Há muito não se desmata tanto como se desmata agora e o governo não age como se achasse isso um problema grave. Não corre atrás de dinheiro para a preservação – há 2 bilhões de dólares reservados para a conservação da Amazônia no Banco Mundial – e não usa os recursos de que já dispõe para impedir o avanço sobre a floresta. O governo nem está preocupado em ter um esquema de biossegurança, coisa fundamental para conquistar mercados para nossas exportações agrícolas. Na primeira parte que O Eco publica de sua entrevista, Gabeira diz que o principal culpado por esta situação é o próprio Lula. Política ambiental o governo até tem, o presidente não gosta é de implementá-la. A segunda parte da entrevista com o deputado será publicada no domingo, dia 30 de janeiro.
Esta entrevista vai te explorar, mas também tendo o objetivo de depois criar um vínculo…
Gabeira - A minha idéia de vir aqui também é essa de criar vínculo, porque esse ano vai ser extremamente difícil para nós e para Marina (Silva, ministra do Meio Ambiente), e nós temos que unir forças…
Na Amazônia já foi detectado um crescimento muito grande da devastação…
Gabeira - E eles não estão querendo revelar isso…
E vai coincidir com um aumento desse populismo desenvolvimentista do Lula. Vai dar para continuar a falar em preservação?
Gabeira - É, agora vem o vale-tudo. A Marina me contou o seguinte: existe um documento do Banco Mundial indicando a necessidade de investimento na recuperação da Amazônia, investimento que poderia chegar a 2 bilhões de dólares. Mas quando o Banco fala nisso, toca em duas condições que seu pessoal diz serem importantes: a primeira delas é que se traga para o diálogo sobre preservação todos os atores, inclusive os bad boys, a turma que promove a devastação; a segunda é a necessidade de haver uma autoridade nacional que pudesse negociar sobre e na Amazônia em nome do país, que pudesse se articular na região para buscar uma solução mais geral para seus problemas. Hoje, isso não existe e a situação é confusa. Falta coordenação. O Ministério da Justiça trata das questões de terra de Roraima, o do Interior cuida de alguma outra coisa, um monte de outos ministérios tem ações na região. Mas isso se faz sem articulação, o que é problemático. Então o que existe é um potencial de investimento externo alto para Amazônia que o país não consegue ir pegar por falta de condições adequadas para atrair esse capital.
Esse dinheiro é para quê?
Gabeira - Potencialmente para a preservação ambiental, desenvolvimento sustentável. Mas isso ainda é uma posição interna do Banco Mundial. Alguns financiamentos oficiais do Banco à Amazônia são problemáticos e estão sendo contestados por organizações como, por exemplo, os Amigos da Terra.
Mas esse dinheiro para preservação, se viesse, seria aplicado nisso?
Gabeira - Isso também é um outro problema. O passado recente sugere que não. Nós investimos na criação do Sivam um bilhão e quatrocentos mil dólares e quando ele foi construído, a idéia era fazer com que além do monitoramento aéreo, da fiscalização aérea, ele também fosse parte de um projeto de preservação ambiental, então o Sivam se dividiu…
Era de monitoramento para a preservação…
Gabeira - Exatamente. O Sivam é o sistema de vigilância. O Sipam é o sistema de proteção ambiental. Os militares não sabem o que fazer exatamente nesse sistema de proteção. A idéia era ouvir os civis e colher sugestões para criar realmente uma utilização que atendesse aos objetivos da preservação. O Sivam era para ser um programa que não ficasse só procurando avião pirata. A idéia é que ele fizesse muito mais. Mas não faz e há um monte de computadores ociosos em Manaus e Belém. Dar um rumo a isso ficou nas mãos do José Dirceu. Era apenas mais um entre os 50 grupos de trabalho que ele tem que coordenar. Nada andou. Ele não conseguiu até hoje fazer uma reunião de abertura para que a sociedade pudesse opinar qual o sentido geral que vai se dar ao Sivam. O país comprou uma câmera digital de 22 milhões de megapixels que está sendo usada para fazer retrato 3×4. Além dos problemas habituais da Amazônia, você pode acrescentar outros dois: nossa incapacidade política de buscar o dinheiro que existe para a preservação e a incapacidade de empregar os recursos técnicos que nós já temos à nossa disposição.
Isso é fruto de incapacidade administrativa ou da vontade de não fazer?
Gabeira - Não sei. Os militares também não, no caso pelo menos do Sivam. Todas as vezes que visitamos o Sivam eles nos pediam sugestões para seu uso em preservação, respostas às suas dúvidas, porque gostariam muito de usar o equipamento da melhor maneira possível. Havia inclusive a idéia de espalhar entre 90 e 200 observadores no chão, cada um com seu laptop. Seria uma rede de olheiros humanos no solo e outra de satélites e aviões no céu, ambas conectadas entre si. A impressão que eu tenho é que não se dá muita importância a isso. A coisa toda ficou limitada a estabelecer um mínimo de vigilância na Amazônia dentro do quadro legal da lei do abate, porque com essa lei eles conseguiriam reduzir os vôos de drogas e contrabandos. No resto, não se avançou nada.
