No começo de maio, O Eco recebeu a visita de Carlos Frederico Saturnino, titular da promotoria de meio ambiente e patrimônio histórico da cidade do Rio de Janeiro. Ele chegou no começo da tarde e saiu já de noite, depois de uma conversa que poderia se estender por dias sobre o combate a problemas ambientais no estado fluminense. Na capital, a prefeitura desrespeita as leis de poluição visual e se recusa a assinar Termos de Ajuste de Conduta, um dos recursos mais utilizados pelo Ministério Público para se encontrar soluções rápidas para os problemas vigentes. No âmbito do Estado, o governo desvia verbas de um fundo criado especificamente para investimentos na área ambiental.
Apesar dos problemas se empilharem sobre a mesa, Saturnino se diz mais feliz depois que trocou a área criminal pela ambiental, onde foi parar por acaso em 2000. Para ele, que nasceu em Friburgo, mas sempre freqüentou o Rio no fim de semana, não tem como não gostar de ter a chance, e o poder, de proteger a cidade do perigo de perder o título de maravilhosa.
Quais são os principais problemas ambientais do estado do Rio?
Carlos Frederico – Existem cinco pontos estratégicos tanto para a cidade quanto para o Ministério Público (MP). O primeiro é a favelização. Hoje, no índice de investigações em curso, esse item só perde para poluição sonora.
Como atacar?
Carlos Frederico – Eu tenho algumas propostas. Acho que deve haver um monitoramento preventivo, que pode ser feito por satélite, que emitiria laudos imediatos sempre que ocorresse um desmatamento e o surgimento de uma nova construção. Paralelo a esse monitoramento, tem que haver uma multiplicação da estrutura da prefeitura de fiscalização. E, de preferência, sempre que o negócio começa. Porque depois que tem alguém morando é preciso uma ação judicial para demolir, a não ser que esteja em área de risco. E tem que ser veloz e permanente.
O que o MP pode fazer?
Carlos Frederico – A gente tem atribuição para fiscalizar se a prefeitura se omite ou não na preservação da área ambiental e da área urbana. E o que hoje está razoavelmente caracterizado é que a prefeitura se omite deliberadamente.
E por que não acontece nada com o prefeito César Maia?
Carlos Frederico – A omissão sempre é mais difícil de ser provada do que a ação, mas estamos trabalhando nisso.
No Rio, favela tem dono?
Carlos Frederico – Estamos investigando os empreiteiros da favela, os grandes construtores, que não são muitos, são cinco ou seis. Eles não são donos de toda a favela, mas cada um tem 300, 500 apartamentos. E possivelmente têm alguma ligação com o tráfico de entorpecentes. A gente sabe que o tráfico está se espalhando de um modo a obter lucro de outras atividades. Por exemplo, venda de gás e de material de construção.
E a omissão da sociedade?
Carlos Frederico – A sociedade que vive na cidade legal já está mobilizada. Não é mais aceitável para um morador de uma construção legal, que haja novas favelas. Isso já é um ganho. Agora, é preciso convencer as pessoas que moram nesses locais que não é possível construir em determinados lugares, que é preciso seguir o mínimo de regras. Mas também é muito difícil convencer alguém a ir morar num conjunto habitacional,por exemplo, na Baixada Fluminense, com o atual sistema de transportes. E isso é um outro ponto que a cidade precisa enfrentar urgentemente. Um sistema de transporte de massa que seja barato, veloz e bom.
Transporte é o segundo ponto?
Carlos Frederico – Sim. O poder público tem a obrigação de fornecer transporte coletivo. Qual, é uma decisão de quem foi eleito. Nisso, o MP não pode se meter. A opção hoje é transporte rodoviário. É uma opção infeliz do ponto de vista ambiental e até econômico, na minha opinião.
Outro item.
