Enquanto luta para garantir que a Comissão Especial que aprecia o projeto de lei sobre Gestão de Florestas Públicas termine seu trabalho sem fazer grandes alterações no texto original, o governo corre o risco de tomar um gol por cobertura em outra medida de caráter legislativo considerada importantíssima para combater o desmatamento na Amazônia. Trata-se da Medida Provisória 239, enviada junto com o projeto de lei à Câmara dos Deputados – ambas sob regime de urgência. Foi ela quem permitiu que o governo, na esteira do assassinato da freira Dorothy Stang, no começo do ano, decretasse uma zona de limitação administrativa em 8,3 milhões de hectares de terra na região da BR-163, no Norte do Mato Grosso e Oeste do Pará.
Tecnicamente, a 239 é um meio utilizado pelo governo para tentar repor na lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), aprovada no Congresso em 2001, dispositivo fundamental para a criação de áreas protegidas que estava em seu texto original, mas ficou fora da sua redação final. Permitia ao governo federal decretar uma área como sendo de exclusão administrativa, onde o desmatamento ficava automaticamente proibido. Era uma maneira de estabilizar a situação de uma região sob pressão, impedindo que o desmatamento se acelerasse a partir do momento em que se tornasse pública a intenção de se criar uma Unidade de Conservação dentro dela, inviabilizando a idéia. Foi o que aconteceu na Terra do Meio, no Pará, no ano passado. Bastou o governo anunciar a intenção de criar áreas protegidas por lá para as motosserras começarem a trabalhar dia e noite.
“Sem isso, seria muito difícil mexer na zona da BR-163”, diz João Paulo Capobianco diretor de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. “Um simples anúncio nosso só iria acelerar a ação dos desmatadores”, diz. Daí a decisão de enviar a 239 ao Congresso, escorando o decreto presidencial que proibia o desmatamento. O problema é que ela esbarrou na resistência do relator da Comissão encarregada de apreciá-la, deputado Nicias Ribeiro (PSDB-PA). Resultado, não foi apreciada dentro do prazo e virou uma das MPs que está atravancando a pauta do Congresso. Na melhor das hipóteses, vai acabar sendo relatada a partir do plenário, onde a negociação de seu texto pode virar barganha digna de mercado persa, tornando sua aprovação bem mais duvidosa. “Vai ser um desastre se ela não passar”, diz Capobianco. Tem toda a razão.
Rejeitada a 239, o decreto presidencial que criou a interdição administrativa na área da BR-163 deixa de existir e os efeitos disso serão ruins no curto e no longo prazo. No caso da zona de influência da BR-163, provavelmente dará mais músculo aos desmatadores, que nesse momento, de acordo com Capobianco, paralisaram suas atividades à espera do que vai acontecer. “Derrubada a 239, fica a impressão de que o governo federal está politicamente fraco”, imagina Mauricio Mercadante, diretor de Áreas Protegidas do MMA. “Será um passo atrás”. Talvez mais do que isso. “Sem esse instrumento na mão, num futuro próximo, o governo só vai criar área de preservação com a ajuda da polícia”, diz Capobianco. É tudo que o governo não quer.
O deputado Nicias Ribeiro (foto), segundo relato de gente do governo, se recusa a discutir ou negociar o texto da MP com os técnicos do MMA. Diz que só fala com a ministra Marina Silva. Além disso, acusa a 239 de servir de instrumento para levar a população da área onde foi aplicada à bancarrota econômica, porque suspende toda a atividade produtiva. “Não é verdade”, diz o diretor de Florestas do MMA, Tasso Azevedo. “O decreto proibiu apenas o corte raso, aquele em que toda uma área é desmatada. Quem tem gado não está impedido de trabalhar, assim como quem tem plano de manejo de corte de madeira aprovado”. O Eco, na sexta feira, dia 13 de maio, procurou o deputado. Um assessor seu prometeu tentar agendar uma entrevista. Não deu retorno.
Enquanto a MP 239 vai ficando cada vez mais a perigo, o projeto de lei de Gestão de Florestas Públicas entra na sua reta final. Na terça-feira, dia 17 de maio, a Comissão Especial formada para apreciá-lo vai se reunir informalmente para receber o texto preparado pelo seu relator, deputado Beto Albuquerque (PPS-RS). Na quarta, ela começa os debates finais. Tudo dando certo, até o final do mês ele será votado e enviado ao plenário. Por enquanto, diz Azevedo, os pontos fundamentais para o governo permanecem intactos. Entretanto, surgiu no horizonte uma reação preocupante por parte de alguns deputados na Comissão.
Eles levantaram a tese de que o projeto está cheio de inconstitucionalidades, que vão desde a criação de uma autarquia, o Serviço Florestal Brasileiro, independente do Ibama para gerir e conceder licenças de exploração, até a falta da exigência de relatórios de impacto ambientais nas propostas a serem feitas para a obtenção de concessões de manejo florestal. Diante disso, Albuquerque pediu que juristas fossem ouvidos antes de colocar seu ponto final no relatório. “Abre espaço para mais polêmica e isso nem sempre é bom”, suspira Azevedo. Ele continua dizendo, entretanto, que está otimista quanto à aprovação do projeto no Congresso.
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