A conversa original da Marina é que o governo Lula iria resolver o problema pela tal transversalidade. Todos os ministérios, mesmo aqueles do PMDB, iriam ter uma vocação nata para dar prioridade às questões ambientais…
Gabeira - Pois é, mas mesmo que você faça a “transversalização estruturante”, “objetos que se dialogam”… isso no fundo é tudo parte das contribuições do novo governo ao nosso idioma. Eles inventam palavras e termos toda vez que alguém diz “vamos lá fazer isso!”. Eles imediatamente respondem “tudo bem, mas vamos fazer uma coisa estruturante e tal”. E ao se fazer uma coisa estruturante, você acaba nem tentando fazer outras coisas. Eu acho que não houve uma política amazônica, não se deu importância à Amazônia do ponto de vista político.
Está bem. Não houve uma política amazônica. Mas houve alguma política de meio ambiente fora da Amazônia?
Gabeira - Eu acho que alguma política que já estava se desenvolvendo foi avançada, alguma coisa eles já estavam fazendo…
Qual?
Gabeira - Por exemplo na questão das queimadas. Eles continuaram de alguma maneira com o trabalho…
Mas nunca se queimou tanto como agora…
Gabeira - Eu sei, mas eles continuaram…
Continuaram queimando…
Gabeira - Não, continuaram um trabalho de combate ao fogo. Também fizeram uma coisa muito típica desse governo, que foi uma conferência…
Que conferência?
Gabeira - Uma conferência sobre o meio ambiente, não lembra daquela conferência nacional sobre o meio ambiente? E que iria recolher sugestões? Algumas sugestões estavam definidas no programa de governo. Mas é fato que nada funcionou. Na verdade a política que está sendo desenvolvida é tocar aquilo que já estava sendo feito…
Mas visto de fora, parece um pouco menos do que isso. Por exemplo, mal ou bem funcionava no país o Conama, que aliás deixou de se reunir. Algumas reuniões do Conama não ocorreram por falta de quórum e decisões que teriam que ser legalmente referendadas pelo Conama deixaram de ser. Uma delas foi o que detonou a sua saída do governo. Então, conferência por conferência…
Gabeira - Eu sei, mas o que estou te dizendo é o seguinte. A política do governo não é totalmente ausente, não é uma coisa de terra arrasada. Mas em primeiro lugar você tem uma parlamentar dirigindo uma estrutura que depende também de certo domínio executivo. Segundo, você tem uma grande rivalidade entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, uma disputa por espaço muito grande. Tanto é que quando eu relatei aquele projeto do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), para eu fazer as audiências públicas no Brasil e levar a posição do governo, na época do Fernando Henrique ainda, eu tive que levar um representante do Ibama e outro do Ministério do Meio Ambiente. Eles não aceitavam que um falasse pelo outro em nome do governo. Então eu acho que o grande problema da política ambiental também vem do próprio Lula. Se você examinar o comportamento dele… ele pegou o documento do programa feito lá em Santo André, colocou debaixo do braço e disse: “Este é o melhor programa ambiental feito no Brasil”. E nem abriu. Quer dizer, ele estava vendo qual era a frase que ele precisava usar sobre o assunto na televisão. Bastava isso. A partir daí ele vem dando uma série de declarações que indicam que ele está se aproximando daquela visão da elite política e econômica da Amazônia. Quando ele foi ao Pantanal, defendeu que a região se industrializasse, defendeu que o Pantanal fosse industrializado, o que gerou aquele impacto e foi ao encontro da vontade do Zeca do PT de construir usina de álcool lá…
O Zeca do PT não abandonou esse projeto…
Gabeira - Ele ainda quer, mas voltando ao Lula, agora em Tabatinga ele disse que o que atrapalhou a vinda de recursos para a Amazônia foi a visão de preservação ambiental. Na verdade, isso é bobagem, pois sabemos que potencialmente há mais dinheiro hoje para a proteção do meio ambiente do que para projetos desenvolvimentistas. Depois a Marina teve aquele problema com a questão dos transgênicos, onde de certa forma ela venceu na Câmara, perdeu no Senado e agora o governo fechou com a posição dos senadores. Eu aliás tenho escrúpulos em criticar a Marina porque eu acho que as condições em que ela está trabalhando são muitos difíceis. Mas voltando à pergunta, eu não vejo, não só na Amazônia, mas no Brasil, uma política ambiental adequada. Ela até existe, mas não está funcionando. Há um programa, mas ele vai sendo progressivamente chutado para escanteio.
Como no caso dos transgênicos?
