Sexta-feira, 5 de agosto, foi dia de muito trabalho nas sedes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ibama em Brasília. Seus dirigentes corriam contra o relógio para resolver os problemas que estão emperrando a indústria madeireira na Amazônia. As medidas que o governo vêm adotando na região desde o início do ano para combater o desmatamento estão tendo um efeito muito além do que era esperado. Elas serviram para reduzir o corte ilegal de árvores. Mas acabaram paralisando também o trabalho das madeireiras legalizadas ou em processo de legalização que operam na região em regime de manejo florestal – nome técnico dado à exploração de madeira de baixo impacto ambiental. “Nossa prioridade agora é encontrar uma solução para reativar manejos florestais no Mato Grosso e no Pará”, dizia Tasso Azevedo, diretor de Florestas do MMA, na quinta-feira à noite.
No fim de semana, o governo colocou os pontos finais num Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que deve ajudar a reativar pelo menos a metade de 270 planos de manejo que foram suspensos no Pará no início do ano. E na segunda-feira, desembarca em Belém com a missão de reconstituir a máquina burocrática do Ibama no estado ninguém menos que Antonio Carlos Hummel, diretor de Florestas do órgão. Há várias razões para atacar o problema com a máxima urgência. As madeireiras que operam em regime de manejo, entre elas as que produzem madeira certificada – com selo do Forest Stewardship Council – são as meninas-propaganda da política ambiental do governo para a região. Paralisadas, ao invés de exemplo de exploração madeireira ambientalmente correta, viraram exemplo de dor de cabeça econômica e social.
“Tomara que eles encontrem uma saída logo”, torce Justiniano Netto, diretor da AIMEX, associação das madeireiras exportadoras do Pará. “A indústria está parada”. Ele estima que 30% da capacidade de produção destas madeireiras para este ano já está definitivamente comprometida e dificilmente elas repetirão a performance que tiveram em 2004, quando exportaram quase 1 bilhão de dólares. Adalberto Veríssimo, pesquisador do Instituto do Meio Ambiente e do Homem na Amazônia (Imazon), diz que a atual situação ameaça 6 mil empregos diretos e 12 mil indiretos na região. A Orsa Florestal, que opera manejos – nome técnico dado à exploração florestal de baixo impacto ambiental – em 445 mil hectares de floresta certificada no Projeto Jari, na fronteira do Amapá com o Pará, já demitiu mais de uma centena de pessoas.
A Cimatal, empresa sediada em Tailândia, no Pará, que já fez três manejos, tem outro aguardando aprovação do Ibama e opera duas serrarias viu-se forçada a seguir o mesmo caminho. Por falta de autorização para extrair madeira, mandou embora 60 empregados. “Vamos demitir breve outras 60”, conta Edson Schmitt, seu proprietário, um catarinense que chegou à região há 13 anos. Na quinta-feira, dia 4 de agosto, a crise do setor madeireiro na Amazônia produziu o que até agora pode ser considerada sua mais reluzente vítima. Num e-mail enviado à Ilana Gorayeb, secretária-executiva Associação dos Produtores Florestais Certificados da Amazônia (PCFA), que acabou circulando até pelas caixas postais de gente do governo, Carlos Guerreiro, presidente da Gethal, empresa que faz manejo certificado no Amazonas, escreveu que está cerrando suas portas. “Sinceramente, estou desistindo da Amazônia. A empresa deverá ser fechada nos próximos dias, e seus 700 funcionários ficarão aguardando outras oportunidades para trabalhar”.
Para as certificadas como a Ghetal, acostumadas a operar sem muitos problemas, o contexto está tão confuso que elas ainda não conseguiram nem se reunir na semana passada, como estava marcado, para discutir um plano de ação comum. “Não deu”, diz Leonardo Sobral, gerente de meio-ambiente de uma delas, a Cikel. “É tanto problema que foi impossível conciliar agendas”. Há várias razões por detrás desse entrave à exploração legal de madeira na Amazônia. “Um dos piores é o FC”, costuma dizer o próprio Hummel. “FC é o Fator Cagaço”, explica um funcionário da direção do MMA. O termo qualifica o estado de espírito do corpo técnico do Ibama depois da passagem da Operação Curupira pelo Mato Grosso em junho passado, da qual nem o próprio Hummel, tido como um dos servidores federais mais probos que já passou por Brasília, escapou.
Ele acabou preso injustamente e foi liberado poucos dias depois. Mas sua experiência está viva na memória dos seus subordinados. Há receio que algum procurador questione procedimentos técnicos adotados no passado. Como todo mundo sabe que as investigações da Curupira estão andando em outros estados da região, há o pavor generalizado de acabar involuntariamente envolvido nelas. O medo, principalmente depois do que aconteceu com Hummel, é até compreensível. Mas isso não serve de consolo para as madeireiras certificadas, ponta de lança da exploração legalizada de madeira na Amazônia. Elas estão sendo soterradas com exigências burocráticas que há muito não viam. “É a onda de proteger sua retaguarda”, diz Netto sobre a novidade. “Pode ajudar a proteger os funcionários, mas o fato é que ela está afogando o setor”.