Carlos Frederico – A despoluição do patrimônio hídrico. Não só da cidade, mas da região metropolitana. Na região de Sepetiba, por exemplo, não há saneamento básico. Todo o esgoto é coletado através da rede de águas pluviais e vai parar nos rios e na Baía de Sepetiba. Isso tem impacto no turismo, na saúde pública. Outro ponto é a questão da água potável. O rio Guandu, que vem do rio Paraíba, está em condições lamentáveis. É cada vez mais caro tratar a água para abastecimento.
O que mais?
Carlos Frederico – É essencial investir também em educação ambiental, é preciso que isso se torne cada vez mais uma febre para as pessoas que moram na cidade. Elas precisam entender que não é uma coisa que atrapalha o desenvolvimento, ou a geração de empregos. Acusam os promotores que lidam com a questão ambiental de quererem impedir o progresso, de querer transformar a cidade num museu. O que nós queremos é organizar o progresso. Nós queremos que ele se dê de uma forma que, no futuro, a cidade não fique inabitável.
“O ESTADO DO RIO ESTÁ SE TORNANDO UMA ESPÉCIE DE DEPÓSITO CLANDESTINO DOS RESÍDUOS INDUSTRIAIS.”
Eram cinco itens.
Carlos Frederico – O quinto é a questão dos resíduos sólidos. O estado do Rio está se tornando uma espécie de depósito clandestino dos resíduos industriais de toda a região industrial do Brasil, sobretudo São Paulo. Sé existe um aterro deste tipo, o da Tribel, em Belford Roxo. O resto é clandestino. Volta e meia a polícia estoura verdadeiras bombas de produtos químicos armazenados sem identificação. Há lugares que não são aterros, são depósitos provisórios. Teve um em Caxias que pegou fogo três vezes. Eram tonéis e o sujeito enchia o pátio, empilhando em três níveis, que é o máximo que a legislação permite. Aí pegava fogo, explodia, os tonéis voavam metros de distância e o que acontecia? O órgão ambiental não cassava a licença e ele voltava a ocupar o espaço com novos tonéis.
Algum caso de contaminação?
Carlos Frederico – Tem um local desse em Queimados. A empresa Centres faliu e abandonou um passivo ambiental cuja reparação é calculada em torno de 50 milhões de reais. É uma coisa assustadora. Praticamente todas as empresas grandes do Brasil tinham resíduos lá: Petrobrás, Vale do Rio Doce, Xerox, Shell. O que estava identificado com o nome das companhias, elas retiraram. Mas sobrou uma lagoa de resíduos não identificados. E existe suspeita de que contaminou o lençol freático e a população no entorno – que é muito pobre, não tem água encanada da Cedae e faz poços artesianos – estaria com uma incidência altíssima de leucemia. Isso a 50 minutos do Rio.
E por que essa preferência do lixo industrial pelo Rio de Janeiro?
Carlos Frederico – Eu acho que porque os sistemas de controle do estado entraram em colapso. Tenho uma estatística feita por mim do resultado das ações civis públicas do Rio. Dá vergonha. Existem 140 ações ambientais em curso na capital. Alguns parâmetros para análise foram celeridade e efetividade. Bom, 8% estão em sentença.Ou seja, decisão de primeiro grau. Outros 5% têm trânsito julgado, portanto, decisão definitiva; 87% tramitam sem qualquer decisão. Quando um dos réus é o poder público, seja o município ou o Estado, isso se torna mais grave ainda: 4% têm decisão; 96% tramitam sem decisão. Quanto à data de início das ações, 57% começaram após 2000 e as outras 43% são das décadas de 80 e 90. Esses 43% já eram para estarem encerrados faz muito tempo, mas continuam tramitando a passos de tartaruga. Isso não seria tão grave – agora a gente vai tentar uma salvação – se houvesse um bom número de liminares concedidas, que, de uma certa forma, procuram evitar a consumação do dano. Acontece que 91% das liminares não foram apreciadas ou foram negadas e só 9% foram concedidas. Contra o poder público, só 4% foram concedidas. Quer dizer, o poder judiciário encara a questão ambiental de uma forma conservadora, como uma coisa marginal.