Gabeira - Para os transgênicos previa-se uma curta moratória. Eu nunca fui favorável a uma moratória. O que eu queria era impor as condições de segurança, porque eu achava que era impossível segurar o plantio. De qualquer maneira, no caso dos transgênicos houve um descompromisso. No caso nuclear, Lula prometeu que iriam fazer uma avaliação, uma auditoria do seu uso no Brasil para definir os próximos passos. A auditoria não foi feita e os documentos internos do governo que eu recebi indicam que Angra 3 será construída. Ainda falam da construção de uma pequena usina nuclear no Nordeste. Isso também é um descompromisso em relação ao que estava escrito no programa ambiental do governo. No caso do São Francisco, não havia uma posição de que se iria fazer uma transposição do rio São Francisco nas condições em que agora se diz que vai fazer…
E o que dizia o programa?
Gabeira - Dizia que o São Francisco ia ser revitalizado. Não se enfatizava a transposição.
Fizeram outro truque. Transformaram um programa de transposição num programa chamado de integração, cujo esforço de integração se resume, pelo que eu tenho visto ali nos ministérios, na criação de dois viveiros que vão produzir 200 mil mudas por ano.
Gabeira - A proposta inicial era de que para cada centavo gasto na transposição, houvesse um gasto correspondente na revitalização.
Você era deputado pelo PT em condições difíceis e chegou o momento em que resolveu tirar o PT da sua vida. Você disse aqui que tem escrúpulo em criticar a Marina porque ela é ministra em condições muito difíceis. Mas ela não acaba servindo de escudo protetor para o governo na área ambiental?
Gabeira - Escudos protetores não faltarão se ela quiser sair. Tem sempre alguém ligado ao meio ambiente que vai aceitar ir para lá. Por exemplo, o Capobianco assumiria. Tem o Zequinha Sarney…
Tem sempre um Sarney pronto para assumir…
Gabeira - O que eu tenho observado no discurso dela é que cada vez que ela tem um desapontamento nessa área ecológica, diz assim: “Eu tenho fé no Lula”. Ela é uma pessoa muito religiosa e o raciocínio da pessoa religiosa é um pouco esse. Você perde a batalha na Terra, mas a vitória final, no Reino dos Céus, será nossa. Ela tem se comportado assim toda vez que vê o Lula fazer uma coisa que não aceita. E essa fórmula de raciocínio é impenetrável.
Impenetrável para o meio ambiente. Para quem quer cortar mato, nem tanto…
Gabeira - É verdade, eles estão interessados em fazer crescer a produção da soja. A bacia do Xingu já começa a ter problemas de poluição. E o governo não consegue fazer o que me pareceria perfeitamente viável se houvesse uma direção política, que é orientar a plantação de soja para as terras já devastadas, porque a soja cresce em terras de segunda categoria. Mas não há este nível de articulação.
É mais ou menos isso que atesta o tal do estudo do IPEA divulgado na semana passada…
Gabeira - Pois é. Há inclusive fazendeiro comprando terras piores e devastadas para plantar o grão. Mas não há política de governo para incentivar isso, que mexa com imposto rural, por exemplo, ou outras coisas que pudessem estimular esse caminho. O que há é uma clara disposição do PT de expandir o plantio sobre a floresta e as áreas indígenas. Um dos grandes defensores dessa idéia é o governador do Mato Grosso…
O preço da soja ainda está se sustentando mas deve cair. Com a queda do preço, estima-se que o percentual da soja transgênica no Centro-Oeste vai chegar a 50%.
Gabeira - É possível… e nós não temos na verdade nenhum estudo sobre qual seria o impacto ambiental de uma grande plantação de soja transgênica na Amazônia…
Você não acha que essa discussão, até mesmo a resistência à soja transgênica, incorpora um erro tático perigoso? Ela deixa no ar a presunção de que a soja não-transgênica não é agressiva ao meio ambiente. O problema não é o estilo de expansão da fronteira agrícola que vem se repetindo há tempos no Brasil?
Gabeira - E talvez semelhante também, de certa maneira, à política de criação de gado. Mas o problema é o seguinte: nessa questão da soja transgênica, nós fomos colocados diante do fato consumado, com o contrabando de sementes vindas da Argentina. E o debate do que o governo deveria fazer…
O debate só foi acontecer lá pela quinta safra…
Gabeira - É, talvez… Quando o governo lançou a medida provisória é que começou a se debater o assunto. Existia um projeto sobre a rotulagem da soja, 6 anos atrás, que tinha iniciado o debate na Câmara. Eu achava que a rotulagem era uma maneira de pelo menos testar a situação. Depois eu percebi que não bastava só a rotulagem. Você tinha que trabalhar também a segregação de sementes e grãos, o armazenamento, enfim, uma série de coisas que não foram trabalhadas pelo governo do Rio Grande do Sul. A medida provisória fala na rotulagem, eles incorporaram a idéia da rotulagem, tanto o governo Fernando Henrique como o Lula, mas jamais a executaram.
