Mas a carreira de Paulo Nogueira-Neto não se restringe à política ambiental. Em paralelo existiu muito estudo e uma vida acadêmica na USP, onde hoje ele é professor emérito e visita o campus regularmente para verificar experimentos com abelhas – uma verdadeira paixão. Tem diversos livros publicados sobre o assunto e está terminando um dicionário de abelhas indígenas. O que não significa que seja seu único tema de interesse. Já escreveu sobre animais vertebrados, seu último trabalho na USP como professor foi sobre mudanças climáticas e quando jovem fundou uma associação ambiental só para poder argumentar contra o destino traçado para as florestas do Pontal do Paranapanema.
Talvez o melhor resumo da vida de Paulo Nogueira-Neto tenha sido feito pelo próprio, quando escreveu na introdução de sua tese de livre docente sobre aves que aquele estudo tinha sido concluído em lugares inusitados, como hotéis belle époque da Europa e saguões de aeroportos. Ele não pára. Com 85 anos é presidente emérito da WWF, membro da SOS Mata Atlântica, do Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo e do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Ainda contribui para a criação de uma agência ambiental dentro da universidade particular de São Marcos. Consegui conversar com ele na COP 8, em Curitiba.
Qual tema ambiental merecia destaque na COP-8?
Paulo Nogueira-Neto – A grande conquista do Brasil no campo ambiental foi obtida um dia antes de começar a Conferência. Foi o acordo do Ministério do Meio Ambiente com a Caixa Federal para possibilitar compensações ambientais. Para mim foi uma coisa extremamente importante porque fui eu quem começou esta história de compensação no Brasil.
O senhor começou várias coisas neste país, em termos ambientais.
Naquela época era mais fácil. Estava tudo começando, não tinha tanta oposição. Quando o Ministro Aureliano Chaves, que sempre gostou de meio ambiente, estava no Ministério de Minas e Energia, conversei com ele sobre a necessidade da compensação ambiental. Disse que quando se constrói uma hidrelétrica, todas as pessoas que têm bens na região afetada são compensadas. Mas a floresta que foi destruída não recebe nada e deveria existir uma compensação para plantio ou aquisição de uma nova floresta. Ele concordou e eu levei a questão para o Conama, que ampliou o conceito não só para hidrelétricas, mas para outras coisas que pudessem ter impacto negativo sobre a natureza. O problema é que as resoluções do Conama não têm força de lei.
E o Snuc [Sistema Nacional de Unidades de Conservação]?
Aí veio a lei do Snuc, mas ainda ficou faltando uma coisa. Todo mundo sabe que em qualquer governo – federal, estadual ou municipal – entrou dinheiro no caixa geral, some. Nunca mais. Agora, pelo acordo feito com a Caixa, o governo não terá como confiscar o dinheiro das compensações. O dinheiro vai ser depositado na Caixa pela empresa responsável pela degradação e no nome do empreendimento da empresa.
O senhor ajudou a criar o Conama.
Ninguém tem um parlamento ambiental como este. Ele foi aprovado por unanimidade num período difícil como a ditadura. Na primeira reunião, ao discursar como secretário ao lado do meu superior, o ministro do Interior Mário Andreazza, disse que pela primeira vez o governo se colocava em minoria num conselho federal. E o Andreazza, que não tinha feito as contas, falou: “Paulo, mas nós estamos em minoria?”. Estava desolado, achando que ia dar problema. Falei que ele podia ficar tranqüilo, que o pessoal ali era sério, os estados estavam todos representados e as forças produtivas também. Até hoje o governo é minoria.
Você faria mudanças no Conama?
Não, acho que ele funciona direitinho. O Congresso deu ao Conama poder de regulamentar as leis ambientais e o uso dos recursos naturais. Tem poder real, apesar de uma resolução valer menos do que decreto, que vale menos do que lei. Na prática, o Congresso ficou muito contente de ter delegado ao Conama essa responsabilidade porque preencheu um vazio legal. O Congresso nunca encontraria tempo, ou levaria anos, para discutir a quantidade máxima permitida no ar de material particulado, nome elegante para poeira, e muitas outras questões semelhantes.
