Reportagens

À frente do tempo – com Marcos Fujihara

O agrônomo Marcos Fujihara trabalhou uma vez no governo com gestão de florestas. Aprendeu o que dá certo e errado e passou a liderar a consultoria na área de serviços ambientais.

João Teixeira da Costa ·
11 de maio de 2007 · 18 anos atrás

Marco Antonio Fujihara já fez bastante coisa nos seus 25 anos de carreira. Formado em agronomia, já trabalhou em gestão de florestas, tanto no governo quanto no setor privado. Foi diretor do Ibama, assessorou Eliezer Batista na Vale do Rio Doce, e hoje se dedica à sustentabilidade empresarial. Sempre na vanguarda, ele parece já ter se habituado a explicar para quem vem atrás conceitos que podem não parecer tão óbvios. Como o dos créditos de carbono, por exemplo, um dos assuntos onde tem sido pioneiro no Brasil e no mundo. Fujihara falou ao Eco sobre esses e outros temas no seu escritório de consultoria, na Avenida Paulista, em São Paulo.

O Eco – Você se formou em agronomia. Como foi parar em empresas e sustentabilidade?

Fujihara – Eu me formei e fui embora do Brasil, eu fui trabalhar na FAO, órgão das Nações Unidas…

Em Roma?

Fujihara – Você acha que um recém formado vai trabalhar em Roma? Fui para Moçambique e Tanzânia. Era um projeto multidisciplinar onde a minha função, além de carregar a mala do diretor, era entender um pouco a complicação de um país que estava saindo da guerra civil. Fui trabalhar em uma área que é muito sensível na economia moçambicana, a economia do caju. Então comecei a entender que tudo era diferente. Não adiantava só produzir caju, tinha que produzir caju com outras variáveis no meio. Não tinha nada de agricultura. Era um projeto de organização de produção.

Você viveu experiência parecida no Brasil?

Fujihara – Quando voltei para o Brasil, entrei na área florestal, de celulose e papel. O que também me deu uma outra visão, porque para trabalhar com florestas você tem que entender o “macro”, sempre. Sejam florestas para fins industriais, sejam florestas para fins energéticos, ou qualquer outra coisa. Não é um setor de suprimento para a fábrica. É mais complicado do que isso.

Você trabalhou com o José Lutzemberger?

Fujihara – Sim, foi uma experiência muito legal. Eu tinha 32 anos e o “Lutz” assumiu o Ministério, a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República. O presidente Collor queria usar a credibilidade internacional do Lutzemberger para montar a Rio-92. Ele tinha, sem dúvida, enorme credibilidade lá fora, mas alguém tinha que gerenciar o dia-a-dia aqui. Principalmente um negócio meio disforme que tinha acabado de ser criado a partir da junção de quatro órgãos, um troço chamado “Ibama”.

O que você fazia lá?

Fujihara – Era responsável por florestas. Naquela época o Ibama era uma área de borracha, de florestas e de pesca. Foi uma experiência legal entender como funciona o governo, como se formam as tais das políticas públicas que muitas vezes não passam do discurso. E de lá pra cá eu falei: “bom, vou cuidar da minha vida, fazer minhas coisas”. E me envolvi muito na área de economia florestal, a conseqüência disso foi lidar com mudança climática. Ao trabalhar com o Eliezer [Batista], quem eu ajudei em alguns projetos da Vale, a gente começou a discutir mudanças climáticas com a Nippon Steel em 93. Protocolo de Kyoto é um negócio de 97! Era um negócio de visões futurísticas, entendeu? Mas trabalhar no governo foi um aprendizado.

A nossa política de florestas avançou?

Fujihara – Não sei, ela sempre foi residual. Nos tempos do IBDF ela era residual da política agrícola, hoje continua residual da política ambiental como um todo. E fazer política florestal da mesma maneira na Amazônia e nas Matas de Araucária do Paraná é meio complicado. Porque você tem que ter uma dinâmica ecossistêmica, de biomas, para entender o que é uma política florestal. No começo década de 90, a nossa grande discussão era como provocar a escassez de produto florestal para elevar o preço e manter a floresta de pé (risos). E era complicada essa discussão. E continua complicada até hoje, porque você não tem instrumentos de política econômica à disposição da política florestal. Essas interfaces da política tarifária, da política tributária, não existem. A política florestal acaba tendo os instrumentos dela de per se. A tal da ATPF. Se a gente conseguisse ligar isso às políticas tributárias seria mais efetivo.