A rotulagem presume a existência de uma autoridade co-atora. Além de todos os procedimentos de rotulagem, você tem por exemplo a segregação. O transporte dos transgênicos não pode ser o mesmo transporte da natural. Aí você começa a criar vantagens públicas…
Gabeira - É lógico… Aí eles usam a visão americana da correspondência, de que não há qualquer perigo em colocar os dois tipos de soja juntos. Eu falei até com o Roberto Rodrigues (ministro da Agricultura) que esta maneira de tocar o barco é problemática porque vai inviabilizar talvez o projeto da agricultura orgânica no Brasil, que está crescendo. Criou-se uma Câmara de Agricultura Orgânica no Ministério da Agricultura, ainda há a agricultura tradicional, e se você acha que existe espaço para as três, a agricultura que você precisa controlar é a transgênica…
E o que é que ele respondeu?
Gabeira - Respondeu que sim. Mas lembrou que tinha apenas uns 2 mil fiscais para o Brasil inteiro. Você se lembra aquela época em que ele chamou o Guido Mantega (então ministro do Planejamento, hoje presidente do BNDES) de filho da puta? Então, até hoje o problema não está resolvido…
O problema da MP é que ela generalizou de tal maneira as regras, que na verdade enfraquece o governador que queira, por exemplo, proibir o transgênico no seu estado…
Gabeira - E na verdade, se você examinasse sob o ponto de vista do país, não haveria muita dificuldade. A força mesmo do apoio vinha da bancada do Rio Grande do Sul. E você vê que as coisas foram tão dramáticas que nós lutamos contra a bancada gaúcha, que conseguiu não só envolver o governo como também envolver os ruralistas de outros lugares. E quando fomos ao Supremo com um pedido de mandado de segurança, para quem é que foi a relatoria? Para a ministra Ellen Northfleet, que é também gaúcha e que nunca relatou o processo até hoje. São coisas que acontecem. Quando só uma bancada consegue levar uma proposta adiante. A bancada do Rio Grande conseguiu levar a da soja transgênica. A de Goiás segurou o amianto.
Só tem um governo, o do Paraná, brigando com os transgênicos…
Gabeira - O problema poderia realmente ser enfrentado agora se a gente começasse a discutir o que é um sistema de biossegurança no Brasil. Nós não temos um. E isso é ruim para o país. Não é um problema só para ambientalista. Vira problema para comércio exterior. Com 30 centavos por cabeça, você vacina todo o gado brasileiro contra a aftosa. Mas a grana não sai. Aí aparece uma vaca ou boi com aftosa e a Rússia suspende a importação da nossa carne. A China já nos perturbou com a soja contaminada. Numa situação dessas, e com apenas 2 mil fiscais para todo o território nacional, você fica inclusive vulnerável às mentiras. Lembra da história do Canadá, dizendo que aqui tinha a doença da vaca louca? Pois é. Então estamos aí, nos arriscando a enfrentar algum vento contra pelas costas e não temos um esquema de segurança para remediar problemas, quanto mais preveni-los.
E nessa bagunça, qualquer coisa que se diga contra o Brasil fica verossímel…
Gabeira - Claro. Agora está até havendo um trabalho de rastreamento do gado, que é exigência também dos compradores externos. Portanto, pode-se dizer que nosso grande aliado para constituir um esquema de segurança é o mercado internacional. Ele é que acaba pressionando o governo.
Nossos problemas de comércio exterior são só na agricultura?
Gabeira - Infelizmente não. O Brasil está importando pneu usado do Uruguai e do Paraguai e agora a Europa entrou com um pedido para exportar o mesmo produto para cá. Se não concordarmos, ela ameaça ir à Organização Mundial de Comércio. Eu tive informações de dentro do governo, que algumas pessoas muito poderosas já estão tendendo a fazer a concessão aos europeus. O interessante dessa história é que o Uruguai tinha uma fábrica que produzia pneus. Nós comprávamos os pneus novos de lá e ainda ganhávamos uns 20 mil dólares dando a eles uma consultoria do Inmetro. Mandávamos o pessoal do instituto de pesos e medidas para lá e cobrávamos uns 20 mil dólares. Assim que passamos a importar pneu velho, a fábrica lá fechou. No Mercosul agora só se exporta pneu usado. Decidiu-se então que 20 atravessadores merecem ficar com o trabalho de 500 operários. Esse é mais um erro do governo atual, do Lula, que mostrou ser muito simpático à idéia de importação do pneu usado.
Você foi eleito e está agora há mais ou menos 1 ano e meio à deriva, sem partido. O tipo de briga que você comprou com o governo foi singular, porque não tem nenhum caso que eu me lembre de um político que tenha brigado com o governo Lula invocando incompatibilidades com a política ambiental do governo. O que isso te custou?
Gabeira - Nada. Não me custou nada em termos de comissão parlamentar. O PT também não me perseguiu. Ficou-se no vamos esquecer isso e tocar a bola pra frente.
Você indicou alguém para o governo?
Gabeira - Não. Nunca indiquei ninguém na minha vida.
E por quê? Falta de paciência ou algum princípio?
