A sombra de um edifício transformou três donas-de-casa em militantes da causa ecológica em Porto Alegre. Quando um prédio de nove andares foi erguido na vizinhança delas, no bairro Petrópolis, espichando seu contorno sobre o telhado das casas e expulsando os raios de sol, a primeira reação foi apenas de resmungos em rodas de chimarrão.
Mas a coisa cresceu. Elas recolheram um abaixo-assinado nas ruas do bairro. Levaram o debate para a igreja, praças, escolas, chegaram à tribuna da Câmara dos Vereadores e finalmente ao Fórum Social Mundial. Acabaram se metendo em todas as discussões do Plano Diretor e Ambiental da capital gaúcha.
Três anos depois do primeiro mate-protesto, o movimento foi batizado de Petrópolis Vive. “Tudo o que queríamos era garantir o conforto em nossas casas, num bairro onde a gente ainda vê papagaio e já vimos até pica-pau”, afirma a radialista Clea Motti. Ela, a artista plástica Maria Ivone dos Santos, e a médica Janete Viccari Barbosa, todas por volta dos 50 anos, formam a liderança do movimento. Que não é ong, porque não tem registro nem diretoria, mas já é referência em Porto Alegre.
Uma de suas atuais reivindicações é a transferência da responsabilidade da manutenção das árvores para os moradores do bairro, para evitar o que Janete chama de “podas radicais” – um tipo de corte de galhos que às vezes chega a atingir um terço das plantas, para dar passagem à rede elétrica. Ela reclama que isso facilita a proliferação de fungos e acaba apodrecendo e matando os troncos.
A turma do Petrópolis não vive apenas de discurso sério. Vira e mexe tem festas politicamente corretas. Pequenos espetáculos musicais, caminhadas culturais para observar a arquitetura, história, plantas e pássaros da rua, passeios guiados por botânicos da universidade federal que vivem no pedaço.
O bairro tem cerca de 35 mil moradores e está a 15 minutos de ônibus do centro da cidade. Tem muitas árvores, bem-te-vis, joões-de-barro, sabiás e outros passarinhos que a maioria das pessoas não sabe identificar. As ruas dão gosto de passear, com casas antigas de quintais floridos. Ali residem muitos professores, artistas e escritores. Entre eles Luis Fernando Verissimo, que já levou sua banda Jazz 6 para um show na calçada. Os músicos tocaram embaixo de uma paineira ameaçada e salvaram a árvore, imediatamente tombada pela Prefeitura.
O Petrópolis Vive anda agora preocupado com a altura dos prédios e com o despejo dos resíduos sólidos de demolições em áreas naturais da cidade. E faz advertências contra o desperdício. “Assistimos muitas vezes à demolição de casas elegantes. As construtoras fazem isso de modo brutal, destruindo esquadrias primorosas e azulejos pintados a mão, usando aquela bolas de ferro para derrubar obras de arte que vão se acumular em lixões”, lamenta Maria Ivone, com seu olhar de artista.
* Cristina Ávila é jornalista em Porto Alegre, especializada em Divulgação Científica pela Universidade de Brasília (UnB). Cobriu meio ambiente para o Correio Braziliense por seis anos.
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