“A NOSSA GRANDE DISCUSSÃO ERA COMO PROVOCAR A ESCASSEZ DE PRODUTO FLORESTAL PARA ELEVAR O PREÇO E MANTER A FLORESTA DE PÉ.”

Na Mata Atlântica, o que ainda pode ser feito?

Fujihara – Cuidar do restinho que está aí, não tem muito mais o que fazer. Colocar corredores na Mata Atlântica é bom, o mínimo que podemos fazer é juntar esses fragmentos perdidos. Mas também nunca houve uma preocupação dos governos estaduais em ter uma política florestal específica para a Mata Atlântica. O Espírito Santo, que é inteiro de Mata Atlântica, não tem instrumentos de política florestal. Mesmo São Paulo não teve instrumentos de política florestal voltados só para isso.

A restauração da Mata Atlântica passa pela remuneração por serviços ambientais?

Fujihara – Podemos introduzir essa questão dos serviços ambientais da seguinte maneira: você tem uma bacia aqui e outra ali, tem um riozinho aqui e outro ali e tem umas PCHs [pequenas centrais hidrelétricas] no meio. Quer dizer, para manter a mata ciliar, essa PCH tem que começar a pagar a conta. Temos que criar um sistema em que a usina possa colocar na sua conta a externalidade de manter a matinha ciliar, porque esta faz parte do negócio dela. A perenidade do investimento depende da mata ciliar. A mesma lógica serve para os serviços de água e saneamento. Enquanto eu não começar a distribuir essas contas de fato, não vou andar em serviços ambientais. Esse assunto não evolui no Brasil porque temos uma visão vertical. Quando se montou um sistema de “pagos,” de “bonos de bosques” lá na Costa Rica, se montou em uma visão transversal. Todo mundo de alguma maneira participa. Enquanto isso não rodar não tem sistema de política pública que resolva. E serviços ambientais não são apenas um problema da Secretaria de Meio Ambiente, mas também da secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Energia, Infra-estrutura. Enfim, todo mundo. Não conseguimos ver isso.

O que pode ser feito em São Paulo?

Fujihara – Tem que estudar um pouco as interrelações de produtos, de tarifas, de alíquotas de ICMS. Eu não tenho uma solução pronta e acabada. Acho que essas coisas passam por essas interfaces,e nós não conseguimos ver essas interfaces. Muitas vezes porque o Estado está muito mais preocupado com a arrecadação imediata, não está muito preocupado com o longo prazo. Essa a discussão da reserva legal em São Paulo é um negócio alucinante, existe desde 1968.

Mas que nunca foi aplicada.

Fujihara – Você não teve cumprimento desse marco legal porque, na verdade, pelo que eu me lembre, deve ter mais de 50 legislações subseqüentes que aprimoraram, entre aspas, o Código Florestal. Mas não se discutiu essências. A essência seria conduzir uma política florestal acoplada a outras coisas.Você vê que política florestal é uma coisa que a gente não discute muito. E quando se discute instrumentos de política florestal, discute-se muito a questão da floresta pela floresta, e não a integração dela com outras coisas. Samir Amin falava exatamente dessas integrações de políticas públicas com objetivos maiores. A gente não consegue fazer isso, fica sempre olhando para o umbigo. Os florestais cuidam da floresta, os economistas mais ortodoxos só cuidam das políticas tributárias e fiscais, e a gente não consegue juntar essas coisas. Juntar essas coisas seria o mágico.

O social também?

Fujihara -Sem dúvida.

Como lidar com os povos locais?

Fujihara -Essa coisa começou com reserva extrativista. O conceito atual é uma evolução do conceito da reserva extrativista lá de 89, do Chico Mendes. É claro que as populações locais têm que ser ouvidas, mas a maioria das populações locais não está muito interessada em fazer artesanato para turista. Ela está interessada em evoluir, em ter um padrão de vida melhor. E como é que você faz isso? Tem que tirar essa conotação, essa coisa de “vamos fazer ecoturismo, artesanato bonitinho, temos um site, agora vamos vender para a Europa”. Fica um negócio de bicho de zoológico.Quando falo em artesanato, em ecoturismo, não estou vendo geração de valor a longo prazo, estou vendo um negócio imediatista. Sustentabilidade é perenidade, é uma discussão mais filosófica.

