Os índios Xokleng têm passado os dias sentados na porteira da estrada que corta sua área, fazendo cara feia para quem aparece no pedaço. Os brancos andam por lá assustados – às vezes os índios barram uns, só por pirraça, para mostrar quem é que manda.
O rolo acontece na Reserva Indígena Duque de Caxias, no coração de Santa Catarina, onde o agito mais notável é a Oktoberfest de Blumenau. A briga da hora não é pela terra, mas por tudo que cresce nela: o desmatamento ilegal está comendo tanto os 14 mil hectares da reserva indígena quanto os 5 mil hectares da vizinha Reserva Biológica Estadual de Sassafrás, na zona rural do município de Doutor Pedrinho. Nos últimos seis meses a polícia ambiental já apreendeu 16 caminhões com carga de madeira derrubada ilegalmente.
Quem é o bandido? Não é gente malvada roubando madeira de índio bonzinho, nem índio roubando madeira de reserva biológica. Índios e brancos, todos roubam de todos, numa área de fiscalização mínima. Os dois lados devastam o que podem para abastecer a indústria moveleira da região – que dá nota fria para quem trouxer um tronco de árvore e até fornece caminhão para facilitar o transporte.
Em maio de 2003, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fatma) suspendeu a demarcação proposta pela Funai para a área dos Xokleng adjacente à reserva do Sassafrás. É por isso que a turma fica nas porteiras, cada um de olho num pedaço maior da ainda densa cobertura de Floresta Atlântica que enfeita a paisagem.
A medida, que poderia acalmar os apetites e representar um princípio de paz entre as partes, botou mais lenha na fogueira, ou melhor, nos caminhões. Agora os brancos acusam os índios de se associarem a atravessadores para invadir propriedades vizinhas, fora das duas reservas.
O clima pesou em Doutor Pedrinho. Há registros de agressões a índios que circulavam pela cidade. Em resposta, eles defendem sua terra como área intocável e andam hostilizando quem passa por elas. Num caso extremo, foram acusados de sair da reserva, roubar a antena retransmissora da TV Globo em Doutor Pedrinho e pedir resgate por ela. O prefeito Ercides Giacomozzi os acusa de jamais terem investido em cultivos: “Eles nunca plantaram nada, se tivessem feito isso não precisariam estar invadindo a terra dos brancos”, resmunga. Por “terra dos brancos”, entenda-se a reserva biológica, que por lei permite a presença de pesquisadores (seja de que etnia forem) e só.
Os índios não dizem nada – a Polícia Federal e a Funai garantem a privacidade deles dentro de sua área. Os moradores apontam como cabeças do conflito brancos casados com mulheres indígenas vivendo dentro da reserva. A polícia abriu inquéritos contra eles por crime ambiental – mas nada prospera na Justiça por causa da natureza especial da reserva. Quando o processo é contra os brancos a coisa não é muito diferente. Lá pelas tantas emperra, sabe deus por quê, e segue a vida, com cada vez menos verde à vista.
* Carla Lins tem 21 anos e é recém-formada jornalista em Florianópolis.
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