A decisão de explorar petróleo no paraíso ecológico de Yasuní, o recanto mais intocado da amazônia equatoriana, pode levar a Petrobras ao inferno. A imprensa local tem publicado acusações contra a estatal brasileira que vão desde irregularidades no cumprimento da licença ambiental até o pagamento de uma caminhonete de luxo usada pela ministra do Meio Ambiente, Ana Albán, para circular nas ruas de Quito.
Segundo reportagem publicada pelo jornal El Comercio, um dos principais do Equador, a Petrobras pagou 410 mil dólares ao governo equatoriano quando conseguiu a licença para operar no Bloco 31, dentro do Parque Nacional de Yasuní, em agosto de 2004. A verba deveria ter sido destinada a monitorar as ações da empresa na região – que abriga um dos maiores índices de biodiversidade da Amazônia – mas foi utilizada na compra de dois jeeps da marca Toyota que custaram 36 mil dólares cada. Os dois veículos jamais chegaram às trilhas de Yasuní. Um foi parar na garagem da ministra do Meio Ambiente e o outro nas mãos da Subsecretaria de Qualidade Ambiental, pasta que concede as licenças ambientais.
Dois funcionários desse mesmo órgão, e diretamente ligados ao processo de licenciamento, foram agraciados pela empresa brasileira com bolsas de especialização em Gestão Ambiental na Universidade de Quito. Um deles, Patrício Viteri, comandava a diretoria de Prevenção e Controle na época em que o projeto da Petrobras foi avaliado. O El Comercio relata ainda que 100 mil dólares foram gastos pelo Ministério na compra de oito computadores, impressoras, câmaras digitais e sistemas de posicionamento global (GPS). O mesmo jornal diz que a Petrobras Energia Ecuador admitiu o financiamento das bolsas de estudo, mas a assessoria de imprensa da companhia não confirmou a informação a O Eco até o fechamento desta edição.
Para ir de Quito ao Bloco 31 é necessário enfrentar 10 horas de estrada e depois mais seis de barco pelo rio Napo. No fim, o que se encontra é um cais construído pela Petrobras no meio da floresta. Mas por pouco tempo. Em maio, a estatal iniciou a construção de uma polêmica estrada dentro do parque. Cientistas e conservacionistas internacionais escreveram cartas aos presidentes do Equador, do Brasil e da própria Petrobras pedindo a suspensão da obra, mas não conseguiram. A estrada não só começou, avançando 500 metros por dentro da mata, como atropelou a licença ambiental.
A Petrobras usou o rio Tiputini como atalho para transportar equipamentos pesados necessários à construção de uma ponte. Segundo ongs e jornais locais, a empresa não tinha permissão para realizar o transporte e o fez para agilizar as obras, que estariam atrasadas. O ecossistema do Tiputini abriga espécies ameaçadas de extinção como a lontra gigante (Pteronuera brasiliensis) e o boto cor-de-rosa (Inia geoffrensis). “ O rio não pode ser usado como via de transporte porque há muitas espécies de animais que podem morrer”, diz o biólogo Patricio Asimbaya da Fundação Finding Species.
A Petrobras nega que o cronograma da obra esteja atrasado e afirma que o Estudo de Impacto Ambiental permite a operação. Mas o Ministério do Meio Ambiente suspendeu temporariamente a construção da ponte e convocou a petroleira para discutir o assunto. “A atividade está autorizada, mas acatamos a decisão do Ministério até que o incidente se esclareça”, disse Hugo Gianpaoli, diretor da Petrobras no Equador. Outras denúncias referem-se a um vazamento de óleo no rio Napo, mas a assessoria descarta qualquer contaminação. Já a construção da estrada, continua.
Pressionada, a ministra Ana Albán pediu no dia 2 de junho que a Controladoria Geral do Equador realize uma auditoria sobre a licença ambiental concedida à empresa brasileira para a exploração do Bloco 31 durante a gestão do presidente Lúcio Gutierrez, deposto em abril e exilado no Brasil. Ana também pediu uma investigação sobre o uso de recursos pagos pela petroleira para executar o programa de acompanhamento das obras em Yasuní e um inventário dos bens adquiridos pelo Ministério com a verba. Ao mesmo tempo, se esquivou de responder perguntas sobre a procedência de seu jeep.
Até o dia 10 de junho, a Petrobras não tinha recebido nenhuma notificação oficial sobre a auditoria. Quanto à compra dos carros, a assessoria de imprensa afirmou que a companhia já depositou duas das três parcelas da taxa que por lei é obrigada a pagar para explorar o Bloco 31 e que não tem opinião sobre a forma como o dinheiro foi gasto.