Sustentabilidade é o assunto do momento?

Fujihara -Em termos de aquecimento global, acho que sim. Mas mesmo em termos de sustentabilidade, as empresas de uma maneira geral entenderam que precisam gerar valor, que isso não está só no fluxo de caixa. Como é que se gera valor a longo prazo, como se garante a perenidade da desta geração? Só o resultado econômico já não dá mais. Os acionistas hoje são mais exigentes.

Na verdade essa história de sustentabilidade começou lá atrás com a Gro Brundtland. E as empresas estão implementando porque o mercado de capitais está exigindo. O setor financeiro percebeu que esse negócio reduz risco e que se tiver sustentabilidade a gestão de risco fica mais satisfatória. Essa é a grande sacada da sustentabilidade, porque você conseguiu ter gestão, gerar valor e reduzir riscos. É um atributo do setor financeiro. As empresas industriais estão se enquadrando porque têm que se enquadrar. O “tipping point” veio do setor financeiro, Princípios do Equador, produtos financeiros sofisticados como seguro de performance ambiental, seguro de performance social. Isso é legal, porque é o que provoca mudança.

Qual é o papel da normatização, das normas ISO nesse processo?

Fujihara – As normas ISO tiveram um papel importante no final da década de 80, começo da década de 90. ISO 9.000, ISO 14.000. Mas entendo que certificação não gera gestão.

Um exemplo para quem não entende nada desse assunto?

Fujihara -Tem uma norma que vai sair agora que é ISO 14.064, de aquecimento global. Está no forno. A ABNT acabou de traduzir essa norma. O que a norma ISO 14.064 preconiza? Toda vez que você quiser fazer um inventário de emissões de efeito estufa, você faz assim, assim, assim, e assim. Ela te dá um roteiro, e com isso eu consigo comparabilidade. Consigo dizer que a empresa A e a empresa B têm inventários de boa qualidade porque são comparáveis a um “benchmark”.

É só um inventário?

Fujihara -Sim, mas ela dá comparabilidade, transparência. Isso é importante. As empresas hoje estão absolutamente convencidas de que precisam de “disclosure” [tornar público] tudo. Então uma norma não vai exigir que você reduza suas emissões, uma norma vai dizer como é que você faz o seu inventário para que você seja comparável ao seu concorrente. Isso é legal, promove evolução.

“TODO MERCADO NOVO TEM AVENTUREIROS. O IMPORTANTE É MANTER A INTEGRIDADE DO ARTIGO 12 DO PROTOCOLO DE KYOTO.”

Quando compro um crédito de carbono, um “offset,” o que de fato estou levando?

Fujihara -Se você for uma empresa de país desenvolvido, você está levando a diferença no teu custo de oportunidade de reduzir na tua planta vis-à-vis o custo de redução em um outro país. Você está levando um belo deságio. Sempre vai ser mais barato do que promover uma troca da matriz energética da sua planta em Dunquerque.

E a qualidade dos créditos? Muita gente reclama.

Fujihara -Quem reclama tem certa dose de razão. Faço uma diferença entre aventureiro e pioneiro. Sempre que aparecem os pioneiros, aparece um monte de aventureiros atrás, que acham que tem um pote de ouro no fim do arco-íris. Mas todo mercado novo tem aventureiros. O importante é manter a integridade do Artigo 12 do Protocolo de Kyoto. O artigo 12 diz claramente: [os projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo] têm que reduzir a quantidade de gases de efeito estufa e contribuir com o desenvolvimento sustentável. E é “e”, não é “ou”. Então eu entendo, e tenho comprovado isso na prática, que quanto mais sustentabilidade tem um projeto, melhor ele vai ser. Como são projetos de longo prazo, evidências de sustentabilidade diminuem o risco da transação. Quando diminuem os riscos da transação, o preço sobe. Sustentabilidade é um bom negócio. Que isso vai virar commodity eu não tenho dúvida. Mas tem tempo ainda, uns cinco, dez anos.

