Os planos desenvolvimentistas do governador Zeca do PT para o Mato Grosso do Sul estão enfrentando crescente resistência daqueles que se preocupam com um detalhe que seu partido, no poder federal, já demonstrou não ser prioritário: o meio ambiente.
O embate mais recente envolve a proposta de implantação de usinas de açúcar e álcool na região do entorno do Pantanal. Esse tipo de atividade está proibido por lei estadual desde 1982, quando uma grande mobilização popular no estado conseguiu estabelecer restrições às indústrias em torno da maior planície alagada do planeta.
Mas o governador quer derrubar a lei. E não é de hoje. É a segunda vez em três anos que Zeca do PT tenta a manobra. E novamente, como em 2003, diferentes vozes se uniram na defesa do ecossistema e contra o desenvolvimento a qualquer custo.
Primeiro foram as quinze ongs que compõem o Fórum de Defesa do Pantanal. Elas alardearam o risco ambiental das usinas para as áreas alagadas. Depois foi a Assembléia Legislativa do estado, que no dia 18 de maio criou uma Frente Parlamentar em Defesa do Pantanal – e, obviamente, contra as usinas. O barulho foi tanto que bateu em Brasília, despertando interesse no Congresso, que vai pedir explicações ao governo de Zeca do PT.
Mas as críticas não parecem abalar os planos do governador. “O processo continua”, afirma o secretário de Produção e Turismo do estado, Dagoberto Nogueira Filho. Principal porta-voz do projeto, Dagoberto acredita que a resistência parlamentar só existe porque os deputados estaduais não estão bem informados. “Já passamos da fase de conversa com as ongs, terminamos a fase técnica e agora começaremos a fase política. Acredito que em mais 30 dias resolveremos a questão”, diz.
Não será simples assim. O próprio líder do governo na Assembléia quer distância da proposta de Zeca do PT. “Com a Criação da Frente Parlamentar em Defesa do Pantanal, acredito que esta intenção de mudar a Lei, ressuscitada pelo secretário, nem venha aqui para a Assembléia”, adianta. E se vier? “Vamos fazer de tudo para que o projeto não passe”, encerra.
A insistência na proposta impopular revela o lado ambicioso do governador Zeca do PT, que despertou a atenção em Brasília. Os deputados Fernando Gabeira (PV-RJ) e Geraldo Resende (PPS-MS) já encaminharam dois pedidos de audiência pública na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara convocando o governador para debater a intenção de instalar usinas na região pantaneira. Os deputados querem saber quais os riscos e o impacto ambiental que o projeto envolve.
Na justificativa do pedido de audiência, Gabeira dá o tom: “Queremos federalizar o debate. O Zeca do PT está com planos de industrializar a região. Fazer passar por lá o gasoduto que traz gás da Bolívia, as usinas de álcool, etc. Dada a fragilidade do ecossistema, isso tem que ser discutido em outro ritmo. Queremos fazer pressão para eles perceberem que o Pantanal está sob observação nacional e até internacional”.
O governo estadual alega que a Bacia do Alto Paraguai, área protegida pela legislação, não está no Pantanal propriamente dito. Ela engloba os 30 municípios chamados de peripantaneiros, ou seja, aqueles que estão no planalto, ao redor da planície alagada do Pantanal. As usinas de álcool iriam, na visão de Zeca do PT, gerar um salto na oferta de emprego e renda para quem vive na região.
O argumento não convence os ambientalistas, porque a Bacia do Alto Paraguai regula todo o sistema hídrico do Pantanal. O professor Raimundo Barros, do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), especialista em uso do solo e impacto ambiental, afirma que o despejo de agrotóxicos no planalto acaba repercutindo na planície. “Não há como não atingir o Pantanal. O sistema de drenagem do planalto peripantaneiro converge para o Pantanal, que passa metade do ano alagado”, resumiu.
Entre os riscos ambientais prováveis, está a poluição dos cursos dos rios que abastecem o ecossistema, uma vez que as usinas lançam no solo vários produtos danosos, como a água de lavagem de cana, que é cáustica, detergentes e anticorrosivos usados na manutenção dos equipamentos. Sem falar dos agrotóxicos e da perda da biodiversidade do Cerrado (no planalto) e do Pantanal (na planície) por causa da monocultura da cana-de-açúcar.
