Reportagens

Questão de pele

Brancos e índios estão em conflito no interior de Santa Catarina. Brigam para desmatar ilegalmente as florestas da aldeia e da reserva biológica vizinha.

Carla Lins ·
6 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Os índios Xokleng têm passado os dias sentados na porteira da estrada que corta sua área, fazendo cara feia para quem aparece no pedaço. Os brancos andam por lá assustados – às vezes os índios barram uns, só por pirraça, para mostrar quem é que manda.

O rolo acontece na Reserva Indígena Duque de Caxias, no coração de Santa Catarina, onde o agito mais notável é a Oktoberfest de Blumenau. A briga da hora não é pela terra, mas por tudo que cresce nela: o desmatamento ilegal está comendo tanto os 14 mil hectares da reserva indígena quanto os 5 mil hectares da vizinha Reserva Biológica Estadual de Sassafrás, na zona rural do município de Doutor Pedrinho. Nos últimos seis meses a polícia ambiental já apreendeu 16 caminhões com carga de madeira derrubada ilegalmente.

Quem é o bandido? Não é gente malvada roubando madeira de índio bonzinho, nem índio roubando madeira de reserva biológica. Índios e brancos, todos roubam de todos, numa área de fiscalização mínima. Os dois lados devastam o que podem para abastecer a indústria moveleira da região – que dá nota fria para quem trouxer um tronco de árvore e até fornece caminhão para facilitar o transporte.

Em maio de 2003, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fatma) suspendeu a demarcação proposta pela Funai para a área dos Xokleng adjacente à reserva do Sassafrás. É por isso que a turma fica nas porteiras, cada um de olho num pedaço maior da ainda densa cobertura de Floresta Atlântica que enfeita a paisagem.

A medida, que poderia acalmar os apetites e representar um princípio de paz entre as partes, botou mais lenha na fogueira, ou melhor, nos caminhões. Agora os brancos acusam os índios de se associarem a atravessadores para invadir propriedades vizinhas, fora das duas reservas.

O clima pesou em Doutor Pedrinho. Há registros de agressões a índios que circulavam pela cidade. Em resposta, eles defendem sua terra como área intocável e andam hostilizando quem passa por elas. Num caso extremo, foram acusados de sair da reserva, roubar a antena retransmissora da TV Globo em Doutor Pedrinho e pedir resgate por ela. O prefeito Ercides Giacomozzi os acusa de jamais terem investido em cultivos: “Eles nunca plantaram nada, se tivessem feito isso não precisariam estar invadindo a terra dos brancos”, resmunga. Por “terra dos brancos”, entenda-se a reserva biológica, que por lei permite a presença de pesquisadores (seja de que etnia forem) e só.

Os índios não dizem nada – a Polícia Federal e a Funai garantem a privacidade deles dentro de sua área. Os moradores apontam como cabeças do conflito brancos casados com mulheres indígenas vivendo dentro da reserva. A polícia abriu inquéritos contra eles por crime ambiental – mas nada prospera na Justiça por causa da natureza especial da reserva. Quando o processo é contra os brancos a coisa não é muito diferente. Lá pelas tantas emperra, sabe deus por quê, e segue a vida, com cada vez menos verde à vista.

* Carla Lins tem 21 anos e é recém-formada jornalista em Florianópolis.

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