Quem está no bom caminho hoje no Brasil?

Fujihara -A siderurgia. Tanto a nacional, a de pequena escala, de gusa, de redutores energéticos, quanto a de primeira escala, como a Arcelor, por exemplo. E por que eles fazem projetos no Brasil? Por que eles acham importante desenvolver toda uma metodologia aqui no Brasil? Porque o custo é menor aqui do que lá fora. Fica mais fácil comprar ou me apropriar de uma redução doméstica no Brasil para cumprir um mandato que eu tenho que cumprir na Europa, do que ficar inventando moda de trocar a minha matriz energética lá fora.

E o problema do gusa a carvão vegetal?

Fujihara -Mas aí é que está, podemos transformar isso em uma oportunidade. Nós somos o único país do planeta que utiliza o carvão vegetal para fazer aço. Isso para mim perfila uma vantagem comparativa e ela pode se transformar em uma vantagem competitiva se eu usar a questão do “carbon finance” [ou seja, vendendo créditos de carbono] de maneira adequada. O problema é que a siderurgia de carvão vegetal usou as reservas florestais, que tinham custo zero. Nunca conseguiram acumular capital na base industrial para poder plantar uma floresta e manter a sustentabilidade do abastecimento. Mas eu acho que com o “carbon finance,” você pode reverter esse quadro. Plantar é um exemplo legal disso, uma empresa do interior de Minas Gerais, lá no Curvelo. No Brasil, eu acho que tem muito espaço.

Mas a Plantar tem sido bastante criticada.

Fujihara – Sem dúvida. Porque pioneiro é diferente de aventureiro. Claro! Em 99 eu discutia com o “Prototype Carbon Fund” o que era comprar um crédito. Você sabe o que é explicar para um monte de gringos o que é siderurgia a carvão vegetal? Em 99, imagine isso. E tem um banco do lado chamado Rabobank, um banco “Triple A”, extremamente sofisticado do ponto de vista de gestão de risco. Hoje a Plantar deve ter 80% do projeto já concluídos, e tem mais uma tranche dos créditos a serem negociados. É uma empresa familiar, e a família acha que ainda precisa esperar mais um pouco. Mas carvão vegetal é uma rota clara na diferença entre o pioneiro e o aventureiro.

A pressão por sustentabilidade e transparência substitui políticas públicas?

Fujihara -Não, nada substitui políticas públicas bem feitas. O problema é que a maioria não é bem feita. E aí as empresas se vêem quase que impelidas a assumir determinadas coisas. A educação em lugares remotos, por exemplo. Uma mineradora lá no meio do nada acaba assumindo coisas que não são funções dela. O que se faz hoje quando você pega sustentabilidade e traz para a organização é incorporar valores. É lidar com reputação, ser visto como uma empresa legal, admirável. Imagem é coisa de marqueteiro, mas reputação é um negócio que você constrói a longo prazo. E olha, é tão difícil de conseguir e tão fácil de acabar.

Vamos falar sobre papel e celulose, temos visto um crescimento cada vez maior.

Fujihara – Sim, das demandas ambientais. De uma coisa chamada “stakeholder engagement”.

As empresas à vezes lideram o processo, às vezes reagem.

Fujihara -Isso acontece em vários setores, mas aí entra a governança corporativa. Como é que você, dentro de uma organização, qualquer que seja ela, incorpora stakeholders [todos os grupo que afetam ou são afetados pela empresa]? E como esses stakeholders, dentro do seu processo de governança, podem ter algum tipo de interface direta com a administração? Uma vez eu estava falando isso para um sujeito e ele disse: “ah, mas é muito fácil. A gente faz um 0800, um ‘alô stakeholder’” (risos). Não é bem isso! Os processos de governança corporativa das empresas brasileiras muitas vezes não levam em consideração esse canal de comunicação com stakeholders. Os processos de governança corporativa estão muito vinculados ao disclosure das informações ao mercado, ou estão vinculados aos próprios acionistas.

Como se fazer entender?

Fujihara – Tem que ter canais, tem que ter abertura e trabalhar com grupos da sociedade civil. Se eles não estão organizados, ajude a organizá-los. O melhor é você se manter íntegro, manter esse canal de comunicação e ajudá-lo. Acho que não há mal nenhum. As pessoas, as empresas têm medo de falar nisso. Mas se você não fizer, outro vai fazer.