“O único possível problema ao Pantanal seria se o vinhoto fosse jogado na água. Mas ele será utilizado como fertilizante nas plantações de cana-de-açúcar”, defende Dagoberto Nogueira Filho, o secretário de Produção e Turismo. O vinhoto é um resíduo altamente tóxico da destilação do álcool. Mesmo usado como fertilizante, é perigoso para a terra e para as águas. Este tipo de aplicação, que aumenta a produtividade e o tempo de vida dos canaviais, contamina os lençóis subterrâneos em regiões de solos muito permeáveis. Exatamente o que o Pantanal é.
Segundo o coordenador do Fórum de Defesa do Pantanal, Astúrio Ferreira dos Santos, o secretário não apresentou nenhum estudo técnico que garanta que tais usinas não prejudicarão o Pantanal, e nem dá indícios de que o fará. A grande reivindicação da sociedade é a realização de um Zoneamento Agroecológico para a Bacia do Alto Paraguai. “Somente com o zoneamento poderemos comprovar que lá não é local para usinas de álcool e açúcar, assim como outros empreendimentos que contribuem com a degradação do Pantanal”, afirma Astúrio.
Se o governador insistir em seu projeto de “desenvolvimento” da região, as organizações da sociedade civil prometem mobilização popular “igual ou maior que a ocorrida em 1982”. Naquele ano, início da abertura democrática, quando o Pantanal foi considerado Patrimônio da Humanidade, nasceu o movimento em favor da proteção legal do ecossistema, justamente contra a pressão de usinas de álcool. Era época de expansão da produção de álcool no país, com o Pró-Álcool, mas os sul-matogrossenses conquistaram, naquela que até hoje consideram a maior manifestação ambiental do estado, a aprovação da lei nº 1.581. E é bom levar a sério as palavras de Astúrio, pois ele foi um dos líderes da histórica campanha.
Os deputados federais Fernando Gabeira e Geraldo Resende querem receber Zeca do PT na Câmara não apenas para falar de suas ações antipáticas às origens do próprio estado. Vão aproveitar a oportunidade para convidar também a ministra Marina Silva e tentar saber, dos dois, os motivos pelos quais o Programa Pantanal foi abandonado.
Ele já foi considerado a mais ousada iniciativa em defesa de um ecossistema brasileiro. Previa o desenvolvimento integrado e sustentável das populações pantaneiras, incentivava o ecoturismo e a criação de unidades de conservação e contava com generoso crédito do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Mas mesmo com 165 milhões de dólares à disposição, o Programa Pantanal secou.
O crédito inicial do BID, que deveria ser executado em oito anos, era de US$ 400 milhões. Mas o governador rebaixou o programa à categoria dos não-prioritários, ou “não-intensivos”, para o Mato Grosso do Sul. Pelo menos 80 municípios, incluindo 65 aldeias indígenas, deixaram de ser beneficiados pelas ações de desenvolvimento sustentável previstas. Entre os planos arquivados para este ano estava a implantação de sistemas de esgoto nos 52 municípios da Bacia do Alto Paraguai, justamente a região onde Zeca do PT quer instalar usinas de açúcar e álcool.
Ao perceber que estava longe de cumprir as metas propostas, a ministra Marina Silva reduziu o valor do contrato para a primeira metade do programa, de US$ 165 milhões para US$ 48 milhões. Mas não foi capaz de aplicar mais de US$ 4 milhões nas ações de proteção ao Pantanal. Agora, que se aproxima o fim do contrato de quatro anos, a ministra sugere o cancelamento total dos investimentos.
Para Fernando Gabeira, o motivo da desistência do crédito é a “completa incompetência na gestão dos recursos e a falta de interesse político de um governo estadual corrupto, que busca um projeto desenvolvimentista predatório”.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, deixar de contar com o dinheiro do BID não é o fim do mundo. “O programa não morreu. Vai continuar com a verba do orçamento”, afirma a assessoria de Marina Silva. Sem explicar como será feita a mágica de desenvolver um Programa que praticamente não andou durante quatro anos, com 97% a menos de recursos.
* Adriana Gomes é jornalista, trabalha no jornal Diário de Cuiabá e colabora com a agência Estação Vida.
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