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Florestas de marca

Petrolífera Repsol YPF faz parceria com a SOS Mata Atlântica para reflorestar mata ciliar. Criado há um ano, o programa já tem 14 empresas “donas” de florestas.

Lorenzo Aldé ·
10 de junho de 2005 · 20 anos atrás

“Não é só para achar petróleo que a gente abre buracos. Para plantar árvores também”. Com este slogan, a empresa petrolífera Repsol YPF acaba de associar sua imagem à preservação da Mata Atlântica. No dia 10 de junho, em almoço no bairro de Santa Teresa, no Rio, assinou contrato de adesão ao Programa Florestas do Futuro, pelo qual patrocinará o plantio de 15 mil árvores nas matas ciliares do Vale do Paraíba. O programa foi criado há menos de um ano, mas a ong que o concebeu, SOS Mata Atlântica, já pode considerá-lo um sucesso. 

A Repsol YPF — fruto da compra da argentina YPF pela espanhola Repsol — junta-se a outras 13 empresas de vários setores que se interessaram em aliar seu nome ao da bem conceituada SOS Mata Atlântica para a nobre finalidade de reflorestar bacias hidrográficas. O Florestas do Futuro já plantou mais de 200 mil árvores nos estados do Paraná e São Paulo, financiadas por empresas grandes como o Bradesco ou pequenas como a Interface Carpetes. A cota mínima é de 15 mil árvores e sai a 150 mil reais. O suficiente, segundo o Programa, para compensar a emissão de poluentes de 680 carros por dez anos. Enquanto os parceiros privados entram com o dinheiro, a SOS Mata Atlântica se responsabiliza pelo mapeamento e escolha das áreas, preparação do terreno, plantio e acompanhamento da nova floresta por até cinco anos, até ela se consolidar.

Coca-Cola, Volkswagen Caminhões, Citizen, revista Isto É, LAO Engenharia e Gênesis Empreendimento já fecharam seus acordos, e aguardam o período de chuvas, em novembro, para poder anunciar as áreas verdes que ganharão sua marca. Até março de 2006, a ong planeja alcançar a marca de 492 mil árvores patrocinadas, às margens de cinco bacias hidrográficas: Paraíba do Sul, Rio das Contas (Bahia), Rio Doce (Minas e Espírito Santo), Tibagi (Paraná) e Tietê (São Paulo).

Apesar de sua experiência de 18 anos em defesa de um ecossistema já quase inteiramente devastado (restam 7%), a SOS Mata Atlântica só começou a investir diretamente em reflorestamento com o Click-Árvore, criado há seis anos. No site, inspirado no americano The Hunger Site, o visitante se cadastra gratuitamente e tem direito a “plantar” uma árvore por dia. Seu clique virtual é transformado numa muda real, doada a um proprietário rural disposto a reconstituir sua área de floresta. O sucesso da iniciativa se mede em números: a página na internet recebe mais de 6 mil visitas diárias, e o Click-Árvore já distribuiu 4,1 milhões de mudas de árvores da Mata Atlântica.

A diferença do Florestas do Futuro, este assumidamente inspirado em um projeto inglês de mesmo nome, é o foco em parcerias empresariais e o compromisso de não apenas doar as mudas, mas plantá-las e acompanhar o crescimento das novas florestas. Na cerimônia de assinatura do contrato com a Repsol YPF, o diretor de Mobilização da SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, mostrou-se empolgado com a crescente conscientização sócio-ambiental das empresas — “Há dez anos, eu era visto por elas como um chato, que ficava em sua porta protestando” —, disse que as parcerias eram ações entre amigos e uniam pessoas “do bem”, mas aproveitou o discurso para vender o seu peixe: investir na causa ambiental é bom negócio. Citou como exemplo o cartão de afinidade Bradesco – SOS Mata Atlântica, que ultrapassou até mesmo os de grandes times de futebol como Flamengo e Corinthians para tornar-se o mais vendido do Brasil, e o “Pé Quente Bradesco”, título de capitalização que patrocina o Click-Árvore e, num mercado concorrido, vendeu 800 mil unidades.

Sobre a nova parceria com a petrolífera espanhola, Mantovani a classificou como “um grande desafio”. Isto porque ela é a primeira destinada a reflorestar uma bacia hidrográfica no estado do Rio de Janeiro. “A SOS Mata Atlântica ainda não conseguiu ter uma ação efetiva no Rio”, explicou ele. “Além disso, o Rio depende apenas do Paraíba do Sul, não há alternativas como em outros estados. Se acabar o Paraíba, acabou a água”, completou. O Paraíba do Sul banha 160 municípios e abastece 5 milhões de pessoas.

O presidente da Repsol YPF no Brasil, João Carlos de Luca (à direita na foto, recebendo de Mário Mantovani uma muda de pau-brasil), diz que a escolha da bacia hidrográfica se deveu justamente à crtítica situação hídrica no estado. A empresa tem sede no Rio e está investindo em expandir sua rede de postos nas regiões Sul e Sudeste.

A área exata do reflorestamento, que atingirá, num primeiro momento, apenas 9 hectares de mata ciliar (mas que, a ong espera, será o primeiro de muitos na região), ainda não foi decidida pela SOS Mata Atlântica. Mais do que fatores geográficos, terá que levar em conta a situação de propriedade de terra e a viabilidade de acordos com o poder público e fazendeiros. Mas as nove espécies nativas da primeira etapa de plantio já foram anunciadas: ipê dourado (Tabebuia chrysotricha), pau pombo (Tapirira guianensis), araçá (Psidium cattleianum), sabão de soldado (Sapindus saponaria), camboatã (Cupania emarginata), palmito (Euterpe edulis), carrapeta (Guarea guidonia), babosa branca (Cordia superba) e urucum (Bixa orellana L.)

A Repsol YPF (pronucia-se “IPF”, para facilitar), há sete anos no Brasil, tem no currículo três projetos ambientais dignos de nota. O primeiro em Regência (ES), onde opera uma plataforma de petróleo e se aliou ao Projeto Tamar para atividades de educação ambiental e limpeza de praias. Outro em Guarulhos (SP), patrocinando o reflorestamento da Serra da Cantareira com 7.120 mudas. No Rio de Janeiro, bancou a implantação de um programa de coleta seletiva de lixo e conscientização dos visitantes no Parque Nacional da Tijuca, entre 2000 e 2004. Por que acabou o trabalho, justo agora que o Parque perdeu também o bem-sucedido convênio com a Prefeitura do Rio, o gerente de Meio Ambiente, Segurança e Qualidade da empresa, Paulo Carvalho, não sabe ao certo. Mas desconfia que foi por “contenção de despesas”.

É ele quem explica que, muito mais que sua própria gerência, foi a recente criação de uma diretoria de “Relações Externas e Institucionais” que fez ressurgir o interesse ambiental da empresa – e a verba para concretizá-lo. O evento de assinatura do contrato com a SOS Mata Atlântica evidenciou que a multinacional aposta muito na parceria para consolidar sua imagem “responsável”. Desde o convite, enviado na forma de uma garrafa plástica com água mineral, até o kit entregue aos convidados — com CD, camiseta, bloco e uma muda de pau-brasil —, tudo indica que a empresa, que vive de petróleo e gás, está disposta a mostrar serviço na compensação ambiental de sua atuação.

E nestes tempos em que o brasileiro não confia mais em ninguém — ongs ambientalistas aí incluídas – o Programa Florestas do Futuro oferece uma garantia de idoneidade. Parte dos recursos arrecadados será usada para pagar uma auditoria externa da Price Waterhouse, que avalizará a transparência dos investimentos.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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