Qual é o problema?
Carlos Frederico – Acho que o poder judiciário tem na sua ideologia que o status quo deve ser conservado, exceto em situações excepcionais. Quando você julga uma ação individual, você não muda o status quo da sociedade. Você muda o status quo daquela pessoa. Isso é razoavelmente aceito pelo juiz. Já quando você julga uma ação coletiva, uma ação ambiental ou de cidadania, você está mudando radicalmente o status quo da sociedade naquele assunto. O juiz não quer se sentir responsável pessoalmente por isso, e ele não é estimulado a fazer isso.
A impressão é que o crime ambiental ainda compensa, e muito.
Carlos Frederico – É verdade. Essas estatísticas que eu mostrei demonstram claramente. A saída encontrada pelo MP é tentar as soluções extra-judiciais, que basicamente se resumem a Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), um acordo em que o MP não transige no interesse público, mas na forma como esse interesse público será preservado ou alcançado e faz um acordo com o empreendedor, com o potencial poluidor.
Qual é a vantagem?
Carlos Frederico – Nove em cada dez TACs são cumpridos no prazo. E esse prazo raramente é superior a dois anos. É melhor do que uma ação que às vezes tramita décadas. Ou quando ela finalmente chega ao fim, o bem ambiental que se queria tutelar já se perdeu e nem é possível recuperar.
Mas o TAC evita dano?
Carlos Frederico – Depende do ponto de vista. Se você ao invés de olhar para o passado, olhar para o futuro, e imaginar o que o local em discussão será daqui a cinco anos se não houver o TAC, você nota que ele é um ganho ambiental, que com o TAC o local estará menos degradado.
“O INSTITUTO PEREIRA PASSOS TEM SE RECUSADO A FORNECER FOTOGRAFIAS ANTIGAS DE ÁREAS DE FAVELA PARA SE CONSTATAR A EXPANSÃO.”
Há TACs com a prefeitura do Rio?
Carlos Frederico – Desde que o prefeito César Maia assumiu, nunca mais celebrou nenhum TAC com o MP. Não só na área ambiental, em qualquer área. Isso é uma diretriz do prefeito, informada por escrito a todos os órgãos da prefeitura. Uma diretriz, na minha opinião, absolutamente insensata, porque não é possível você de antemão, sem avaliar o caso em que se está propondo um acordo, dizer que simplesmente não é diretriz da prefeitura fazer acordo com uma outra instituição pública, que é o MP.
Há diáologo zero entre o MP e a prefeitura?
Carlos Frederico – No combate a favelização, o Instituto Municipal Pereira Passos tem se recusado a fornecer fotografias antigas de áreas de favela para se constatar expansão. É absolutamente ridículo que eles soneguem essa informação, que é pública. A rigor, qualquer cidadão deveria ter acesso.
A prefeitura não poderia ser processada por isso?
Carlos Frederico – Pode, isso é até crime, você negar uma requisição do MP. É porque eles fazem isso de uma forma sutil. Dizem que encaminharam para a assessoria jurídica deles, que está analisando o caso. Eles não negam, simplesmente não entregam.
A prefeitura costuma desrespeitar leis na área ambiental?
Carlos Frederico – Na minha opinião, a prefeitura tem como ideologia estimular o desenvolvimento econômico da cidade a qualquer custo. Então, muitas normas, que talvez nem façam tanto sentido, mas que existem, são desrespeitadas pelo próprio poder público que deveria fiscalizar a sua observância. Por exemplo, normas de publicidade e poluição visual. Os outdoors são proibidos em vários locais, mas a prefeitura autoriza sistematicamente a colocação deles sempre que ela entende que aquela marca que está sendo veiculada está promovendo o desenvolvimento da cidade. Por exemplo, shows na praia.
E como é que você acabou em meio ambiente?