Gabeira - Olha, o que o PT fez ao entrar no governo foi um erro muito grande, que é você colocar pessoas que são fiéis à sua posição, mas que não são tão competentes como as que estão lá. Eu acho este processo muito destrutivo. Tem aquele negócio da cultura brasileira, que “é necessário fazer uma viração para o Nestor”. Então fica aquela coisa de precisar empregar o cara que passou 20 anos colando cartaz. Mas são muito nestores. E isso custa muito ao país. Eu acho que é possível, e é isso que eu faço na Câmara dos Deputados, trabalhar com uma burocracia impessoal, desde que ela seja competente.
Pior sem ela – Parte II
Marcos Sá Corrêa, Sérgio Abranches, Lorenzo Aldé e Manoel Francisco Brito
30.01.2005
Propor soluções, aliás, é a especialidade de Gabeira. Para a Baía de Guanabara, para o Pantanal, para a gestão de grandes catástrofes. Invariavelmente, parecem fazer todo o sentido.
Você falou que este ano vai ser de embates muito grandes. Que embates são esses?
Gabeira – Primeiro a questão da Amazônia. Vamos ter que definir se queremos continuar batendo o recorde de destruição da floresta amazônica ou se bloqueamos todo esse processo. Outro dia eu estava vendo aquelas fotos do nosso encontro em Altamira (1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em 1989), quando veio o (cantor) Sting, todo aquele pessoal do exterior. Vieram alguns senadores americanos também, o Al Gore, havia um interesse internacional pela Amazônia, uma suposição de que a Amazônia era o grande tema em que a humanidade iria se concentrar. De lá para cá houve um certo desinteresse, o tema saiu da moda, mas agora as grandes instituições internacionais voltam a incorporar uma concepção ambiental. O Banco Mundial vai ou não vai financiar um processo de preservação da Amazônia? E ele vai continuar financiando a produção de soja, que ameaça a floresta? Aí tem um embate interessante, que já está sendo travado.
E qual será o sinal de que esse embate está na rua? Vai ser quando saírem os últimos números do desmatamento?
Gabeira – Esse é um dado. Quando sair o número, as pessoas vão chegar à conclusão de que realmente tudo o que foi dito e tudo o que foi pensado sobre a Amazônia está em xeque. Que não houve nenhum exagero, pelo contrário: nós estamos batendo recordes de destruição. Quando você chega no ponto de bater um recorde de destruição…
Que já era seu…
Gabeira – Que já era seu, é sinal de que você está indo no sentido oposto do que desejou. Todas as entidades nacionais e internacionais vão ter que se pronunciar.
Você mencionou de passagem que uma das políticas que se mantiveram foi a de combate às queimadas. O que a Marina fez na Amazônia foi implantar um projeto temerário de estímulo à queimada controlada.
Gabeira – Isso partiu também de uma conclusão de que é impossível impedir as queimadas. Que o trabalho defensivo talvez fosse melhor do que um trabalho pedagógico. É um pouco como a questão das drogas, onde a idéia é reduzir os danos. O Sarney (Filho, ex-ministro do Meio Ambiente) diz isso muito, com a experiência dele na Amazônia. É muito difícil você estabelecer qualquer projeto de proteção que não abra simultaneamente alguma perspectiva econômica para aquela população, porque senão a tendência é se continuar pelo caminho mais fácil, que é o da destruição.
Mas ao mesmo tempo você diz que hoje há mais dinheiro para a preservação do que propriamente para o desenvolvimentismo traçado pelo PT. Que incapacidade é essa que a gente tem de antever prosperidade econômica na preservação?
Gabeira – Isso é porque nós não estamos trabalhando a Amazônia para conduzi-la a um consenso mínimo. O próprio documento do Banco Mundial menciona a ineficiência de uma política nacional ou de uma figura nacional que esteja na Amazônia em nome do governo, reunindo todas as pessoas, escolhendo opções, e levando uma proposta de política…
Mas o consenso não era a Marina, o legado do Chico Mendes, os povos da floresta?
Gabeira – O consenso era isso, mas eu acho que existe outro consenso que é preciso trabalhar. Você tem lá pequenos produtores, madeireiras, tem que trazer todos os atores, inclusive os que destroem. A idéia era essa, achar as possibilidades políticas de um projeto que tenha base. Uma autoridade que fale em nome do governo federal e acione o que for necessário para isso, e uma compreensão de que aquele é um programa que brotou de um debate e de uma espécie de negociação interna na Amazônia. Você querer pura e simplesmente que o governo seja um pouco mais rápido ou menos rápido, não traz uma diferença qualitativa para a Amazônia. O que traria uma diferença qualitativa seria chegar e dizer: Banco Mundial, você tem o dinheiro? Tenho. Governos brasileiro e da Amazônia, vocês têm projetos? Temos. Sivam, você tem computadores? Então vamos colocar tudo isso em sintonia. Mas era preciso um governo que achasse que isso é necessário.
Falando de seus pares no Congresso Nacional…
Gabeira – Isso é grego para eles.
Você se sente uma voz solitária?