E as mudanças aprovadas este ano para as áreas de proteção ambiental (APPs)?
Eu assisti a todas as reuniões. A questão das APPs foram meses de discussão, só passávamos adiante quando se chegava a uma quase unanimidade. E o maior opositor foi o Ministério de Minas e Energia, porque mineração tem muito problema com áreas de proteção ambiental.
Mas a mineração saiu lucrando.
Acho que não, teve um acordo. Tem que ter uma licença ambiental, mas é claro que a gente não vai atrapalhar a Vale do Rio Doce. Outra dificuldade foi o Ministério das Cidades por causa das favelas. Um problema terrível porque não se pode prejudicar o favelado, mas também não pode legalizar o que está muito errado. Construção na beira dos rios, por exemplo. Propusemos uma margem de 30 metros, não aceitaram. Então decidimos que são as prefeituras que vão decidir em última análise. Não somos nós do meio ambiente que vamos dar licença para habitação. O que podemos fazer é estabelecer padrões. Concordo que é uma solução fraca do ponto do impacto ambiental, mas não tem outro jeito porque o impacto social tem que ser levado em consideração.
Por quê?
Estou convencido de que um dos maiores problemas ambientais é a erradicação da miséria. Eu fiz parte da Comissão Brundtland das Nações Unidas, onde surgiu a expressão desenvolvimento sustentável. A grande preocupação era estudar a interface entre economia e meio ambiente e a primeira coisa que se detectou foi o impacto do aumento demográfico no mundo. Naquela época, 1987, aumentava mais de 2% ao ano. Para resolver este problema contratamos demógrafos que concluíram que onde a população explode é onde há miséria.
Qual foi o próximo passo?
Ficamos na dúvida se era algo exeqüível economicamente. A ONU fez um levantamento e mostrou que um investimento de 250 bilhões de dólares por ano em desenvolvimento sustentável permitiria que em 15, 20 anos se erradicasse a miséria. Naquela época, por causa da Guerra Fria, os gastos com armamento chegavam a um trilhão de dólares. E como a melhor coisa para fazer com armamento é não usar, então tinha dinheiro disponível. Faltou foi vontade política. As Forças Armadas são necessárias, mas é possível também erradicar a miséria.
Desenvolvimento sustentável não é um termo muito vago?
É propositalmente vago para poder ser usado pelo mundo todo. O que é sustentável para um país pode não ser para outro, mas o princípio geral básico é firme: é aquilo que não prejudica gerações atuais, nem futuras.
E como foi criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente, a SEMA?
Eu comecei a trabalhar na área ambiental com 20 poucos anos. Naquela época não existia quase nenhum ambientalista no Brasil. Juntando todos, não lotava uma Kombi. Nem a expressão meio ambiente era usada, era tudo novíssimo. Em 1973, o Henrique Brandão Cavalcanti, então Secretário Geral do Ministério do Interior e quem eu tinha visto apenas uma vez, pediu para eu ir a Brasília. Lá, me mostrou o decreto criando a Secretaria Especial de Meio Ambiente, feito por ele depois da Conferência de Estocolmo, e perguntou a minha opinião. Eu li e desanquei o texto. Disse que estava fraco, que não tinha poder nenhum e que não ia dar certo. Segundo ele, a idéia inicial era me convidar para presidir um Conselho Nacional Ambiental, mas depois dos meus comentários decidiu me convidar para ser o Secretário de Meio Ambiente. Aceitei, com o aval da minha mulher.
Foi complicado consolidar a SEMA?