Carlos Frederico – Não era ambientalista, nem tinha uma predileção especial pelo assunto. A primeira área em que atuei dentro do MP foi a criminal e na Baixada Fluminense, onde constatei que a atuação do MP é absolutamente frustrante para quem pensa a sociedade de uma forma mais ampla. Porque 99% dos casos se destinam a perseguir pequenos criminosos, que mal podem se defender, e que estão na vida do crime muitas vezes porque não tiveram outras opções realmente viáveis na vida. Então eu mudei para a tutela coletiva com o interesse de fazer investigações das improbidades administrativas. E encontrei na Baixada Fluminense um prato cheio. Oito prefeituras, algumas com orçamentos altíssimos, caso de Nova Iguaçu e Duque de Caxias, e com irregularidades, fraudes em licitações, em regras de concurso público, desvios de recursos. Acho que cheguei a processar, os oito prefeitos, por improbidade administrativa. E era cada um de um partido.
E você começou a bater em questões ambientais lá…
Carlos Frederico – Não. A política na Baixada ainda é extremamente violenta e a minha situação pessoal começou a se tornar excessivamente perigosa. Depois que eu coordenei a operação Mapa, que detectou fraudes milionárias na coleta de lixo de Duque de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo e Magé, eu não me senti mais confortável para continuar lá e quis vir para o Rio de Janeiro, na área da tutela coletiva. A única vaga disponível era em meio ambiente. Para mim foi uma benção, me tornei uma pessoa mais zen. Acho que para quem ama a cidade, você trabalhar na defesa do meio ambiente é um privilégio absoluto. Porque o principal do Rio é o meio ambiente.
Algum resultado marcante?
Carlos Frederico – O aterro sanitário de Nova Iguaçu, de Adrianópolis, que foi fruto de um TAC que o MP firmou através da minha promotoria na Baixada. Em Nova Iguaçu havia um lixão numa área ambientalmente importante, chamada Marambaia, que não tinha nenhuma forma de controle. Ele ficava às margens do rio Iguaçu, que vai desembocar na baía de Sepetiba. Aí houve um acordo com a prefeitura e com a empresa que venceu a licitação para que o lixão fosse completamente remediado e que fosse implantado um novo aterro atendendo a todas as exigências ambientais da lei. Houve na época uma grande batalha porque o aterro fica na área em torno da Reserva do Tinguá, que também é uma área ambientalmente relevante. Mas houve acordo e o aterro saiu. É o primeiro aterro sanitário do Estado a receber licença ambiental e foi o primeiro projeto do mundo a ser certificado como autorizado a emitir crédito de carbono, pelo Protocolo de Kyoto. Isso não estava previsto no TAC, mas a empresa teve a sacada. Instalou uma usina de geração de energia através da canalização do gás metano produzido pelo lixo.
“O DESVIO FOI CALCULADO EM 850 MILHÕES DE REAIS.”
E o desvio de verba do Fecam promovido pelo governo do estado?
Carlos Frederico – O percentual mínimo de royalties do petróleo, que antes era 20% e hoje é 5%, não foi destinado ao Fecam (Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano). Isso gerou uma investigação, uma ação civil pública e nós perdemos a ação em primeiro grau. Entramos com um recurso contra essa sentença, que é uma apelação, e esse recurso vai ser julgado provavelmente este ano. A sentença é um retrocesso sem precedentes. Ela declara textualmente que o Fecam, um fundo para o meio ambiente que está na constituição do Estado, é inconstitucional. Aliás, uma falha muito grave da sentença é nem mencionar a constituição do Estado. Porque você enfrentar a constituição do Estado e dizer que ela viola a constituição da República é uma coisa. Você dizer que o fundo é inconstitucional e nem mencionar a constituição estadual é outra completamente diferente. Ou ela ignora que a constituição do Estado existe, e nesse caso ela não leu a petição inicial, que menciona 25 vezes essa constituição. Ou ela optou por esse caminho para fundamentar a sentença.
