Reportagens

Poucos, raros e apertados

Numa pequena ilha de Santa Catarina, sobrevivem 40 preás. Eles são os únicos de sua espécie no mundo e começam a ser ameaçados por atividades humanas.

Eunice Venturi ·
3 de junho de 2005 · 19 anos atrás

A 14 quilômetros ou 50 minutos de barco de Florianópolis, três pequenas rochas formam o Arquipélago Moleques do Sul. Olhando de longe, parece que não passa disso: um conjunto de rochas. No entanto, em 1991, o biólogo José Olympio, que na época era estudante da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), descobriu que a maior das ilhas abrigava uma espécie diferente de preá.

Espremidos numa área de pouco mais de 620 metros de comprimento por 200 de largura, os cerca de 40 animais logo foram reconhecidos como uma das espécies mais endêmicas do planeta. Ou seja, sua existência no mundo está restrita àquele pequeno pedaço de chão no mar.

A espécie ganhou o nome de Cavia intermedia. O termo intermedia surgiu da constatação de que os preás da Moleques do Sul têm medidas externas e cranianas intermediárias entre as espécies Cavia magna (encontrada nos estados do Sul) e Cavia aperca (que vive no Nordeste). A coloração distingue-se pela tonalidade amarelada e pela presença de uma mancha de pêlos brancos no pescoço. É um parente próximo do porquinho-da-índia.

A hipótese mais provável para a origem dos intermedia está relacionada ao isolamento da população com o aumento do nível do mar, há cerca de 8 mil anos. A falta de contato com outras populações foi suficiente para que ela se diferenciasse daquelas que ficaram no continente. A ciência chama este processo de especiação.

A moradia dos bichinhos não tem grandes atrativos. Além do solo rochoso, a ilha conta com pequenos arbustos e com uma vegetação herbácea que garante a alimentação do grupo de preás. Eles têm como companhia aves como os atobás, as fragatas e as gaivotas, e uma única espécie de réptil, a Anfis amphisbanea, uma cobra de duas cabeças.

No ano passado, o estudo dos preás entrou em uma nova fase, quando o biólogo Carlos Henrique Salvador iniciou uma tese de mestrado sobre a dinâmica populacional da espécie do Arquipélago Moleques do Sul. Pesquisar os motivos que levam a picos e quedas no número de indivíduos em diferentes épocas é um passo fundamental para criar estratégias de conservação dos preás. Desde o início da pesquisa, Carlos já codificou 130 animais. Entre eles, encontrou três fêmeas grávidas. As preás geralmente estão prontas para reprodução após duas semanas de vida, pois nascem bem desenvolvidas, geralmente com 12 centímetros. O problema é que, assim como numa população de humanos, só uma parcela dos indivíduos tem potencial reprodutivo. E embora os preás tenham sobrevivido por 8 mil anos na ilha, a quantidade limitada de animais torna sua perpetuação um processo frágil. Carlos observou, por exemplo, que atualmente existem mais preás machos do que fêmeas, o que pode ameaçar a sobrevivência da espécie.

Variações ambientais também são um risco. A distância da costa garantiu até hoje a preservação de seu pequeno habitat, mas o ser humano está se aproximando perigosamente. Alguns pescadores deixam animais na ilha, como cabras, para o caso de, num imprevisto, precisarem se abrigar por lá e terem algo para se alimentar. O convívio com essas espécies não-nativas pode acarretar uma epidemia entre os preás. A área está dentro do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, mas falta fiscalização para preservar o ecossistema.

O trabalho de Carlos Henrique conta com o apoio da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. A próxima etapa consiste em ações de educação ambiental com a comunidade do entorno. “Precisamos evitar a estadia de cabras por aqui”, brinca o pesquisador.

Ele conta que, em certa ocasião, lhe perguntaram qual a importância da existência daqueles preás para o homem. Para um biólogo, a pergunta a ser feita é outra: qual é a importância do homem para a existência daqueles preás. A resposta: “A Moleques do Sul não é uma ilha no meio do nada. É uma ilha no meio do oceano onde poucas espécies de animais e plantas conseguem conviver em perfeita harmonia. O homem estará ajudando se não interferir”.

* Eunice Venturi é jornalista e pós-graduanda em educação ambiental em Joinville.

  • Eunice Venturi

    Eunice Venturi é jornalista, catarinense de formação. Experiência na produção de conteúdos sobre a Amazônia e a Mata Atlântica.

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