Reportagens

Controvérsia amazônica

Em debate exaltado na TV, João Paulo Capobianco e Fernando Gabeira expõem as profundas divergências que separam governo e ambientalistas quanto ao desmatamento.

Ana Antunes ·
26 de maio de 2005 · 20 anos atrás

Após a divulgação dos números do desmatamento, o clima entre governistas e críticos da política ambiental está altamente inflamável. Qualquer encontro, sai faísca. Foi o que aconteceu quando o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) e o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, foram recebidos por Miriam Leitão para uma entrevista no programa Espaço Aberto, do canal a cabo Globonews, que foi ao ar na noite de quarta-feira, 25 de maio. Discordaram em quase tudo, exceto que a devastação tem que diminuir.

Tão logo recebeu a palavra, Gabeira – que em 2003 saiu do PT por causa do desmatamento e agora retirou-se, com o PV, da base do governo pelo mesmo motivo – voltou suas baterias contra o governo, cobrando do presidente Lula e do ministro José Dirceu que assumam a responsabilidade pelo fracasso no combate ao desmatamento na Amazônia. O ministro da Casa Civil é coordenador do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento, conjunto de medidas adotado em 2004 pelo governo, que segundo Gabeira vem se mostrando ineficaz. Para o deputado, os projetos desenvolvidos na Amazônia devem ser conduzidos por alguém mais envolvido com a causa. “Que eu me lembre, o ministro da Casa Civil não esteve nenhuma vez na Amazônia nos últimos dois anos. O Capobianco deve ter esses dados”, provocou Gabeira.

“Não é isso que importa”, retrucou Capobianco. Embora reconhecendo a gravidade dos números e afirmando entender quem critica, o secretário foi enfático na defesa das medidas adotadas pelo Estado, dizendo repetidas vezes que as ações propostas pela União eram “estruturantes”. Ou seja, que o projeto federal atende aos anseios da sociedade e pretende modificar a maneira como as políticas social e econômica são conduzidas em toda a Amazônia Legal. Capobianco alega que os efeitos do Plano ainda não se refletiram nos números do desmatamento, pois eles se referem ao período entre agosto de 2003 e agosto de 2004, e o Plano só começou a ser implantado em março do ano passado. “Estão querendo jogar o Plano no lixo, julgando-o por apenas quatro meses”, queixou-se.

Mediando a troca de farpas, a apresentadora Miriam Leitão perguntou ao deputado se ele realmente queria jogar o Plano no lixo. “De maneira alguma”, respondeu Gabeira, afirmando que só gostaria de vê-lo sair do papel. Ele apontou a escassez de recursos, a pouca fiscalização, a desmobilização do Exército e a não utilização do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) como as principais causas do fracasso na contenção do desmate. E voltou a atacar José Dirceu, comparando-o com o personagem Tio Patinhas, aquele que tem uma piscina cheia de moedas de ouro. Para Gabeira, Dirceu não está nadando em dinheiro, mas nos relatórios dos “59 grupos de trabalho” que chefia, e que portanto não caminham a contento. Para ele, o ministro da Casa Civil tem que ser afastado da coordenação dos trabalhos na Amazônia.

“Você está sendo desonesto intelectualmente”, atacou Capobianco, batendo na mesma tecla: é injusto julgar um plano que ainda está em andamento. Os resultados, segundo ele, poderão ser vistos nos números deste ano. Citou também o Projeto de Lei da Gestão de Florestas Públicas, que está em votação na Câmara dos Deputados, como um exemplo de que Lula está tomando medidas nunca antes adotadas por nenhum governo para enfrentar a questão. “Todos sabem que o desmatamento tem a ver com o crescimento econômico. Pegamos uma taxa de desmatamento que cresceu 27%, com uma economia que crescia 1% ao ano, e diminuímos o ritmo de ampliação do desmatamento para 6%, com uma economia que cresce 5% ao ano”, alegou. Em seguida, ressaltou que no Mato Grosso, estado que mais desmata, o crescimento econômico é ainda maior, o que causa mais pressão sobre a floresta.

Para Gabeira os argumentos do secretário são evasivos, “como é típico do governo”. O deputado defendeu a tomada de empréstimo junto ao Banco Mundial para implementar um projeto que verdadeiramente proteja a floresta. O deputado disse que não precisava atacar as medidas federais pois se elas não tivessem fracassado a discussão não teria alcançado tanta repercussão internacional.

Miriam Leitão encerrou a exaltada discussão reforçando a importância do tema para o Brasil e o mundo. “Já acabamos com a Mata Atlântica. Que possamos olhar para trás e não repetir os mesmos erros. Nosso futuro depende disso”.

Leia também

Podcast
22 de novembro de 2024

Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina

A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar.

Manguezal na maré baixa na Ponta do Tubarão, em Macau (RN). Foto: Alex LN / Creative Commons
Salada Verde
22 de novembro de 2024

Supremo garante a proteção de manguezais no país todo

Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono

Reportagens
22 de novembro de 2024

A Floresta vista da favela

Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.