Me deram cinco funcionários e três salas, só. E o decreto criando a SEMA que não dava poder prático nenhum, nem de multa. A única coisa que estava ao nosso alcance era verificar onde estavam os problemas e indicar para o governo como solucioná-los. Contei com a imprensa para fortalecer a SEMA, já que temos a favor do meio ambiente a opinião pública. O Júlio Mesquita Filho tinha sido exilado junto com meu pai na época do Getúlio e o repórter do Estado de São Paulo em Brasília ia todo dia na SEMA saber alguma notícia. Porque os funcionários públicos da época não gostavam de dar entrevistas com medo de perder o cargo. Eu podia me arriscar porque o máximo que poderia acontecer comigo era voltar para USP, onde eu tava muito bem. Fiquei amigo também do pessoal da Globo, do Rogério Marinho, irmão do Roberto Marinho que gostava muito de meio ambiente e com quem viajei para a Amazônia algumas vezes.
Teria um exemplo de como a imprensa o ajudou?
Numa ocasião, em Porto Alegre, estavam alargando uma rua e iam derrubar uma árvore. Um estudante vendo aquilo subiu na árvore e não puderam cortá-la. Em volta, juntaram outros jovens e foi um reboliço. Aí um jornalista me perguntou o que eu achava e eu disse que se tivesse 20 anos também estaria em cima da árvore. Dali a pouco me liga o subchefe do Estado Maior das Forças Armadas querendo falar do problema da árvore. Pensei, pronto, agora vem chumbo grosso.Era um almirante que tinha visto a entrevista e ligou para dizer que se tivesse 20 anos também estaria lá. A gente às vezes recebia apoios totalmente inesperados.
E as críticas?
No começo, um dos meus maiores críticos foi o José Lutzenberger porque eu era membro do governo e ele da oposição. Eu desembarcava em Porto Alegre, ele pegava os jornalistas e saia me acusando, na verdade o governo. Ouvia calmamente. Mas descobri que geralmente quando um sujeito faz uma crítica, mesmo que exaltada, sempre tem uma parte de verdade. Algo o empolgou a ponto de defender a idéia daquele jeito. Acho que a ideologia do Lutzenberger era para voltar a um passado agrícola de aldeia que não ia ocorrer no mundo moderno, mas a conversa era interessante. Passado o período mais critico, eu o convidava para almoçar. Ele fazia discursos contra o governo e eu pensava sobre as coisas em que ele tinha razão. Fiz uma política de aproximação porque achava que para o meio ambiente se firmar era importante a participação dele.Um dia, ele me fez um grande elogio a um amigo em comum. Disse que eu não era tão ruim quanto ele pensava.
Qual foi a sua estratégia para lidar com o governo militar?
Eu não tocava em política. Tinha muitos amigos na oposição e no governo e com isso pude ajudar muito para que a Lei nº 6.902 fosse aprovada. A gente mandou o projeto de lei fraco porque pensamos que se fosse forte não ia passar. Mas o pessoal da oposição conseguiu mudar a cabeça da turma do governo e foi aprovado com apenas dois votos contra. Mas de repente o CNI descobriu, porque eles não estavam acompanhando a lei, e eram uns 25 artigos. Pediram 13 vetos. Pensei que estava tudo perdido, que iam destroçar a lei. O presidente Figueiredo pediu minha opinião e eu estava convencido de que entre os meus argumentos e os do CNI, ele ficaria com os do CNI, pelo menos em parte. Concordei com dois vetos, que eram coisas sem importância, e pedi para ele não atender os outros onze. Assim ele fez.
E a criação de Unidades de Conservação?
A SEMA fazia parte do Ministério do Interior, que era um ministério rico e incluía todo um setor de desenvolvimento. E exatamente por isso eles queriam fazer alguma coisa para o meio ambiente, para não dizerem que estavam só destruindo. Eu me aproveitei disso. Por exemplo, nós compramos a área da reserva do Taim. Tinha dinheiro até para comprar as áreas das unidades de conservação.A Estação Ecológica de Aracuri-Esmeralda, no Rio Grande do Sul, nós compramos árvore por árvore de araucária. Porque o proprietário ia vender para uma serraria o bosque inteiro e achava que cada árvore tinha um valor. Avaliamos cada uma e pagamos.
Como era a relação com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal ?