Você trabalha na promoção da introdução de novos produtos e novos processos, como isso pode ajudar a nossa economia florestal?

Fujihara -Vou te dar um exemplo da China, que é o maior produtor mundial de MDF, Medium-Density Fiberboard, uma chapa de média densidade que é um pouco melhor que o aglomerado que faz o armário embutido. O MDF já é um produto mais elaborado, que a Masisa ou a Duratex fazem no Brasil. A China é o maior produtor e o maior consumidor mundial de MDF. A maior planta da China tem capacidade de 30.000 m³, a nossa maior planta tem quase 1 milhão de m³. Só que eles tem milhares de pequenas plantas espalhadas pela China inteira. E você faz MDF de qualquer coisa, de qualquer fibra. Você junta um aglomerante, faz placa e vende as placas no mercado local. Então são pequenas plantas que abastecem o mercado local, que acabam gerando um valor enorme para a cultura dessas regiões, porque permite fazer um produto acabado.

“MADEIRA DAQUI PARA FRENTE SEMPRE VAI SER UM “TRECO” RECONSTITUÍDO DE ALGUMA FORMA.”

E no Brasil?

Fujihara -No Brasil a gente optou por trazer o modelo americano de grande escala. Mas o modelo dos chineses é muito bom, funciona porque eles atendem o mercado local, o produto tem baixo custo. As nossas serrarias na Amazônia produzem 80% de resíduo, 20% de madeira, mas ou menos. Uma “plantinha” dessas do lado de uma serraria que pode aproveitar todo o resíduo, dá um valor agregado enorme e está aproveitando coisas. Há todo um leque da economia de pequena escala que não é visto, não é percebido.

O dono da serraria poderá manter seu nível de renda cortando menos árvores?

Fujihara -A tendência global é o fim do mercado de madeira maciça. Madeira daqui para frente sempre vai ser um “treco” reconstituído de alguma forma. Ela vai ser constituída de fibras, em geral. Na China, por exemplo, se faz MDF de bagaço de cana, que agrega muito mais valor do que gerar energia desse bagaço. A partir dessa tendência, você pode gerar produtos de madeira reconstituída ou de fibras reconstituídas que podem ter um grande valor agregado. Temos três grandes plantas de MDF no Brasil, e ainda conseguimos importar porque a nossa demanda é muito grande, especialmente da indústria de móveis. Mas é preciso escolher o modelo econômico. Quero ter uma grande planta de MDF em Marabá, por exemplo, ou quero pequenas plantas de MDF espalhadas na região como um todo? Na China, onde tem uma grande planta de MDF normalmente tem um polinho moveleiro do lado. E a indústria moveleira, como conseqüência natural, gera design, gera tinturas… É um negócio muito legal, a partir de um modelo diferente, um modelo de “small plant”.

A nossa política de florestas públicas faz sentido?

Fujihara -Florestas públicas sempre vão existir e sempre vão ter que existir. Floresta Nacional (Flona) também,com um nível de exploração controlado. No Canadá, por exemplo, a sofisticação é tanta que a floresta pública é reguladora de preço. Como ela tem estoque, consegue regular preço. A maioria das empresas de suprimento de celulose no Canadá não tem um hectare de área. Elas pagam uma taxa para o governo para repor as florestas que consumiram e uma outra taxa que é da rainha. As Flonas brasileiras não vão conseguir chegar a essa regulação de preço porque elas não têm estoque. Então Flona é importante, mas qual é a sua função? Não sei. Vender madeira do setor público por licitação, não como estoque regulador? Será que é isso que a gente quer? Eu não sei, acho que tem outros mecanismos. É uma questão de oferta e demanda, e é uma coisa que tem que ser feita regionalmente, em Marabá, ou em Santarém. Você pode regular alguns mercados através de Flonas, mas isso é muito local. Não dá para fazer isso na Amazônia inteira, e vai ter sempre a economia informal que é muito maior do que tudo isso.

E você controla o estrago?