Você não tem a impressão de que o juiz nunca leu um processo?
Carlos Frederico – Isso não é uma impressão. Todo juiz quando recebe um processo deve ler a petição inicial, mas ninguém faz. As razões são várias, e não é só o juiz. O MP e os advogados também muitas vezes lêem mal o processo. Os bons advogados cultivam boas relações para poderem chegar num desembargador ou num ministro e explicar pessoalmente o caso. Porque uma coisa é o sujeito ouvir, outra é ele pegar para ler aquele “catatau”.
Tem como recuperar o dinheiro desviado da Fecam?
Carlos Frederico – O desvio foi calculado em 850 milhões de reais. O pedido é que essa quantia seja aplicada em projetos ambientais do Fecam. A forma e o prazo eu não especifiquei no pedido, porque eu sei que 850 milhões de reais, de uma tacada só, quebra o Estado, é impossível. Através de um acordo poderíamos amortizar o pagamento em dez anos, porque também não foi de um dia para o outro que houve esse desvio. Agora, paralelo a isso se descobriu uma nova fraude com o Fecam. O conselho do fundo está aprovando projetos que não têm nada a ver com meio ambiente. Por exemplo, construção de viaduto.
E aí?
Carlos Frederico – Começamos agora em maio uma nova investigação. No ano passado, 30% das verbas do Fecam foram aplicados em projetos que pela rubrica deles lá no orçamento não têm nenhuma ligação com o meio ambiente.O conselho do Fecam tem oito membros. Cinco são indicados pelo governo do Estado, um pela Firjan, outro pela Apedema (que é a associação das ongs) e o oitavo deveria ser um representante do MP, mas essa cadeira nunca foi ocupada porque tem um parecer do procurador-geral que entende que é inconstitucional o MP participar de conselhos. O da Firjan diz que se recusou a votar nesses casos. Quer dizer, nem votou contra esse projeto, ele simplesmente se absteve. E o da Apedema, que também se absteve, quando saiu no jornal a notícia, declarou que vai renunciar ao cargo. De qualquer forma, seriam cinco a três, sempre. O negócio é feito para o Estado fazer o que o chefe quer fazer.
Como eu faço uma denúncia ao MP?
Carlos Frederico – Basta ligar para a Ouvidoria, telefone 127. É gratuito e se quiser pode manter o anonimato. Também é possível solicitar uma reunião com um promotor. A ouvidoria foi criada há cerca de um ano para qualquer pessoa levar denúncias de qualquer natureza ao MP, através de email ou telefone. Isso multiplicou em quase seis vezes o número de casos levados ao Ministério Público.
E a estrutura é suficiente?
Carlos Frederico – Pois é, a estrutura não mudou. Ao mesmo tempo em que se possibilitou que uma grande quantidade de denúncias chegue ao MP, não o aparelharam para cuidar delas.
No Brasil, não há escritórios ou ongs de direito ambiental para dividir o ônus com o MP?
Carlos Frederico – O índice de ações ambientais propostas por outros legitimados que não o MP é desprezível. Deve ser 1% ou 2%. Agora, quando você vai na área de consumidor, esse índice sobe espantosamente, porque nessa área as indenizações quase sempre são em dinheiro. E é possível para esses legitimados ter um ganho financeiro através da habilitação dos consumidores para receber a sua parte.
E não dá para fazer isso na área de meio ambiente?
Carlos Frederico – Não, porque a natureza da ação ambiental é sempre remediar o meio ambiente como ele era antes. Não há indenização, que só ocorre em último caso. E mesmo quando ocorre, ela não se reverte para o advogado, mas para o fundo. No caso do Rio, o Fecam.
“SE VOCÊ PEDIR UMA PERÍCIA, O AGENDAMENTO ESTÁ SENDO FEITO PARA 2007, SEGUNDO SEMESTRE.”
Qual é a sua estrutura no MP?