Era o nosso maior rival. O IBDF estava no Ministério da Agricultura e detinha os parques nacionais. Uma das primeiras coisas que fiz foi viajar ao Rio de Janeiro com o Henrique Cavalcanti para pedir que os parques nacionais ficassem sob a responsabilidade da SEMA. Fomos acusados pelo diretor do Instituto de querer destruir o IBDF. Decidimos então criar uma estrutura paralela, inventar unidades de outro tipo e implementá-las. No final, nós pensávamos, e deu certo, que no futuro iriam juntar tudo por serem coisas semelhantes. Foi o que aconteceu com a criação do IBAMA.
Havia algum critério para criar as Unidades de Conservação?
Eu tinha duas exigências. A primeira, que fosse uma coisa ecologicamente boa, com bastante diversidade. A segunda, que não tivesse índio. Não éramos contra os índios, mas a estrutura da Funai não admite uma área de proteção ambiental especial. Então, para evitar conflitos, preferimos não criar unidades onde a Funai já estava. Acho que foi a política certa. As reservas indígenas são muito úteis, principalmente na Amazônia. Ajudam a preservar a floresta. Mas não queríamos fazer o que o IBDF fez com o Parque Nacional da Neblina, criado com milhares de índios dentro que até hoje são um problema que precisava ser resolvido, num acordo geral.
E as comunidades ribeirinhas?
Em Anavilhanas tiramos o pessoal que estava nas ilhas e margens do Rio Negro e reassentamos uma parte no continente, fora da Estação Ecológica, e em outra parte pagamos indenizações e as famílias foram para a cidade. Não foi bom. Aprendi uma coisa: a gente tem que respeitar as populações ribeirinhas, mesmo contra a vontade delas. Elas muitas vezes queriam dinheiro, mas chegaram nas cidades sem ter habilidade urbana nenhuma. Algumas até voltaram. Todo ambientalista antigo não queria gente dentro de unidade de conservação, era quase unânime. Eu mudei meu modo de pensar. Na Reserva Ecológica da Juréia, em São Paulo, o estado pensa em comprar uma área vizinha para reassentar o pessoal e resolver o problema. Acho que é por aí.
Como eram criadas as Estações Ecológicas, e outras unidades de conservação?
Por métodos hoje não muito admitidos. Uma das maiores áreas que criamos no Nordeste foi escolhida lendo jornal. Eu abri o Estado de São Paulo e descobri que a União estava devolvendo ao estado do Piauí as fazendas que foram dos jesuítas e que o Marques de Pombal confiscou. No dia seguinte embarquei para o Piauí, me reuni com o governador e pedi 200 mil hectares. Ele me deu 120 mil hectares e criamos a Estação Ecológica de Uruçuí Una, que está lá até hoje. Sem ter visto. A minha teoria era que naqueles 120 mil hectares tinha que ter coisa boa porque era uma área que não tinha sido explorada. E tinha mesmo. Sobrevoando vimos bosques de carnaúba, não tinha nada de carnaúba protegido até então. E é uma região de transição de Cerrado para Caatinga,ecologicamente muito interessante. Se eu tivesse esperado para fazer estudo e tal, outros já teriam pedido a área.
Como era a relação da SEMA com o Incra na Amazônia nos anos 70?
Muito boa. A minha política era criar o maior número possível de unidades de conservação e o Incra nunca atrapalhou. Pelo contrário, ajudou. Quando uma terra não servia para eles, a passavam para nós. Por exemplo, tem uma área chamada Niquiá, em Roraima, onde sete rios confluem com um pantanal enorme onde praticamente ninguém botou o pé. Sobrevoei algumas vezes, achei uma área formidável e o Incra nos deu. Não servia para eles. No Rio Grande do Sul, quase dobramos a área do Taim com a ajuda do Incra, que realizou uma pesquisa administrativa para ver se a terra era do governo.
Mas a ocupação da Amazônia promovida pelo Incra foi desastrosa.
