Reportagens

Purgatório legislativo

Graças às manobras do governo para abafar a CPI do Mensalão com outra CPI, o Projeto de Lei das Florestas Públicas não tem mais prazo para ser votado.

Carolina Mourão ·
30 de junho de 2005 · 20 anos atrás

Para abafar a CPI do Mensalão, o governo resolveu criar outra CPI: a da Compra de Votos, desviando as atenções das denúncias do esquema de mesada.

Mas para aprovar a instalação da nova CPI, era preciso primeiro liberar a pauta de votações do plenário, que previa três projetos sob urgência constitucional e que precisavam ser votados antes de qualquer outra coisa. O Executivo não perdeu tempo. Pediu, nesta quarta-feira, 29, que os três projetos do plenário tivessem a urgência retirada.

Um deles é o Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, que cria mecanismos de exploração econômica em áreas protegidas, especialmente na Amazônia. Sem medir esforços, os deputados abusaram no desrespeito às próprias regras e fuzilaram o regimento interno, enquanto o governo remendava, pela primeira vez na história, o Diário Oficial, de acordo com sua conveniência. É neste cenário que PL 4776/2005 sai de cena sem ter sido aprovado, e cai no esquecimento legislativo.

Tudo começou com o assassinato da freira Dorothy Stang, no Pará, em fevereiro. Os incontroláveis conflitos agrários e o inaceitável índice de desmatamento levaram o governo a soltar um pacote verde no mês seguinte. O pacote incluiu a restrição, por seis meses, de novas atividades que pudessem produzir danos ao meio ambiente nos mais de 8,2 milhões de hectares da área de influência da rodovia BR-163, a criação de cinco novas Unidades de Conservação (UCs) na Amazônia, e o envio, ao Congresso Nacional, do Projeto de Lei sobre Gestão de Florestas Públicas. Em regime de urgência.

O PL cria a possibilidade de exploração econômica de áreas públicas de floresta nativa, tanto por concessão a empresas privadas quanto por populações locais, mas sob o controle do governo. A idéia é ordenar o bangue-bangue fundiário da região, permitindo três tipos de atividades que não afetem o meio ambiente. A primeira, em unidades de conservação que permitam a exploração sustentável. A segunda em áreas para uso comunitário de povos tradicionais, como reservas extrativistas, áreas de remanescentes de quilombos ou de assentamentos rurais. A mais polêmica de todas é a concessão de áreas para exploração por meio de licitação pública para empresas privadas. Seriam R$ 180 milhões de investimentos em recursos diretos, por meio das concessões, e outros R$ 1,9 bilhão em impostos, aplicados em uma área de 13 milhões de hectares – o equivalente a 3% da Amazônia.

Na Câmara, uma Comissão Especial foi criada para debater o aperfeiçoamento da matéria até sua votação, que deveria acontecer em 45 dias. Foram dias polêmicos. Uns queriam resolver o conflito fundiário na Amazônia com o texto do projeto, outros questionavam a eficiência da mega-operação que envolveria todos os setores da sociedade. Dentro do prazo previsto, os deputados da Comissão aprovaram o texto substitutivo do projeto, graças aos esforços do relator, deputado Beto Albuquerque, que demonstrou habilidade e paciência para atender a diferentes interesses, muitas vezes conflitantes, nas modificações do texto.

O relatório final incluiu, por exemplo, a obrigatoriedade de estudo de impacto ambiental para todos os projetos de exploração florestal, incluindo as obras secundárias necessárias, como estradas. O relatório também reduziu de 60 para 40 anos o prazo máximo de concessão e criou um mecanismo de avaliação dos projetos depois de cinco anos. Se não estiverem dentro dos parâmetros determinados, as empresas podem perder a concessão. A exploração também ficou limitada a empresas constituídas no Brasil. Esse foi um dos pontos mais criticados durante os debates. A versão inicial abria a possibilidade de concessão a empresas estrangeiras. O texto final não foi exatamente o sonho perfeito para ninguém, mas ainda assim significava a esperança do governo e de ambientalistas em aprimorar a exploração sustentável da Amazônia.

Depois de aprovado na Comissão, o PL de Gestão de Florestas Públicas entrou eficientemente no dia seguinte para a pauta do plenário, última parada antes de seguir à sanção do presidente Lula e virar lei. Parecia que tudo ia dar certo, quando surgiu o escândalo dos Correios e o do Mensalão.

Deixou de ser votado uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Sua última chance foi na quinta-feira, dia 30, quando voltaria a entrar em regime de urgência, depois que a CPI da Compra de Votos fosse aprovada. Mas os partidos de oposição entraram em obstrução para impedir o prosseguimento dos trabalhos e ganhar tempo, derrubando a sessão extraordinária em que podia ser votada a criação da CPI.

Agora, as florestas vão ter de esperar, por tempo indeterminado, que o projeto seja aprovado. Com o ritmo de desmatamento de uma área equivalente ao estado de Alagoas por ano, a Amazônia pode não resistir até lá.

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