É proibido por lei existir uma vila dentro de um parque nacional, mas removê-la exige uma força política que nem sempre o Ibama é capaz de exercer. No caso da vila de Taperebá, localizada dentro do Parque Nacional do Cabo Orange, no Amapá, o Ibama deixou o problema nas mãos de quem mais manda por ali: a natureza.
Taperebá surgiu às margens do rio Cassiporé por volta da década de 1930 em conseqüência do desaparecimento de uma outra vila, a de Genipapo, que ficava mais próxima à foz. O sobe-desce da maré amoleceu as palafitas das casas e destruiu os poços de água potável que existiam no entorno. “Eu cheguei aqui em 1947, quando não tinha muita gente. As pessoas começaram a vir pela dificuldade de achar água”, conta José Mendonça, de 77 anos e o morador mais antigo do vilarejo. Mas até hoje, quando se pergunta às pessoas o que é mais complicado em viver a 18 horas de barco da cidade mais próxima, que é Oiapoque, a resposta é sempre a mesma: a escassez de água.
Taperebá fica a 20 km do lago Maruani – um oásis de água doce cercado de igarapés e que é tratado pela população como uma fonte inesgotável. A maioria procura o local na época da estiagem, que vai de agosto a novembro. No resto do ano, considerado inverno por causa da chuva, enchem-se as caixas d´água e tudo mais que puder servir para estocar o precioso líquido. Em muitas casas há calhas improvisadas (foto) e no mínimo uma caixa de 1500 litros. Afinal, como conta Sandra Maciel, moradora da vila há 21 anos, a água do rio é tão barrenta que não serve nem para lavar roupa. “Até para isso o pessoal pega água no lago”, diz.
Mas para se chegar no lago Maruani é necessário navegar por igarapés, o que só é possível quando a maré está cheia. Principalmente na época da seca. É uma das imposições da natureza. “Aqui até o futebol depende da maré”, revela Zacarias, marido de Sandra e atual vigia da sede do Ibama na vila. Enquanto ele dizia isso, um grupo de homens cruzava o rio para jogar bola na margem oposta. “Quando a maré seca, tem uma parte onde a terra fica mais seca e dá para correr. O resto é pura lama”, descreve. Segundo Zacarias, há um campinho de futebol no fim da vila, mas fica alagado pelo menos 8 meses do ano. Nesse período, por exemplo, a meninada joga bola numa casa abandonada pelo Ibama.
Todas as casas e estabelecimentos de Taperebá são interligados por pontes de madeira porque só é possível se pisar na terra sem afundar o pé em lama durante quatro meses do ano. As casas também são recuadas, já que o rio avança cada vez mais sobre os barrancos que tiveram a vegetação arrancada pelo homem. “Nós tentamos explicar para a população a importância de se preservar a mata ciliar, só as plantas nativas são capazes de segurar o solo argiloso e impedir que o rio invada as casas”, diz Marcos Cunha, diretor do Parque Nacional do Cabo Orange. O principal motivo para a remoção das plantas é a agricultura porque a terra mais firme está perto da beira do rio. Para dentro da mata os campos são alagados. “Os buritizeiros e açaizeiros que se vêm no interior da floresta são um sinal de terra muito fofa”, explica Zacarias, que não perde uma chance de ir catar açaí, uma das frutas mais populares em Taperebá.
Onde a maré permite algum tipo de cultivo se planta principalmente melancia e banana e a melhor época é sempre a da estiagem. A melancia, por exemplo, que tem fama de ser doce e graúda, é plantada em agosto e colhida em outubro. Mas como se não bastasse depender da chuva e da maré para roçar, os moradores ainda têm que dividir a safra com os animais selvagens. “Aqui tudo que se planta dá, mas tem bicho. O açaí é disputado com as araras e os papagaios, já a banana com os macacos”, conta Dorval, dono do único mercadinho da vila. A família de Dorval também é dona da maior manada de búfalos da região. São menos de 100 cabeças e quando os animais estão prontos para o corte o jeito é colocá-los vivos em um barco e levá-los até Oiapoque. Na volta ele retorna carregado de encomendas de moradores.
Atualmente Taperebá abriga apenas 12 famílias. Já abrigou bem mais, quando em seus tempos áureos a principal atividade econômica era a comercialização de couro de jacaré. “Já cacei muito jacaré nesses igarapés”, revela José Mendonça. “O pessoal percebeu que dava dinheiro e começou a trazer as famílias”, conta. Segundo José, a paisagem em volta de Taperebá não mudou muito nos últimos 50 anos,mas a quantidade de peixe diminuiu. “Antigamente via-se tubarão passeando aqui na frente. A fartura de peixe era de espantar, nada que se compare a hoje”, recorda. Dorval tem a mesma lembrança. “Quando eu era criança, bastava jogar o anzol que se pegava um filhote. Agora leva quase 3 horas”, comenta.
A pesca é a principal atividade econômica de Taperebá, mas a maioria dos barcos que circula no rio Cassiporé pertence a pescadores de fora que vem atrás de água potável, abrigo e cachaça. A bebida é a causadora da maioria das brigas na vila, que não tem polícia e nem posto de saúde. Tudo que se tem é uma enfermaria que fica ao lado da escola e perto de uma igreja evangélica.
“Quando o Ibama não está aqui, esses forasteiros invadem a foz. Basta os fiscais passarem um tempo na vila para eles sumirem e os peixes reaparecerem”, conta José. O Ibama tem em Taperebá uma sede com sala, cozinha e três quartos. Segundo Marcos Cunha, o que falta para se ter um fiscal sempre presente é internet, o que deve chegar ainda este ano. Energia elétrica já existe, funciona a base de geradores a diesel. Há também placas de energia solar na escola e no Ibama, mas só a última funciona. “É importante a gente se estabelecer em Taperebá porque a convivência com a população permitirá ter um melhor conhecimento dos problemas da região e facilitará o diálogo com os moradores”, diz Marcos. Um dos primeiros assuntos na agenda é o lixo. A maioria diz que queima, mas o que se vê são latas, garrafas e até pilhas jogadas na lama. Os porcos dão fim ao resto.
Taperebá é a única comunidade que se encontra no meio do Parque Nacional do Cabo Orange. Por lei, ela tem que ser removida porque parque só pode servir de moradia para vida selvagem. Caso o plano de manejo do parque aponte a área como propícia para receber turistas, a estrutura e o pessoal da vila poderão ser aproveitados para recebê-los.Mas todos terão que morar fora de lá. O plano de manejo fica pronto em 2006, mas até lá Taperebá pode ter encontrado uma solução própria: “A vila vive um processo de autodestruição. Tem cada vez menos gente disposto a viver nessas condições”, diz Marcos Cunha, que conta com a pressão natural para expulsar quem ainda insiste em chamar o mangue amazônico de casa.
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Eu nasci as margens do Rio Cassipore, numa fazenda denominada JUTAI