No começo era mais distribuir terra e dar um pouquinho de dinheiro para fazer uma casa e tal. Não davam assistência técnica. Para sobreviver, o pessoal cortava o mato, vendia a madeira e quando acabava de cortar o mato vendia a posse da terra para fazendeiros. Acho a reforma agrária uma coisa válida, mas tem que investir mais dinheiro para manter o pessoal nas terras até eles ficarem independentes, formarem cooperativas.
É válido incentivar assentamento dentro da Amazônia?
Eu acho que tem lugar para tudo. Na Amazônia ou fora da Amazônia. Fora é melhor, porque o mercado está fora. O mercado interno da região é muito restrito.
Como estruturar melhor meio ambiente no Brasil em termos de governo?
Primeiro, não queriam criar o Ministério. Então uniram a SEMA, o IBDF, uma parte da borracha e da pesca e fizeram o Ibama. Mas com estrutura de ministério. Depois criaram a pasta e ficou cada um com a sua estrutura, competindo. O Ministério está obviamente acima do Ibama, mas as coisas não funcionam muito bem porque no Ministério são tomadas as decisões finais, os decretos são assinados e há a ministra. Mas no Ibama você tem outra estrutura, que cuida das mesmas coisas. A Ministra Marina é excelente, assim como os secretários Langone e Capobianco, mas eles precisam de mais recursos.
O que poderia ser feito?
Sou contra desfazer o Ibama, mas a favor de sua reestruturação e da criação de três agências. Uma para controle de poluição, que na prática já está sendo feita pelos estados, mas precisa existir uma organização federal para ajudar os estados mais pobres. Outra para cuidar das florestas, como foi criado no começo do ano o Serviço Florestal Brasileiro. E a terceira especificamente para a criação de unidades de conservação e proteção da fauna e flora. O Ibama ficaria concentrado na área de fiscalização, que é essencial. Tem muita coisa nas costas do presidente do Ibama. Essas áreas que formam agências precisam de autonomia. O Ministério faria a união de todos, que é a função de um ministério.
O que o senhor acha de ter cargo político no Ibama?
Prejudica demais, a estrutura do Ibama deveria ser modificada. Há uns 10 anos o Ibama resolveu se descentralizar. Eu pensei que parte das funções ia passar para os Estados, mas não. Sabe o que era o descentralizar? Criar gerências executivas em cada estado, ou várias regionais. Cada gerente executivo é um cargo de confiança. Então sai um governo e muda todo o quadro. Alguns critérios são políticos. As pessoas que indicam os gerentes são poderosas. Ou é o governador, ou o senador. Para o presidente do Ibama fica complicado, como é que ele não monta a própria equipe? Ele fica na mão de pessoas que podem ser ótimas, mas podem não ser.
O senhor sempre gostou de natureza?
Sempre. Sou descendente do botânico italiano Vandelli e do José Bonifácio de Andrada e Silva, eles eram muito amigos e o Vandelli casou com uma das filhas do José Bonifácio. E meu avô paterno, Paulo Nogueira, gostava muito de natureza. Chegou a comprar uma floresta para protegê-la, lá em Campinas.
Como assim?
Minha família tem terras na região de Matão de Cosmópolis. E ao Norte de Campinas tem esta floresta de valor econômico e ecológico, de 170 hectares que está a uns 12 quilômetros da refinaria de Paulínia. A família decidiu protegê-la. Hoje é uma Área de Relevante Interesse Econômico (ARIE) Federal, mas pertence à família. Fui o autor do Decreto de Proteção. A floresta mais antiga plantada no estado de São Paulo também é nossa. Ficava numa área na beira do rio Jaguari que foi devastada no combate à malária, por causa dos mosquitos nas bromélias. Derrubaram muito mato com esse argumento, apesar da doença ter sido erradicada anos depois tratando as pessoas. A derrubada foi inútil e minha família resolveu reflorestar cerca de 20 hectares daquela área, junto à cachoeira do Funil.
O senhor testemunhou o sumiço dos bosques de araucárias.