Fujihara -Você não controla os estragos, você minora alguns processos. Zoneamento hoje é um instrumento de política pública absolutamente necessário. Eu falo muito de zoneamento no livro Caminhos da Sustentabilidade no Brasil, porque para mim é o melhor instrumento de política pública que você pode ter numa determinada região. Agora, aplicar o zoneamento é que é o nó. Porque na verdade a aplicação não depende de um único órgão, é multidisciplinar. É um instrumento de política pública muito bom, poderosíssimo, só que aplicado de maneira equivocada, porque na administração pública a gente aplica ele verticalmente, não transversalmente. Todas as Secretarias do Estado devem tê-lo como base de referência para suas ações, até a Secretaria de Meio Ambiente (risos).

Como funciona isso?

Fujihara -Mencionamos no livro as políticas de infra-estrutura. Acreditamos muito nisso. Se tiver em um zoneamento a possibilidade de discutir prioridades de alocação de investimentos em infra-estrutura, a prioridade de ocupação de terras agrícolas, tudo, você tem um tremendo instrumento. O que acontece é que o zoneamento no Brasil passa a ter um dono, é de um governo, da secretaria de não sei o que, do ministério “xyz”. Quem fazia o zoneamento na época em que eu estava no Ibama era a Secretaria de Assuntos Estratégicos e o secretário era o Eliezer. Para ver uma estratégia para o futuro, tenho que ter instrumentos mais transversais do que os que temos hoje, e foi por aí que começou o processo de zoneamento. Era uma visão totalmente diferente da atual.

Estratégia e planejamento são a mesma coisa?

Fujihara -A nossa idéia de planejamento ainda é uma coisa da minha época de universidade, da década de 70. A gente tinha planejamento como instrumento de previsibilidade da ação do Estado, o que me parece hoje absolutamente equivocado. Planejamento tem que dar a previsibilidade da ação da sociedade. Quais cenários eu tenho à frente, como eu me comporto, e como a sociedade se comporta a partir disso. Você vê muito isso em modelos matemáticos de clima.

Tem que planejar crescimento do PIB para 100 anos.

Fujihara – Exato. É muito legal você comparar os modelos matemáticos de previsibilidade de mudanças climáticas com os modelos de planejamento clássico da década de 70, do João Paulo dos Reis Velloso, da turma do Roberto Campos. O modelo é clássico de previsibilidade de ação do Estado.

Para dizer onde o governo ia investir, quais regiões teriam prioridade estratégica?

Fujihara -Isso. Hoje a gente mudou, o paradigma mudou, o nosso planejamento tem que ter a variável sociedade civil, tem que ter os stakeholders no meio, tem que ter um monte de outras coisas. Hoje a legitimidade de ação do poder público no planejamento se dá exatamente no caráter participativo que ele possa vir a ter. Vou te dar um exemplo que está no site do Defra. O Defra é o ministério de meio ambiente inglês eles fizeram uma consulta pública sobre como a Inglaterra deve entender as reduções voluntárias de emissões de gases de efeito estufa. É assim que faz. E tratando de um assunto sofisticado, que é a redução da emissão de gases de efeito estufa.

“NÓS, UM PAÍS DE INDUSTRIALIZAÇÃO TARDIA, TAMBÉM TEMOS RESPONSABILIDADE NESSA CONTA.”

Falta voz dos países do Sul nas discussões de mudança climática?

Fujihara -Sem dúvida. A divisão que se estabeleceu em Kyoto entre “Anexo 1” e “Não Anexo 1” é uma divisão da diplomacia, é diferente do mundo real. Que a gente vai ter que assumir compromisso eu não tenho a menor dúvida. Por mais que os nossos amigos daqui digam que não querem, esperneiem, chutem a canela um do outro, a pressão vai ser muito grande. Até porque é importante que a gente assuma compromisso também, para a maturação da nossa sociedade.O sul ficou muito sem voz nesse processo. A gente aqui, ao sul do Equador, não consegue discutir, por exemplo, a formação do preço do MDL. Como é que a gente forma preço, como monta sistema de informação, que sites tem hoje no Sul que informam sobre formação de preços, quantidades negociadas? Ninguém. Sabe onde eu me baseio? Em sites europeus, como o do JP Morgan. Falta informação sobre o que está acontecendo no nosso hemisfério. Isso vale não só pra carbono como também para as tendências de serviços ambientais.