Carlos Frederico – Eu tenho uma secretária, uma outra funcionária que me auxilia e um outro que cuida das ações. Conto também com estagiárias extra-oficiais que não recebem nada por isso, trabalham quase de favor. E tenho uma equipe de peritos, que é o mais importante. São cerca de vinte e poucos peritos, só que não trabalham para mim, trabalham para todo o MP. Hoje, se você pedir uma perícia, a não ser que seja um caso excepcional, o agendamento está sendo feito para 2007, segundo semestre.
Não é possível utilizar peritos de ongs, poderiam até não cobrar?
Carlos Frederico – Antes de nós termos os peritos profissionais, que têm dedicação exclusiva ao MP, a única saída era essa. Então nós recorríamos, sobretudo, a universidades. O problema dessa solução é que ela não é sistemática como deve ser o nosso trabalho. Ela deve ser negociada caso a caso, e depois de um tempo as próprias universidades passaram a ter menos boa vontade para nos atender devido à demanda.
Para uma ong que atua na área ambiental, fazer uma ação com garantia de que o MP vai dar seguimento é muito bom.
Carlos Frederico – O nó de toda a ação judicial ambiental é a perícia. Porque quase toda a ação dependerá de prova pericial para o seu julgamento. E a lei estabelece que os honorários do perito só serão pagos ao final do processo, pela parte vencida. Ao contrário dos outros processos em que ele é pago antes, pela parte interessada. Isso traz dois problemas: Primeiro, o perito se recusa a trabalhar de graça, porque ele sabe que essa ação pode levar dez, quinze anos. O segundo problema é que sempre haverá o risco de o perito se vender para a outra parte. Ou seja, há o risco de o perito se entender com a outra parte e receber os honorários dele antecipadamente e extra-oficialmente, na forma de suborno. A gente teria que ter uma fatia do nosso orçamento destinada a pagar as perícias judiciais. Ou inverter o ônus da prova, porque aí o réu pagaria a perícia antecipadamente para tentar provar pericialmente que o MP está errado.
Que tipo de denúncia chega na área ambiental?
Carlos Frederico – Elas são quase sempre ligadas a questões individuais. São bueiros que estão vazando, um vizinho que está fazendo barulho. Existem denúncias mais genéricas pedidas por associações de moradores, por ongs e até mesmo por cidadãos verdadeiramente interessados na coletividade. Mas são raríssimos.
Você tem algum exemplo?
Carlos Frederico – Tem uma senhora aposentada moradora do alto Gávea, na zona sul do Rio. Ela vai freqüentemente no MP tratar de rios ligados a bacia hidrográfica do bairro. Ela deu origem a três ou quatro procedimentos específicos para cada um dos rios. Um deles, o rio dos Macacos, resultou numa ação civil pública que o MP propôs em face da CEDAE, do Estado, e das pessoas que foram identificadas como as que moravam na faixa marginal de proteção do rio e estavam jogando esgoto.
O MP só age quando solicitado?
Carlos Frederico – O MP obviamente não precisa de provocação para agir. Ele pode agir de ofício. Basta que o promotor tenha a notícia de que há um ilícito ambiental em andamento.
Esses casos geralmente chegam até vocês como?
Carlos Frederico – Pela mídia. Um promotor, digamos assim, com “espírito público elevado”, ao tomar conhecimento dessa notícia lendo seu jornal pela manhã ou assistindo televisão, chega no trabalho e inicia sua investigação a partir dessa notícia. Não é que o MP seja pautado pela mídia. É que se não fosse a mídia, o MP não tomaria conhecimento de certos fatos.
“O INQUÉRITO CIVIL É CONDUZIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO INÍCIO AO FIM.”
Como é que você investiga?
Carlos Frederico – O MP deixou de contar com a polícia. A delegacia de meio ambiente, infelizmente é bastante ineficaz no que toca a investigação e a concretização da investigação de crimes ambientais. Então o inquérito civil é conduzido pelo Ministério Público do início ao fim.