No e-mail que mandou à Gorayeb, o presidente da Gethal contou que o Ibama de Manaus pediu que fossem reapresentados 45 documentos acerca de sua operação de manejo, aprovada em 1997 para lhe dar seu Plano de Operação Anual (POA), um documento de autorização de trabalho que precisa ser renovado ano a ano. Na prática, isso significa a revisão total de um manejo que está aprovado há 9 anos. Esse tipo de demanda tem também atormentado a Orsa e a Cikel, outra madeireira certificada que opera no Pará. É tudo resultado de uma instabilidade regulatória que, segundo Azevedo poderia estar resolvida se o Projeto de Lei sobre Gestão de Florestas Públicas já tivesse sido aprovado. Os madeireiros concordam. “O projeto ajudaria muito a estabilizar as regras”, diz Schimtt, da Cimatal. E provavelmente ajudaria a organizar e reduzir um acúmulo de trabalho que a estrutura federal na região dá claros sinais de ser incapaz de atender. “Nós temos um problema de máquina. A estrutura do Ibama na região é deficiente”, reconhece Azevedo, do MMA.
Ao impacto da Curupira e à falta de estrutura típica de qualquer órgão de governo no Brasil, contribuiram para enferrujar a máquina da burocracia federal as greves de funcionários que atingiram o Ibama na região. Azevedo diz que o governo está trabalhando em regime de urgência, deslocando funcionários do órgão de outras regiões para tentar sanar o problema, que afeta não apenas as madeireiras certificadas mas, como lembra Netto, da Aimex, também empresas madeireiras menores, legalizadas ou em vias de legalização. Azevedo, garante que já foi feita a análise preliminar dos planos de manejo suspensos no final do ano por causa de irregularidades na sua operação ou problemas com a titulação de suas terras.
No caso de Mato Grosso, por exemplo, onde 500 deles estão paralisados, cerca de 200 mostram condições de serem liberados. Pelo menos uma centena de outros poderão ser reativados no Pará. Sua esperança é que já na segunda semana de agosto as coisas começassem a entrar no eixos. “Eu espero que tudo dê certo”, diz um pequeno produtor na região de Tucuruí, no Pará, que pede para não se identificar por medo de retaliação de funcionários federais. Está otimista, embora reconheça que as recentes experiências das madeireiras certificadas o deixem com um pé atrás. A questão da obtenção do POA as têm atormentado diariamente nos últimos meses. Uma delas, a Juruá, até obteve o documento para uma de suas áreas de manejo no Pará. Mas é uma exceção.
A Orsa Florestal, desesperada para voltar a trabalhar, conseguiu seu Plano de Operação Anual para 2005 com um mandado judicial que a Justiça paraense considerou procedente na semana passada. A Cikel, que deveria ter dois POAs renovados na primeira semana de agosto, ainda está a ver navios. Essa instabilidade regulatória e os obstáculos impostos pela burocracia fazem com que madeireiros como Schmitt, da Cimatal, que têm operações de manejo mas sem o selo verde da Forest Stewardship Council, retardem seus pedidos de certificação. “O custo de certificar as áreas é alto. Nesse ambiente de incertezas, é melhor aguardar para ver como é que a coisa fica antes de se comprometer com futuros desembolsos”, diz ele. “Eu nunca vi uma situação dessas por aqui. Faço tudo dentro da lei. Me sinto tratado como bandido”.
A burocracia, entretanto, não é a única coisa que atormenta os madeireiros legais ou em fase de legalização na Amazônia, em especial no Pará. Um outro problema que eles vêm enfrentando é a invasão de áreas de manejo. O problema é mais visível entre as madeireiras certificadas. “Todas estão com o mesmo problema aqui no Pará”, diz Netto. “Esse é um drama da qual nenhuma delas – a Cikel, a Amil, a Lisboa e a Orsa – escapa”, concorda Azevedo. Uma, na verdade, a Juruá, ainda não teve suas áreas de manejo invadidas. “Mas elas estão sob ameaça de invasão”, diz Netto. A questão não atrapalha apenas a vida das certificadas. “Aqui também está acontecendo invasão de planos de manejo”, conta o empresário madeireiro de Tucuruí que pediu o anonimato ao falar com O Eco. “Com intensidade que nunca vi”.
A suspeita geral é que boa parte dessas ocupações está sendo levada à cabo por madeireiros ilegais na região – que desde o início do ano estão sob forte pressão do governo federal. Como se não bastassem as incertezas jurídicas e regulatórias e as invasões, os madeireiros legalizados ou em vias de legalização ainda enfrentam este ano um sério problema. O corte da madeira não está sendo o negócio da China que foi até o ano passado. “O preço de alguns produtos caiu, nossa competividade nas exportações, por conta do câmbio, está reduzida e mesmo o mercado interno desaqueceu”, conta Netto, da Aimex. “Sei de serrarias que estão trabalhando, já fizeram estoques para 15 dias, mas não encontram comprador”.
O caso da Gethal ilustra bem toda esta situação. Exportadora de compensados, ela se viu este ano diante da concorrência de similares chineses, o que a deixou sem muita folga de caixa. As demandas burocráticas impostas pelos órgãos de governo e a morosidade em processar o atendimento funcionaram como o tiro de misericórdia nas suas operações. “É uma pena, porque uma das grandes motivações me que fizeram mudar para Amazônia e dedicar os últimos 10 anos de minha vida profissional a esta causa, foi realmente acreditar que estávamos escrevendo uma nova história para a região. Acho que me perdi no meio de tudo isso e sinto-me frustado de não poder responder aos investidores, que também acreditaram que seria possível produzir de forma honesta e responsável na Amazônia. Acho que todos nós estávamos um pouco à frente da realidade dos fatos e das instituições que controlam esta situação. Desculpe o desabafo, mas acho que para a Gethal a aventura terminou”, escreveu Guerreiro.
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