Temos que caminhar na direção de um acordo que preveja direitos per capita de emissão?

Fujihara – Não. Eu acho que essa é uma visão de “ongueiro” do norte. Você tem que perseguir reduções nas emissões. E essas reduções de emissões, não sei se são per capita, elas são responsabilidade de todo mundo. Os ingleses começaram a revolução industrial mais cedo, mas todo mundo é responsável por essas emissões. E quem tem que assumir mais compromisso, sem dúvida, são os países que mais emitem, ou que começaram a emitir mais cedo. A discussão é de responsabilidade. Nós, um país de industrialização tardia, também temos responsabilidade nessa conta, certo?

O futuro do Brasil está no etanol?

Fujihara -Etanol é uma discussão legal. É assim: a gente planta as caninhas aqui, nosso etanol sai daqui e a gente ajuda o Japão, por exemplo, a ter uma redução de emissões, não é?!

Eles abrem mão de produzir gasolina.

Fujihara -Exatamente. Estamos sendo bonzinhos com eles. Estamos entregando um valor adicionado para o Japão, e a gente tem que cobrar esse valor adicionado. Eu tenho que recuperar a mais valia da minha operação. Bem marxista, mas é assim. A gente está tentando exportar álcool para o Japão sem colocar na nossa formação de preço a variável reduções de emissões. Então vamos exportar álcool para Japão? Vamos, acho ótimo. Mas vamos ter gente competente no Brasil para fazer contratos de longo prazo de 20 anos, incorporando variáveis ambientais.

É o contrário dos mercados spot, que o governo está promovendo?

Fujihara -Eu entendo o mercado de etanol como o mercado de minério de ferro. Para o minério de ferro você faz contrato de 20, 25 anos. O mercado spot, que é o mercado que você joga aqui e não sabe para quem você vendeu lá fora, vai existir no começo, mas ele vai tender para o mercado de longo prazo.

Por quê?

Fujihara -Porque vai mudar o paradigma do produtor de álcool no Brasil. Você tem hoje uma internacionalização do setor alcooleiro em curso, junto com a capitalização via fundos de investimento e private equity. A Vale do Rosário, por exemplo, os investidores vão querer resultados rápido ali dentro, não vão? Eles têm que ter contratos de longo prazo e rentabilidade nesses contratos. O mercado spot funciona para um usineiro que tem uma planta e produz álcool ou açúcar dependendo da conveniência do preço. Eu acho que usineiro é um bicho que já está em extinção.

Essa visão de longo prazo incorpora elementos de sustentabilidade?

Fujihara – Sim. Um contrato de longo prazo não se sustenta se não tiver esse tipo de coisa. E vão ter que incorporar a mais valia de redução de emissões promovidas em um outro país. Mas, na verdade, o que a gente precisaria fazer aqui era uma operação financeira mais sofisticada. Eu colocaria no meio desse caminho um fundo de equalização de preços, onde o preço do meu etanol está equalizado pela redução de emissões que eu provoquei no país do comprador. O fundo de equalização pode fazer voltar o capital para cá, para não ter trabalho escravo infantil na cana-de-açúcar. Se você tem um contrato de longo prazo aqui e aparece trabalho escravo infantil, ele rompe o contrato.

Se você quer resolver o problema ambiental da cana você parte para a mecanização, que causa desemprego.

Fujihara -É um falso dilema, como aquela história de que a cana vai substituir a cultura de alimentos. Você tem terras agriculturáveis a beça no Brasil. Se você põe uma boa premissa de um bom zoneamento, a cana não vai competir com a indústria de alimentos. E só aumenta a qualidade do emprego, porque o emprego desqualificado do cortador de cana, eu não sei se vale a pena.. Eu prefiro a mecanização.O que está errado é o emprego que existe.

A competição com alimentos não acontece pelo mecanismo de preço?

Fujihara -Temos espaço suficiente para fazer. Tem muita terra degradada na Amazônia, que pode ser ocupada com um monte de coisas.

Como você faz para ocupar a terra degradada e não desmatar mais?

Fujihara -Zoneamento.

Zoneamento com porrete na mão?

Mas é claro! Uma cenoura e um porrete (risos). Tem que ter a força do Estado.

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