Meio ambiente, na definição que o jornalista Elio Gaspari deu aos primeiros vagidos da consciência ecológica na imprensa brasileira, era o nome que as pessoas davam ao gramado do vizinho, depois de cimentar o último metro quadrado de seu lado da cerca. Mas isso é história dos anos 70. Agora, na “Cartilha Ambiental” da usina de Barra Grande, é o próprio cimento que se chama área verde.
Veja-se, para o esclarecimento definitivo da opinião pública, o que a Baesa tem a declarar sobre a represa, onde estão prestes a se afogar mais de 4 mil hectares de mata nativa no rio Pelotas, entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina: “A formação do reservatório vai proporcionar uma nova paisagem na região. Um grande lago passará a fazer parte do cotidiano, de modo que o seu adequado aproveitamento vai gerar inúmeras oportunidades de lazer e turismo”.
É de dar água na boca, não é? Se é para isso, terá valido a pena até o relatório fraudado de impacto ambiental que deu origem à barragem no fim dos anos 90. Aliás, até o lago parece disposto a agradar todo mundo, pois ele cresce ou encolhe ao sabor dos argumentos a que a empresa recorre para justificá-lo. Quando se trata de minimizar os estragos na borda dos cânions que pretende inundar, ele fica pequeno, contido no “vale extremamente encaixado e íngreme” dos rios Pelotas e Vacas Gordas, garante o diretor Carlos Alberto Bezerra de Miranda.
Na hora de oferecer novas opções de lazer – “ou seja, passeios, pesca, prática de esportes aquáticos, trilhas ecológicas e roteiros turísticos” – ele extravasa esses limites naturais. Diz a cartilha: “O lago a ser formado pela Usina Hidrelétrica de Barra Grande reúne números significativos. Ele terá 94 quilômetros quadrados de superfície, 100 metros de profundidade média, 118 quilômetros de comprimento e 616 quilômetros de perímetro. A partir da barragem principal, o espelho d’água terá uma largura máxima de mil metros”.
Trata-se, portanto, de uma intervenção humana para a “melhoria do ecossistema local e da bacia hidrográfica”. Depois de cheio, provará que “é possível conjugar desenvolvimento socioeconômico com preservação ambiental”. E ficará ali como testemunha do “interesse da BAESA em preservar as riquezas naturais da região”. Afinal, “a preservação do meio ambiente é mais que uma obrigação para a BAESA. É um princípio”.
Por isso, “todas as atividades realizadas pela empresa contemplam o respeito à natureza. Nada é feito ou desenvolvido sem que a questão ambiental esteja presente, não apenas pela fiscalização de órgãos públicos e da população, mas sobretudo pela consciência de cada um dos colaboradores deste empreendimento. Todos são entusiastas e também fiscalizadores das atividades ambientais. Entendem, percebem e cobram que a obra deve ser construída em harmonia com o meio ambiente”.
Dessa doutrina corporativa não se desvia sequer o corte das florestas de araucárias nas margens do Pelotas e do Vacas Gordas. Pois na verdade se trata, para esses “entusiastas e fiscalizadores das atividades ambientais”, de “uma limpeza da área a ser alagada pelo futuro lago”, o que sem dúvida “contribui muito para melhorar a qualidade da água”. Para tanto, o Projeto Limpeza da Bacia de Acumulação se divide “em três subprojetos”.
O primeiro, “denominado Supressão da Vegetação da Bacia de Acumulação, permite alcançar dois objetivos precípuos: a melhoria da qualidade da água e o deslocamento induzido da fauna antes do enchimento do reservatório, reduzindo a mortalidade dos animais”. Em outras palavras, a derrubada da floresta é quase um favor que a Baesa faz ao meio ambiente, aprimorando-o com retoques de motosserra.
Como se vê, toda a discussão sobre Barra Grande não passa de um lastimável mal-entendido, provocado pelo relatório de impacto ambiental que classificou como capoeira rala e roçados os terrenos condenados pela represa. O EIA/Rima, a rigor, foi até modesto. Minimizou efeitos que, pela Cartilha da Baesa, serão maiores do que se pensa, embora ambientalmente positivos. A região perderá florestas centenárias. Mas ganhará em troca da mão do homem, através de medidas baseadas “na ética e no conhecimento dos profissionais” encarregados de zelar na hidrelétrica pelo meio ambiente, um monumento de concreto à “convivência harmoniosa com a natureza”. Se é assim, pau nas árvores.
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