Gabeira – Não é que eu seja uma voz solitária, mas existe uma Comissão da Amazônia que é constituída pelos deputados eleitos da Amazônia. E eles são os mais interessados em fazer com que o processo de desenvolvimento da região corra o mais rapidamente possível. A Comissão da Amazônia tem uma posição desenvolvimentista clássica. Outros setores, deputados de outras áreas, mesmo os mais cosmopolitas, não entendem a Amazônia, não vêem a Amazônia como atrativo eleitoral. É uma coisa muito abstrata, muito vaga, de todo mundo, para você poder dizer “Vote em mim pela Amazônia”.
Nem você? Para você isso não ajuda?
Gabeira – Potencialmente ajuda, mas se você examinar, hoje no Brasil, e isso é uma coisa que nunca se examinou, qual é o eleitor cosmopolita que define o seu voto em função de uma política amazônica, ou da floresta de um modo geral…
Quem está do seu lado nos grandes embates que vêm por aí? É você contra o resto ou tem mais alguém?
Gabeira – Eu acho que todas as organizações não-governamentais que atuam na área vão se manifestar. Uma parte da Procuradoria da República se interessa e se manifesta. Eventualmente uma parte da opinião pública se manifesta também. Não sei se vocês se lembram de quando eles quiseram reformular o Código Florestal. Aí houve uma manifestação grande, e-mails, a Fernanda Montenegro deu uma declaração, o Chico Buarque assinou um manifesto, o Sebastião Salgado… Foi a primeira vez que se viu todos os computadores do Congresso congestionados com e-mails protestando.
O que mais compõe aquela agenda do apocalipse?
Gabeira – Outro embate vai ser a questão nuclear. Há uma decisão de partir mesmo para Angra III e para outras usinas. Se bem que esse negócio de outras não dá para saber, porque foi o PSB quem disse, a partir do Ministério de Ciência e Tecnologia. E o PSB tem dito uma série de coisas que não tem empenho do governo. Como o Roberto Amaral, que disse o lance da bomba atômica e pronto. Mas a discussão nuclear vai além da construção ou não de usinas. Existe uma coisa nova, que é o enriquecimento do urânio. Esta questão ainda não está encerrada. Primeiro porque na luta contra o terrorismo internacional um dos aspectos importantes é você ter a mão sobre o nuclear. O Brasil não percebeu a conjuntura e chegou em primeiro lugar dizendo que vai começar a exportar urânio. Só vamos conseguir exportar lá para 2008 ou 2010, mas o governo já anunciou que vai exportar. Como no passado contribuímos com algumas ditaduras, isso tornou a questão tensa. Os americamos estão apertando um pouco, estão interessados, e o assunto ficou, no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, com aqueles caras nacionalistas dos anos 50. “O urânio é nosso”, “Temos que ter a bomba, a tecnologia”, essas coisas. Realmente interessa ao Brasil exportar urânio? Em que condições? Para quem?
Mas esta não é uma luta inglória?
Gabeira – Não chega a ser uma luta inglória porque nesse caso temos como aliados os Estados Unidos. Outra questão é a seguinte: o Brasil foi o lugar que recebeu a conferência do meio ambiente em 1992. Tem uma série de problemas ambientais, mas quer se consolidar como um país interessado na preservação ambiental. De repente, para a imagem do país, passa a impressão de que estamos sujando o mundo para sempre, para as outras gerações. Não sei se nos interessa, mas eles não consideram isso.
Foi o Roberto Amaral que disse que não há risco ambiental porque a gente vai exportar?
Gabeira – Foi ele mesmo. O Roberto Amaral disse que eu era um ignorante de falar da possível poluição do urânio. “Você é um ignorante, que problema de poluição pode ter, quando você exporta?”.
O Brasil era protagonista nas discussões sobre aquecimento global. Estamos abdicando deste papel?
Gabeira – Houve um retrocesso claro. Quando se começou a falar na questão do aquecimento global o Brasil tinha uma equipe muito boa no Ministério da Ciência e Tecnologia. Essa equipe teve um papel importante na formulação do Protocolo de Kyoto e na criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Nós fomos talvez o país que mais concedeu ajuda nesse campo. O que aconteceu? Ficou lá apenas um rapaz, com os documentos deles, segurando. E eles não honram todos os acordos que tinham sido realizados. Um deles eu até presenciei, em Johannesburgo, para a construção de 100 mil carros a álcool pela Volkswagen. Os alemães assinaram um convênio, a Volkswagen do Brasil foi lá para assistir à assinatura, e não produziram. Como era um compromisso do governo anterior, brecaram. O ministro de Ciência e Tecnologia da época, Roberto Amaral, disse que o Protocolo de Kyoto era de interesse dos países ricos, que não era de nosso interesse. Nós recuamos muito. Do ponto de vista das regras internas de realização do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o Chile está muito à frente. No Brasil há poucos projetos funcionando. Temos uma preparação muito boa da sociedade, em Belo Horizonte, em São Paulo, convênios, empresários, todo mundo preparado para entrar na era do Protocolo de Kyoto, e no entanto o governo deu um freio nisso. Agora vi a (ministra das Minas e Energia) Dilma Roussef falando na Alemanha sobre aquecimento global, dizendo que nós estamos fazendo a lição de casa, que não temos que fazer mais nada. Ela só ficou se defendendo. Ao passo que o Brasil, na Conferência de Johannesburgo (“Rio + 10”, realizada em 2002), apresentou uma proposta para a humanidade. Não é aquele negócio de “fiz o meu dever de casa e não me aborreçam”. Em Johannesburgo mostramos que até 2010 devemos produzir 10% da energia do planeta com fontes renováveis, uma linda proposta…
Qualquer coisa que envolva prejuízo econômico deixa este governo em pânico. Ele não está muito suscetível a lobbies?
