A arqueóloga Niéde Guidón aproveitou a viagem a Brasília em que recebeu a Grã Cruz do Mérito Científico Nacional, por indicação da Associação Brasileira de Ciência e do Ministério da Ciência e Tecnologia, para pedir ajuda contra a ação predatória de um grupo de assentados que resolveu se instalar definitivamente na região do Parque Nacional da Serra da Capivara, depois de uma trapalhada do Incra do Piauí.
Os sem-terra estão caçando animais silvestres e vendendo a carne, derrubando árvores, tocando fogo em pneus para destruir as pinturas rupestres que datam de 10 mil anos, instalam-se onde querem e prometem resistência. Mas Niéde é dura na queda. Na última quarta-feira, 27 de abril, ela peregrinou, de prêmio na mão, os ministérios e o Congresso Nacional. E voltou para o Piauí cheia de munição.
Há cinco anos, o Incra comprou uma área e assentou aproximadamente mil trabalhadores sem-terra entre os Parques Nacionais da Serra da Capivara e da Serra das Confusões, distantes 60 quilômetros um do outro. A área de assentamento é um importante corredor ecológico, passagem de animais que precisam fazer a troca genética entre grupos distantes para manter a viabilidade das espécies. Por este motivo, no início do ano, o corredor ecológico prometido aos assentados foi homologado como área de proteção, depois de mais um longo capítulo na batalha que envolve o triângulo meio ambiente, história natural e invasores. Mas os assentados permaneceram onde estavam.
Niéde confirmou que tem recebido ameaças de morte. “O chefe do Parque Nacional me transmitiu que nós dois estávamos marcados para morrer, que ouviu isso em um comércio local”, disse. E não se intimida. “Só assim vou conhecer o Todo Poderoso. Não tenho medo não”. Para ela, ameaça não é novidade. Há 30 anos Niéde trava uma luta quixotesca contra todo tipo de depredação no Parque.
Dia 26 de abril, em Brasília, ela se encontrou com parlamentares e ministros sobre o impacto negativo que os assentados estão promovendo na região de grande potencial turístico, pelo valor histórico e natural do Parque. O Ministério da Justiça decidiu criar um posto policial permanente na unidade de conservação. A Polícia Federal abriu inquérito para apurar as ameaças e tentar identificar os agressores do patrimônio e o governo federal prometeu montar um plano de medidas para desenvolver a região de forma sustentável. O grupo de trabalho inclui integrantes dos ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Integração Nacional, Turismo, Educação e Ciência e Tecnologia – que financia pesquisas na região . O grupo será coordenado pela Casa Civil e vai estudar outras vocações para desenvolvimento da região, como a de cultivo de plantas ornamentais. A Câmara dos Deputados também criou uma comissão especial, com os deputados Sarney Filho, Paes Landim, Paulo Delgado e Fernando Gabeira, que vai visitar o Parque na primeira quinzena de maio para identificar de perto as ameaças.
Para patrulhar a região, a arqueóloga conta com 180 pessoas, entre vigilantes e técnicos. “O ideal seria pelo menos 400 pessoas, pelo tamanho da área”. São 130 mil hectares de cobertura. ”Já estou transferindo até a função de técnico para vigilante”, salientou. No Parque Nacional da Serra da Capivara, 130 sítios estão completamente preparados para receber turistas. Mas os sem-terra não dão trégua: queimam pneus nos pés das paredes onde estão as pinturas. A fuligem compromete definitivamente os desenhos. “Vinte sítios fora dos limites do Parque já foram completamente destruídos. Eles também usam marretas para destruir as figuras com 10 mil anos e as pessoas simplesmente se instalam ali”.
Os assentados usam armas de fabricação caseira para caçar veados, cutias, preás, que são vendidos nas proximidades. “Os tamanduás já sumiram, e os tatus são raros. Ainda em abril um assentado foi preso caçando”, disse a arqueóloga. Em outra reportagem sobre o assunto, O Eco apurou que a carne exótica é vendida para fazendeiros da região. Os assentados negaram a venda, mas admitiram caçar para a subsistência. “Gente também come”, disse um deles. Houve uma ocasião em que Niéde abriu um freezer de um caçador e encontrou o que procurava.
A área que abrange o Parque Nacional da Serra das Confusões e o Parque Nacional da Serra da Capivara é o maior cenário preservado de caatinga do planeta. O lugar espécies endêmicas e ameçadas de extinção. “A Serra da Capivara pode receber 3 milhões de turistas por ano. Estamos preparados para isso. Temos o maior patrimônio de arte rupestre e um dos mais antigos do mundo”, diz Niéde. Com sítios arqueológicos menores, a França ultrapassou no ano passado a marca dos 75 milhões de turistas. Apenas um dos sítios de lá recebeu 2 milhões de visitas no último ano. Além disso, o solo árido de alta acidez da região não serve para a maioria das culturas de subsistência que os assentados afirmam querer terra para plantar.
Leia também
COP16 encerra com avanços políticos e sem financiamento para conservação
Atrasos complicam a proteção urgente da biodiversidade mundial, enquanto entidades apontam influência excessiva do setor privado →
Fungos querem um lugar ao sol nas decisões da COP16
Ongs e cientistas alertam que a grande maioria das regiões mundiais mais importantes para conservá-los não tem proteção →
Parque Nacional do Iguaçu inaugura trilha inédita
Trilha Ytepopo possui um percurso de 5 km que segue caminho às margens do Rio Iguaçu e poderá ser feita pelos visitantes do parque →