Na década de 40, durante o governo do Getúlio Vargas, meu pai ficou exilado na Argentina e eu ia visitá-lo. Passei a ir de avião assim que inaugurou o trajeto São Paulo, Curitiba, Foz de Iguaçu, Assunção e Buenos Aires. Ia prestando atenção. O avião decolava em Curitiba e 15 minutos depois você não via mais sinal de vida humana, era só mata até Foz de Iguaçu, que era um vilarejo. Cheguei a escrever um artigo na revista dos alunos de direito contando as maravilhas daquele bosque e dizendo que era uma floresta tão grande que jamais seria extinta. Mas na época tinha o Instituto Nacional do Pinho, antecessor do IBDF, que comemorava todo ano a quantidade de pinheiro destruída e exportada para a Argentina. Houve quem dissesse que teve um ano em que foi o maior produto de exportação do Brasil. Destruíram metodicamente e propositalmente as florestas de araucária. Só sobraram algumas matas particulares e o Parque Nacional do Iguaçu, o que me fez ver a importância das unidades de conservação.
Você vê isso se repetir?
Estou vendo acontecer de novo na Amazônia, apesar de todos os esforços. Se você sair de Brasília e for para Manaus, uma hora antes de o avião aterrissar, a visão é a mesma que eu tinha no Sul. O Líbano tem um milhão de hectares, o que nos permite usá-lo como uma unidade de tamanho. Unidade interessante porque lá acontece de tudo: tem 3 milhões de pessoas, religiões diferentes, às vezes a Síria ataca…. E o Brasil, há pouco tempo, perdeu em um ano uma área de floresta equivalente a dois Líbanos e meio. Como diz o caboclo, não há tatu que agüente.
Ainda nos anos 40, o senhor fundou a Associação de Defesa do Meio Ambiente.
Eu tinha uns 20 poucos anos, estudava na faculdade de direito e a nossa preocupação era derrubar o Getúlio. O Pontal do Paranapanema, que hoje está em grande parte nas mãos do MST, era uma floresta de 150 mil hectares intactos. Mas não tinha status legal e Jânio Quadros, que era governador de São Paulo, resolveu transformá-la em reserva florestal. Mas precisava da aprovação de uma lei na Assembléia e foi uma luta. Os jornais eram a favor da criação da reserva, mas o respeitável público era totalmente indiferente. E havia o pessoal que queria grilar a terra. Acabou que só uma área foi salva, graças ao Renato Costa Lima. Ele descobriu que os grileiros se declaravam donos das terras e a Secretaria da Fazenda dava títulos ou qualquer coisa que lhes obrigavam a pagar uma taxa. Quando eles pararam de pagar, tudo de propósito, a secretaria confiscou a terra e pôs em leilão como se fosse terra com titulo legitimo. Aí eles mesmos arrematavam, uma conspiração. Quando o Renato soube disso botou a PM lá e não quis saber se a lei permitia ou não, não deixou o pessoal tomar posse. Conseguiu salvar uma área de 34 mil hectares, mas no geral nós perdemos.
E a associação?
Eu e mais dois amigos decidimos fazer alguma coisa. Cada um de nós fundou uma associação hipotética, que era nós mesmos, e desandamos a escrever cartas para os jornais e políticos. Mas um belo dia um deputado fez um discurso na Assembléia contra uma dessas associações, que era a minha. A coisa ficou séria e decidimos fundar a Associação de Defesa do Meio Ambiente, que existe até hoje em São Paulo.
Quais são os principais problemas ambientais de hoje?
Na minha opinião são três. Aquecimento climático é um assunto que requer uma atenção muito grande. Se agente não segurar, a biodiversidade vai para o brejo. E vai mesmo, porque agora os prazos de aquecimento e resfriamento são muito curtos e não dá tempo das plantas e animais migrarem. Outro é criar o maior número possível de unidades de conservação. Inclusive aquelas de interesse social – as reservas extrativistas ou reservas de desenvolvimento.E acabar com a miséria, é fundamental.
*Editado às 20h48, do dia 25/02/2019, para melhoria da diagramação e recorte de fotografia. O texto não foi alterado.
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