Vocês não contam com ninguém?
Carlos Frederico – A gente conta com a ajuda dos órgãos ambientais do poder executivo, mas eles estão num estado de falência notória. A Feema, o IEF, a Serla, até mesmo o IBAMA, não têm pessoal capacitado e bem pago. Na falta desse suporte, o MP criou para si uma estrutura multidisciplinar, chamada Grupo de Apoio Técnico, que são os peritos que trabalham em tempo integral para o Ministério Público, dos mais variados ramos do conhecimento.
Há uma sobrecarga?
Carlos Frederico – Hoje existem 2.283 investigações em curso em três promotorias de meio ambiente da capital. Dá uma média de 760 casos para cada promotor, o que já é um número altíssimo. Cada investigação é um pequeno processo que vai virar um grande processo. Isso toma quase que a rotina inteira do promotor. Aí você vai ver por assunto, qual aparece mais. 21% é poluição sonora, principalmente relacionada a direito da vizinhança. Lógico que a poluição sonora deve ser atacada, mas o promotor de justiça é muito bem pago para ficar tratando de bar que põe essas máquinas de música e inferniza o sujeito que mora em cima.
O tempo gasto com problemas maiores é mínimo?
Carlos Frederico – Por exemplo, apenas 0,2% das investigações são sobre resíduos sólidos.Poluição industrial: 0,8%. Procedimentos relacionados ao princípio da prevenção, a licenciamento ambiental e a estudos de impacto ambiental, somados, dá 5 % das investigações.
Vocês têm treinamento especifico para atuar na área ambiental ou depende de cada um?
Carlos Frederico – Depende do interesse de cada um. A instituição disponibiliza seminários, cursos, mas não é uma coisa obrigatória. Tem muita gente que não tem o menor interesse porque encara aquilo simplesmente como um meio de vida, ou de uma forma burocrática. O pior é que, como somos servidores públicos, nós não somos cobrados por produtividade.
Apesar dos pesares, o MP é muito dinâmico na área ambiental.
Carlos Frederico – Eu acho que num país em que as instituições de um modo geral estão desacreditadas e cada vez mais, o MP tem uma oportunidade muito rara e a responsabilidade de aproveitar essa fé das pessoas para efetivamente se tornar uma instituição imprescindível para o país.
Para você, qual maior defeito do MP?
Carlos Frederico – Talvez o mais grave, em termos de estrutura, é que os advogados não falam entre si. Por exemplo, quando há um recurso de uma ação civil pública, ele será julgado no tribunal de justiça, em segundo grau. Lá, quem funcionará pelo MP é outro representante. Não é mais o que iniciou a investigação, propôs e tocou a ação até ali. É um procurador de justiça que jamais pegou naquele processo, naquela investigação, e que, muitas vezes, não tem nenhuma vocação para aquele assunto. Porque as únicas especializações existentes na Procuradoria são cível e criminal. Então de repente vai cair na mesa de um advogado que trata de assuntos de família, de despejo, etc, um processo imenso sobre direito ambiental, que é um assunto que ele jamais estudou na faculdade e jamais trabalhou, porque quando ele se tornou procurador de justiça, não havia ainda promotorias de meio ambiente. Houve um movimento no Ministério Público, até chamado Agenda 21 – apesar de muitos não saberem que o nome fazia alusão a agenda de propostas criadas na Rio 92 -, que sugeriu a criação da especialização de meio ambiente na Procuradoria. Ou seja, que os procuradores de justiça também possam escolher trabalhar somente com meio ambiente
Você se considera ambientalista?
Carlos Frederico – Um ambientalista no sentido de compreender muito melhor a relevância do meio ambiente e do respeito que a gente deve ter pelo mesmo. Eu acho que ter uma profissão que paga o que paga e fornece as possibilidades de transformação social que o Ministério Público me oferece, num país como o Brasil, uma benção.
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