Reportagens

Lições da vida coletiva

Luis Fernando Verissimo pertence a um engajado movimento de vizinhos em Porto Alegre. Seu bairro é exemplo de como moradores podem zelar pela qualidade de vida.

Cristina Ávila ·
1 de julho de 2005 · 20 anos atrás

A sombra de um edifício transformou três donas-de-casa em militantes da causa ecológica em Porto Alegre. Quando um prédio de nove andares foi erguido na vizinhança delas, no bairro Petrópolis, espichando seu contorno sobre o telhado das casas e expulsando os raios de sol, a primeira reação foi apenas de resmungos em rodas de chimarrão.

Mas a coisa cresceu. Elas recolheram um abaixo-assinado nas ruas do bairro. Levaram o debate para a igreja, praças, escolas, chegaram à tribuna da Câmara dos Vereadores e finalmente ao Fórum Social Mundial. Acabaram se metendo em todas as discussões do Plano Diretor e Ambiental da capital gaúcha.

Três anos depois do primeiro mate-protesto, o movimento foi batizado de Petrópolis Vive. “Tudo o que queríamos era garantir o conforto em nossas casas, num bairro onde a gente ainda vê papagaio e já vimos até pica-pau”, afirma a radialista Clea Motti. Ela, a artista plástica Maria Ivone dos Santos, e a médica Janete Viccari Barbosa, todas por volta dos 50 anos, formam a liderança do movimento. Que não é ong, porque não tem registro nem diretoria, mas já é referência em Porto Alegre.

Uma de suas atuais reivindicações é a transferência da responsabilidade da manutenção das árvores para os moradores do bairro, para evitar o que Janete chama de “podas radicais” – um tipo de corte de galhos que às vezes chega a atingir um terço das plantas, para dar passagem à rede elétrica. Ela reclama que isso facilita a proliferação de fungos e acaba apodrecendo e matando os troncos.

A turma do Petrópolis não vive apenas de discurso sério. Vira e mexe tem festas politicamente corretas. Pequenos espetáculos musicais, caminhadas culturais para observar a arquitetura, história, plantas e pássaros da rua, passeios guiados por botânicos da universidade federal que vivem no pedaço.

O bairro tem cerca de 35 mil moradores e está a 15 minutos de ônibus do centro da cidade. Tem muitas árvores, bem-te-vis, joões-de-barro, sabiás e outros passarinhos que a maioria das pessoas não sabe identificar. As ruas dão gosto de passear, com casas antigas de quintais floridos. Ali residem muitos professores, artistas e escritores. Entre eles Luis Fernando Verissimo, que já levou sua banda Jazz 6 para um show na calçada. Os músicos tocaram embaixo de uma paineira ameaçada e salvaram a árvore, imediatamente tombada pela Prefeitura.

O Petrópolis Vive anda agora preocupado com a altura dos prédios e com o despejo dos resíduos sólidos de demolições em áreas naturais da cidade. E faz advertências contra o desperdício. “Assistimos muitas vezes à demolição de casas elegantes. As construtoras fazem isso de modo brutal, destruindo esquadrias primorosas e azulejos pintados a mão, usando aquela bolas de ferro para derrubar obras de arte que vão se acumular em lixões”, lamenta Maria Ivone, com seu olhar de artista.

* Cristina Ávila é jornalista em Porto Alegre, especializada em Divulgação Científica pela Universidade de Brasília (UnB). Cobriu meio ambiente para o Correio Braziliense por seis anos.

Leia também

Notícias
19 de dezembro de 2025

STF derruba Marco Temporal, mas abre nova disputa sobre o futuro das Terras Indígenas

Análise mostra que, apesar da maioria contra a tese, votos introduzem condicionantes que preocupam povos indígenas e especialistas

Análises
19 de dezembro de 2025

Setor madeireiro do Amazonas cresce à sombra do desmatamento ilegal 

Falhas na fiscalização, ausência de governança e brechas abrem caminho para que madeira de desmate entre na cadeia de produção

Reportagens
19 de dezembro de 2025

Um novo sapinho aquece debates para criação de parque nacional

Nomeado com referência ao presidente Lula, o anfíbio é a 45ª espécie de um gênero exclusivo da Mata Atlântica brasileira

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.