A rota aérea Belém-Brasília vai estar movimentada esta semana. Da capital federal, partem funcionários das diretorias de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) comandados pessoalmente pelos seus respectivos chefes, Antonio Carlos Hummel e Tasso Azevedo. Seu destino final será Santarém, onde irão ajudar a gerência regional do Ibama a definir o futuro de mais de três centenas de planos de manejo florestal no Oeste do Pará que foram suspensos, a maioria por problemas fundiários, entre agosto de 2003 e janeiro deste ano. As perspectivas não são muito alvissareiras. Azevedo estima que no máximo 30% deles poderão voltar a funcionar. Hummel chega já na segunda-feira a Santarém. Azevedo aparece por lá na terça.
De Belém, em direção à Brasília, viaja também na segunda-feira o procurador federal Ubiratan Gazeta. Vai colher as assinaturas de representantes do MMA, Ibama, Incra e da 4ª Câmara do Ministério Público Federal – sob cuja jurisdição recaem as questões ambientais – no Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que estabelece as regras às quais os planos de manejo suspensos terão que se adequar para retomar, o mais breve possível, suas operações. A corrida para colocar tanto jamegão da burocracia federal no documento tem uma explicação. Nesses tempos de operação Curupira na Amazônia e CPIs em Brasília, ninguém envolvido no processo quer deixar a retaguarda legal desprotegida.
“Os procuradores não querem que os órgãos federais, no futuro, lavem as mãos em relação à liberação desses planos e ao TAC”, diz um madeireiro que participou de reunião, na terça-feira passada, na sede do Ministério Público Federal em Belém. “O aval da 4ª Câmara é importante porque compromete o corpo dos procuradores com o que está sendo acordado”, explica Azevedo. Além desse TAC que tanto preocupa os funcionários federais, os madeireiros que quiserem colocar seus manejos florestais para funcionar novamente serão obrigados a assinar, individualmente, um segundo documento com o Incra.
Em linhas gerais, esse papel dita que em troca da autorização para voltar a cortar árvores, o madeireiro se compromete a não reclamar a posse da terra onde trabalha ao fim do seu período de manejo, que terá prazo de no máximo 2 anos. Não se tem idéia de quantas empresas terão coragem de colocar sua assinatura nesse documento. “Tem gente que está nesses locais há 20, 30 anos”, diz Justiniano Neto, diretor da Associação da Indústria Madeireira de Exportação do Pará (Aimex). “Essa vai ser uma escolha individual”, diz Azevedo.
Tanta movimentação oficial em tão curto espaço de tempo tem uma justificativa. A indústria da madeira no Pará, que no ano passado exportou 1 bilhão de dólares, enfrenta crise sem precedentes. A gradual suspensão dos planos de manejo no Oeste do Pará, o arrocho que o governo impôs ao corte de floresta depois da morte da freira Dorothy Stang, em fevereiro, e a paralisia, provocada pelo medo de ser ver envolvido numa investigação sobre corrupção, que tomou conta dos funcionários federais, prejudicou os madeireiros ilegais. Mas fez também praticamente secar todas as fontes de madeira legalizada para alimentar as serrarias da região. Os ilegais trabalham, mas não têm acesso à documentos oficiais, cuja emissão foi praticamente toda suspensa, que “esquentem” a sua produção. Os legais simplesmente não conseguem obter a documentação que os permita trabalhar.
Na cidade de Castelo dos Sonhos, onde até o ano passado 39 serrarias garantiam emprego para muita gente, apenas 2 estão em operação este ano. Dentro do atual contexto, são consideradas uma espécie de milagre com prazo de validade. Se a situação não virar, breve deverão também fechar. Dificilmente, entretanto, toda essa movimentação oficial aos 45 minutos do 2º tempo – o período de corte na Amazônia deveria ter começado em junho – produzirá resultados bombásticos. Pelo menos no que diz respeito ao volume de corte de madeira legalizada para alimentar as serrarias do Pará.
Um reexame com régua e compasso dos planos de manejo suspensos a partir de agosto de 2003 feito por funcionários federais indica que poucos serão os que terão condições de se adequar as demandas que constam do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e do documento que os madeireiros teriam que assinar individualmente com o Incra. “No máximo 25, 30% deles se enquadram nas novas regras”, diz Azevedo. Alguns dos planos são manejo apenas no papel. A maioria tem problemas fundiários. Muitos encontram-se dentro de Unidades de Conservação, Terras Indígenas ou assentamentos do Incra. Neles, a legislação proíbe o corte de árvores.
Boa parte dos planos de manejo não tem como georeferenciar por satélite as suas áreas de operação, uma demanda feita por portaria do Incra emitida em dezembro de 2004. A demanda foi mantida no TAC que será oferecido aos madeireiros a partir desta semana e ela exclui muita gente. Não necessariamente porque elas estejam em situação de ilegalidade, mas porque as empresas não têm condições técnicas para demarcar seus terrenos de operação com a tecnologia. A maioria não tem marcos que possam ser usados como referência.
“A exigência foi feita sem que se desse tempo aos madeireiros de se adequarem tecnicamente a ela”, reclama Neto, da Aimex. “Nós gastamos 20 mil reais para instalar um marco na região de Itaituba. Mas faltam recursos e tempo hábil para implantá-los em tão curto prazo pela região”. Nesse contexto, as perspectivas não são nada boas para a indústria madeireira do Pará, coisa que pode ser boa notícia para a saúde da floresta no curto prazo, mas que não ajuda a disciplinar de uma vez por todas o corte de árvores na região.
“Essa situação vai se reproduzir no ano que vem”, diz Azevedo, para quem a solução seria a aprovação, pelo Congresso, do novo marco legal para a indústria madeireira contido no Projeto de Lei sobre gestão de Florestas Públicas. Ele estabelece um regime de exploração da floresta em regime de concessão que separa o corte de árvores da posse da terra. Passou pela Câmara dos Deputados, mas não andou um milímetro ainda no Senado. Em parte porque seu texto é polêmico, mas principalmente porque, atordoado com as denúncias de corrupção, o governo tem poucas condições de impor a sua agenda legislativa ao Congresso.
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