Através dos jornais e em reuniões com integrantes dos ministérios de Minas e Energia e Meio Ambiente, as ongs têm exigido do atual governo informações mais claras sobre o processo que autorizou a Petrobras a extrair petróleo no coração da Amazônia equatoriana. Outras companhias internacionais operam dentro do Parque Nacional de Yasuní, mas nenhuma em uma área tão bem preservada. Para os conservacionistas, a Petrobras não precisava construir uma estrada para explorar a região. No dia sete, o coordenador da ong Wildlife Conservation Society (WCS) no Equador, Esteban Suaréz, escreveu uma carta a Ana Albán pedindo para que o governo imponha uma moratória à obra até que se analise as alternativas técnicas ao projeto. Segundo Estebán, um dos argumentos utilizados pela Petrobras para insistir na construção da estrada era que o custo de qualquer outra alternativa não compensaria o investimento. Mas para a WCS, o atual preço do barril de petróleo, que oscila em torno de 54 dólares, inverte a situação.
Uma coalizão de ongs ambientalistas conhecida como Cedenma foi mais longe e pediu ao novo governo uma moratória de seis meses para todas as licenças de exploração de recursos naturais concedidas durante a gestão do ex-presidente Lucio Gutiérrez. O grupo gostaria que, sob o novo governo de Alfredo Palacio, as licenças fossem revistas. Em entrevista no dia 10 de maio ao jornal El Comercio, Hugo Gianpaoli disse que o processo de licenciamento ambiental do Bloco 31 foi transparente e durou um ano e meio.
Em março, o biólogo Patricio Asimbaya, da Fundação Finding Species, foi ameaçado dentro e fora do Ministério do Meio Ambiente ao solicitar uma cópia do estudo sobre alternativas de acesso ao Bloco 31 – entregue em agosto de 2004 pela Petrobras ao governo do Equador. Em uma sala fechada, ouviu do então subsecretário de Qualidade Ambiental, Vinicio Valarezo, e do diretor de Prevenção e Controle, Patrício Viteri, que qualquer pessoa que questionasse as decisões do governo seria investigada pela Inteligência Militar. Dias depois, foi abordado nas ruas de Quito por cinco homens que se identificaram como agentes federais e tentaram empurrá-lo para dentro de um carro sem placa e com vidros escuros. Após se recusar a entrar no veículo, ter um documento rasgado e ser interrogado na calçada, acabou liberado. Mesmo depois da queda de Lucio Gutierrez e toda a sua equipe, Patrício ainda não conseguiu uma cópia do relatório.
As ongs também questionam a escolha da companhia Congeminpa para monitorar as ações da Petrobras em Yasuní. A decisão foi tomada pela equipe do ex-presidente em março. Mesmo mês em que a estatal local Petroecuador suspendeu contratos na área ambiental com a Congenimpa. O gerente da empresa equatoriana, Pablo Acosta, afirmou ao El Comercio que se tratavam de dois acordos diferentes e que a Congenimpa não precisa da autorização da Controladoria para firmar um outro contrato na área ambiental.
Segundo uma fonte diplomática, a publicação de notícias negativas sobre a Petrobras no Equador coincidiu com um convite do atual governo para a companhia brasileira auxiliar na reestruturação da Petroecuador – uma estatal com margem de lucro baixa e “interesses que ninguém consegue mexer”, afirma o diplomata. Na segunda semana de junho, tanto o presidente executivo da Petroecuador, Robert Pizón, quanto o Ministro de Minas e Energia, Fausto Cordovez, renunciaram. Eles foram acusados de corrupção, mas afirmam estarem sendo alvo de pessoas que são contrárias às reformas.
Tantas dúvidas envolvendo o processo de licenciamento do Bloco 31 deram margem para o colunista equatoriano Carlos de la Torre, do jornal Hoy, insinuar que a Petrobras conseguiu a autorização de forma ilícita. Fingindo ser o ex-presidente Lucio Gutierrez, ele escreveu em uma fictícia mistura de espanhol, português e inglês: “Diar amigos, euo soi o mejor amigo do Petrobras…a quiem regalé o parque do Yasuní para que lo destroise…Las petroleras nos iban a regalar una platita para armarnos y declarar la República Amazónica Independiente con harto petróleo y sin regulaciones ecológicas. Pero falló el plan y tuve que llamar a mi amigo o embaisador do república do Brasil que me invitó amablemente a su morada y a suo país… My want to pavimentar amazonía with petrodólares and to put everywhere signos with my beautiful cara and my distinguido name ‘Lucio es el mejor amigo de Bush y de Petrobras”. O Hoy é o terceiro jornal mais lido no Equador.
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