Reportagens

Solução emergencial

Acordo quer liberar a produção de madeira em áreas públicas no Pará, sob regime de concessão. Para o Ministério Público, é o único jeito de evitar um colapso.

Lorenzo Aldé ·
9 de agosto de 2005 · 19 anos atrás

A crise da produção madeireira no Pará chegou a tal ponto que o Ministério Público Federal decidiu apoiar uma medida radical: vai liberar a exploração de terras públicas. Ainda que cheio de ressalvas e condicionantes, é isso o que estabelece o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) elaborado pelos órgãos públicos ambientais e pelo Incra, e prestes a receber o aval dos procuradores federais.

A proposta será apresentada aos madeireiros nesta terça-feira, dia 9, em reunião na sede do Ministério Público em Belém.

A primeira ressalva é de que se trata de uma solução emergencial e provisória. O TAC autoriza a extração de madeira de terras reconhecidamente públicas, para evitar que cidades inteiras percam sua única fonte de renda, principalmente na região de Novo Progresso, ao sul do estado. Isso porque “é difícil imaginar uma grande área de terra no Pará onde não se tem discussão sobre propriedade”, nas palavras do procurador Ubiratan Cazetta. Ou seja, a grilagem é regra, e não exceção. O aperto da fiscalização do Ibama a partir da Operação Curupira, em junho, pôs em xeque a maioria dos planos de manejo que possibilitavam a produção madeireira.

Segundo o procurador, não se resolve um problema fundiário dessa proporção da noite para o dia. “Não dá para fechar os olhos para a situação. Há uma realidade de exploração conhecida, uma estrutura social em torno disso, parte do PIB do estado depende dela”, argumenta. A autorização para desmatamento em áreas públicas servirá como um período de transição, “para não jogar todo mundo na ilegalidade”, até que seja implementada a nova lei que cria o regime de concessão para a exploração de florestas públicas. Na verdade, o TAC se adianta à lei (que ainda tem que ser votada no Senado) e inaugura a concessão dessas áreas: os madeireiros terão que pagar pelo uso da terra e reconhecer que não têm direito à titularidade da terra.

A medida não vale para áreas ocupadas recentemente, apenas para planos de manejo aprovados até novembro de 1994. Não são poucos: há cerca de 300 projetos de extração de madeira nessas condições. Eles vão ser revistos e os madeireiros terão que se comprometer a realizar uma extração sustentável.

Ubiratan reconhece que a liberação das terras públicas “não tem base legal expressa”, mas define o atual momento como “não ortodoxo” para justificar a cartada. E insiste no ponto de que proclamar a ilegalidade ampla, geral e irrestrita só serviria para “alimentar a corrupção e a extração irracional, por falta de fiscalização suficiente”.

Só não se sabe como a mesma escassa fiscalização vai conseguir verificar a aplicação correta de 300 planos de manejo – ou concessão – pretensamente sustentáveis.

Os madeireiros certificados, cujos planos de manejo têm aprovação internacional, que o digam. Em reunião com Antonio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama, nesta segunda-feira, dia 8, em Belém, eles despejaram sua insatisfação com a desorganização e falta de estrutura do órgão. Justiniano Netto, diretor da Aimex, associação das madeireiras exportadoras do Pará, conta que durante a reunião técnicos do Ibama chegaram a telefonar para o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Flávio Montiel, para pedir a liberação de 20 mil reais, sem os quais o órgão não teria condições de coibir uma das muitas invasões de “sem-tora” em áreas certificadas. No caso, uma fazenda da madeireira Cikel. “Quando um órgão chega a esse ponto, fazer o quê?”, pergunta Netto.

Como resultado da reunião, foi criada uma “Sala de Situação”, que reunirá a cada dois dias os madeireiros certificados e os órgãos ambientais, para acompanhar a liberação de seus planos de manejos, kafkianamente emperrados no Ibama. Hummel prometeu dar resposta até quarta-feira sobre a situação de 50 planos de manejo que teoricamente já deveriam ter sido liberados faz tempo. Dá para acreditar na eficácia desta Sala de Situação? “Pelo menos vai servir para a gente ir trabalhando no varejo, com um mínimo de comando, para o funcionário do Ibama não fazer cera”, espera Justiniano Netto.

Na reunião de terça-feira, em que o Ministério Público Federal apresentará o TAC para madeireiros não-certificados, as empresas certificadas também estarão presentes. “Vamos reclamar da condição de funcionamento do Ibama. O Ministério Público tem o dever de zelar pela eficiência dos órgãos públicos. O Ibama está parecendo o SUS. Não tem condição de empresas sérias trabalharem dessa forma”, queixa-se o diretor da Aimex.

O procurador Ubiratan concorda que a administração ambiental vive um momento muito difícil. “São anos de corrupção e fiscalização ineficiente. A Operação Curupira deu uma retraída no setor. Todos estão com medo, os que são honestos e os que não”. Para ele, as madeireiras certificadas estão pagando pela ilegalidade dos outros. “O mercado todo foi jogado num mesmo saco e isso dificulta”, opina.

Tudo culpa da indefinição fundiária. “Atuo há nove anos do Pará, e há nove anos não saímos da mesma questão. Todas as discussões, ambientais ou não, esbarram na grilagem”, lembra. Ele acha que a coisa agora está mudando, e cita o Plano Pará, pelo qual o Incra, em parceria com o Instituto Militar de Engenharia (IME), vai fazer um levantamento completo da situação das terras no Pará, a partir de setembro.

O TAC que institui a concessão florestal, ele quer assinar no máximo no início da semana que vem.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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