civil, professor, pesquisador, arquiteto… Há mais de 20 anos, Ghavami é um ativista ambiental sem ter muita consciência disso. Tornou-se um dos maiores responsáveis por estimular a discussão sobre o uso de materiais não-convencionais na construção civil. Enquanto a engenharia contemporânea vê o futuro através do aço e do alumínio, Ghavami rema contra a maré da exploração mineral, defendendo uma tecnologia milenar. Custou para vencer a resistência do meio acadêmico, mas hoje tem artigos publicados em revistas especializadas e é consultado por engenheiros de todo o mundo. São 37 anos de pesquisas, que elevaram o bambu de artesanato a material de construção respeitado no país.

Sua origem iraniana, ou persa, como prefere (o atual Irã fica na antiga Pérsia), vale por um diploma de especialização sobre o tema. Iniciou seus estudos em arquitetura na cidade de Teerã, capital do país, onde havia dezenas de construções remanescentes das civilizações antigas, como um castelo à base de palha de trigo que perdura há mais de três mil anos. O Irã é um dos berços do que se chama, no Brasil, Arquitetura da Terra, a mistura de solo com fibras – uma espécie de pau-a-pique reforçado – que possibilita levantar prédios resistentes, respeitando as características naturais do local de modo que as estruturas aproveitem o ambiente que as cerca, tanto prática quanto visualmente. Alguns prédios iranianos possuem até um sistema de resfriamento do ar sem energia elétrica, que a partir de uma canalização faz a corrente de vento passar por debaixo da terra úmida antes de chegar aos cômodos.

Apesar da tradição, as universidades iranianas tratavam apenas das construções modernas. “Como todos os cursos no mundo eram baseados nas ciências industrializadas, eu aprendi a usar somente concreto e aço”. Sua distinção no curso de arquitetura lhe rendeu uma bolsa de mestrado em Moscou, onde se especializou em engenharia civil. Mesmo com materiais convencionais, sua veia inovadora já aparecia. Sua tese sobre novas formas de utilização do aço apresentava vigas, treliças e arcos, estruturas fundamentais na construção com bambu.

Em 1978, foi convidado como professor visitante para o Laboratório de Estruturas e Materiais da PUC do Rio de Janeiro. Fascinado com a quantidade de bambus que havia no campus, começou a usá-los para substituir o aço em pequenos protótipos feitos em salas de aula. A percepção de que lidava com um material super-resistente e versátil o fez procurar livros sobre o assunto. Mas eles não existiam. A partir daí, o bambu não saiu mais de seu laboratório de testes.

Algumas culturas, como a pré-colombiana e a chinesa na Antigüidade, já conheciam as virtudes do bambu. No Brasil, ele estava nas estruturas dos primeiros aviões de Santos-Dumont. Segundo Ghavami, o bambu chega a ser até seis vezes mais resistente do que o aço. Estruturas elaboradas podem segurar casas de até três andares e pontes para veículos comuns (como se vê na foto ao lado, na Colômbia). Com a intenção de expandir e divulgar suas descobertas, Ghavami fundou um núcleo de pesquisas na PUC-Rio e a ABMTENC (Associação Brasileira de Materiais e Tecnologias Não-Convencionais). Também criou as primeiras diretrizes para a utilização do material na engenharia, e as registrou na ISO, organização internacional que estabelece normas e padrões para os processos produtivos.

Uma das primeiras experiências do engenheiro foi tentar encontrar uma alternativa ao amianto, já que vários países da Europa o haviam proibido por causar problemas de saúde nos trabalhadores. Conseguiu fortalecer fibras de bambu e côco, naturalmente resistentes, misturando-as a cimento e barro. De telhados passou para paredes, casas, vergalhões, e percebeu que quase tudo pode ser feito com materiais não-convencionais. Para Ghavami, são processos que deveriam ser adotados em larga escala pela engenharia contemporânea, pois além de ecológicos são muito mais inteligentes. Utilizam recursos locais abundantes na natureza e requerem um gasto de energia mínimo comparado aos materiais comuns.

O bambu é, na verdade, uma espécie de grama. Nativo do Brasil, multiplica-se rapidamente em praticamente todo tipo de solo e atinge a maturidade para extração em apenas três anos. É uma matéria-prima barata e renovável. Sua extensa utilização na engenharia civil poderia reduzir a extração de minerais como o alumínio, agressiva ao meio ambiente, e diminuir a emissão de gases poluentes das indústrias de beneficiamento do aço. A intensa folhagem nas partes mais altas do bambu contribui ainda para a absorção do gás carbônico da atmosfera. Embora reconheça que o bambu ainda não pode substituir tudo, Ghavami está certo de que seria muito útil em setores onde o uso de metais atualmente é indispensável, como na aviação.

O engenheiro começa a dar o exemplo em seu próprio escritório. Ao seu redor, há uma infinidade de pequenas coisas feitas de bambu, como estante, cabide, escada, papel, mesa e cadeira. Um aluno de Desenho Industrial da PUC desenvolveu a famosa bicicleta de bambu, que hoje está sendo comercializada na Europa. Outro grupo de ex-alunos fundou a empresa Bambu Brasil, especializada em estruturas para eventos. Em 2004, montaram apenas com o material as barracas de uma feira de alimentos orgânicos, no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro.

Apesar de estarem conseguindo entrar no mercado lentamente, os materiais não-convencionais ainda sofrem restrições nas universidades e instituições de ensino. Ghavami corre o mundo participando de congressos para mudar esse quadro. Em suas viagens, prioriza os países em desenvolvimento por acreditar que sejam os maiores interessados. Em lugares como Hanói, no Vietnã, procura difundir seu lema. Para ele, a negação dos materiais que existem na natureza é uma ignorância cultural, conseqüência da “dependência de um pensamento colonizado” pela industrialização acelerada.

* Bruno Prada é jornalista recém-formado.

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