Gabeira – Você tem razão. Mas o problema também é que o governo é novo, ouve um barulho e fica logo impressionado. Segundo é que os lobbies atuam no Congresso, e o governo trabalha no Congresso muito no contábil, você perde cinco deputados aqui, está arriscado a perder tal votação. Outra coisa importante é o horizonte mental desse governo. Eles são formados num quadro em que o desemprego é o grande problema e o crescimento econômico é o grande sinal de felicidade. Então desemprego versus crescimento econômico é a principal preocupação que existe na cabeça deles.
O que um país pobre deve fazer quando descobre que tem uma hidrelétrica pronta, mas toda construída em cima de um documento criminalmente adulterado, como no caso de Barra Grande? Demole com tudo?
Gabeira – Tem o ajuste de conduta. Eles têm que fazer uma outra avaliação ambiental em função do que foi fraudado, feito equivocadamente, e mandar consertar.
O ajuste de conduta foi feito, mas esbarra numa questão intransponível. A barragem foi construída prevendo uma vazão mínima para dar lucratividade. Baixar aquilo para preservar uma mata nativa tornaria a usina antieconômica.
Gabeira – Você tem a possibilidade de produzir a energia um pouco mais cara. O próprio governo achar um caminho de se associar a esta produção de energia mais cara para manter a floresta. Mas esta questão das hidrelétricas e das termelétricas, se você examinar os projetos que eles mandaram, eram todos defeituosos. As licenças ambientais não saíam por causa disso. O Ibama fez dois relatórios para nós sobre isso. Eu pedi uma audiência pública e o pessoal do Ibama disse que a maioria dos projetos é devolvida para reajustes. Quase todos estão parados por causas das empresas, não por causa do Ibama. É fundamental fazer essa crítica quanto aos erros dos projetos. Mas também é preciso lembrar que o Ibama não tem dinheiro, não tem técnicos suficientes. Se você quer um sistema de licenciamento ambiental que seja eficaz e rápido, tem que botar dinheiro. Tem que ter um esquema adequado para isso, e o governo não tem. Não investe num aspecto que é considerado o gargalo do desenvolvimento econômico… Em vez de investir, o que eles querem? Querem tirar o gargalo. Não pode, porque aí você volta a um processo que é anterior ao gargalo. Volta à não fiscalização, à destruição.
Em uma coluna na Folha de São Paulo você toca na questão da falta de planos para as grandes catástrofes naturais no Brasil. Como você acha que isso pode ser solucionado?
Gabeira – Quando houve o desastre do Prestige (petroleiro que afundou próximo à costa da Espanha em novembro de 2002), eu fui para lá e foi também uma equipe da Petrobras. Naquele caso, o comandante vacilou, não sabia se voltava para o cais ou se seguia com aquela carga. E não tinha ninguém para decidir ali. Voltamos ao Brasil certos de que o governo precisava criar um esquema para administrar grandes desastres, com uma autoridade clara para as definições. A Marina falou que ia fazer, fizeram algumas reuniões, também criaram um grupo interdisciplinar…
Comandado pelo José Dirceu?
Gabeira – Este não. Mas não saiu nada, e é uma bobagem porque realmente você tem que trabalhar com isso. Analisamos a sala de crises espanhola, e nós não devemos nada a eles em termos de capacidade de articular crises. Tanto que lá eles só recebiam os dados das correntes marítimas depois de 2 ou 3 dias. A gente aqui já tem uma prática. A idéia que eu tinha é que isso é muito caro para ser feito por um só país. A Petrobras tem condições de criar uma empresa só para tratar de grandes desastres, porque ela tem o know-how, e tentar fazer com que essa empresa sobreviva atendendo a América do Sul. Se tiver um desastre no Uruguai, na Argentina ou na Venezuela, quem vai cuidar é o Brasil.
Você chegou a apresentar essa proposta?
Gabeira – Na realidade não houve diálogo com o governo, porque o governo também não vai pensar em desastre agora. O Brasil não pensa tanto em desastre. Tivemos o exemplo de Santa Catarina. Eu estava por acaso lá quando disseram que estava vindo um furacão. Eu perguntei onde era a sala de crises, fomos para a sala do governador e estava todo mundo lá. A gente via a televisão discutindo se era ciclone ou furacão, “bem, dependendo da intensidade…”. Aí eu liguei para o Rio, de madrugada, coloquei dois meninos trabalhando pela internet e pegamos o know-how do Caribe e o que os americanos de Miami e da Flórida fazem quando está chegando um furacão. Fizemos uma cartilha e mandei para a Defesa Civil de Santa Catarina distribuir no momento em que o furacão estava chegando. Mas os caribenhos e os americanos atuam com uma semana de antecedência. Nós tivemos duas horas. E ficou claro ali que a estação meteorológica era fraca, não dava conta de monitorar a área. Então procurei as bancadas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul e propus um movimento para criar uma outra estação no estado. Mas depois que passa o desastre o pessoal não quer nem te olhar. Essa sucessão de desastres tem mostrado que um dos critérios futuros para você examinar a capacidade do governo é a maneira como ele administra os riscos. Não é o critério hoje. Só quem pensa em desastre no Brasil é a Petrobras, algumas pessoas isoladas e a Shell, que avançou muito.
Falando em Petrobras, volta e meia acusam a empresa pelo estado da Baía de Guanabara. Mas o PDBG (Programa de Despoluição da Baía de Guanabara) gastou 900 milhões de dólares e teve resultados ridículos, com desvios de projeto descomunais, diante do cotidiano de 10 milhões de pessoas. E isso não é assunto.
Gabeira – Eu tentei várias vezes transformar num assunto. Numa das tentativas procurei o Marcelo Alencar, na época governador. Contei para ele sobre Berlim, onde eles estavam fazendo um projeto de recuperação em Postdamer Platz. Eles transformaram o projeto numa espécie de símbolo da nova cidade. Você chegava lá e eles te mostravam uma animação de como seria o projeto que estavam construindo, como seria a nova cidade, qual o crescimento que teria, e você ainda comprava um souvenir. E eu perguntei: Por que não fazemos isso com a Baía de Guanabara? Por que não fazemos um grande aquário mostrando a vida aquática da Baía e as futuras obras, como elas serão desenvolvidas? Esse era um caminho que eu achava excelente para envolver a população, turistas, todo mundo que viesse para o Rio. A Baía seria uma espécie de símbolo da reconstrução do Rio. Mas nenhum deles estava interessado na transparência. Se não há transparência, se não se pode mostrar o projeto no dia-a-dia, fazer passeios pela Baía mostrando o trabalho, a opinião pública também não acompanha. A conclusão que eu chego é que o PDBG não pegou, o que é uma pena porque era muito dinheiro. Eu conheci um rapaz que trabalhava no Programa e me chamou para fazer algumas denúncias. Eu percebi que os gastos eram esquisitos, muito concentrados na Baixada, porque os políticos viram ali um caminho de voto.
Conte sobre essa campanha para fazer do Pantanal um território federal.
Gabeira – Eu fui procurado por um grupo de prefeitos do Pantanal e eles argumentam que o Pantanal é uma unidade política e cultural e evidentemente ecológica. Por isso seria interessante criar o território do Pantanal com um governo próprio, com a população participando. O segundo argumento, que eu acho mais sério, é que o Zeca do PT e os outros governadores vão ao Banco Mundial e conseguem dinheiro para o Pantanal, porque a região tem um grande apelo, mas esse dinheiro chega e não vai para lá. Então eles queriam um Pantanal federal para ter um diálogo melhor com estas instituições internacionais e para garantir, teoricamente, que todo o dinheiro que viesse para o Pantanal fosse utilizado em projetos de preservação. Eu disse que achava razoável a idéia e resolvi apresentar o projeto. Você só consegue aprová-lo por uma mudança constitucional.
Se abrissem essa porta, teriam que ver o caso de Roraima, que mal tem população.
Gabeira – Você teria que criar uma comissão para reorganizar fisicamente o Brasil. Tem vários projetos nesse caminho, o projeto de divisão do Maranhão, o do sul de Minas, o do Rio, que quer a autonomia carioca. Mas na minha experiência parlamentar não vi nenhuma divisão desse tipo ser feita.
Terminemos pelo princípio: como é que você foi parar no ambientalismo?
Gabeira – Foi um processo bem longo. Primeiro eu tive a oportunidade de passar um longo exílio na Suécia, onde a questão já era muito forte. Segundo porque eu estava fazendo uma crítica do marxismo, e o marxismo tende a concentrar muito o movimento social na luta de classes. Eu achava que a luta de classes era apenas um aspecto, havia outros importantes. O marxismo introjetou um pouco do otimismo burguês a respeito do crescimento econômico e da exploração do meio ambiente. Ele não respondia a essa questão. Então, por aí, eu comecei a me preocupar. Também através de conversas, mudanças no campo da alimentação, por exemplo. Fui formando um quadro na minha cabeça a ponto de alterar todo o meu pensamento. Mas foi basicamente a partir da crítica à limitação do marxismo.
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