No dia 29 de agosto, uma faixa com 120 metros de comprimento pendurada no prédio da Prefeitura do Rio de Janeiro, no centro da cidade, estampou uma mensagem enigmática, com sotaque carioca: “Rio, Demorô. A Amazônia tem pressa!”. O recado era assinado pelo Greenpeace, que pede agilidade na assinatura de um termo de compromisso que garanta a utilização de madeira certificada nas obras municipais. Exatas duas semanas depois, um decreto assinado pelo prefeito César Maia levou a ong a comemorar a adesão da cidade ao Programa Cidade Amiga da Amazônia.
A negociação com o Rio, que se arrasta há meses, é mais um passo do programa que desde 2003 já conquistou a parceria de capitais com São Paulo, Porto Alegre e Manaus para a criação de leis locais de fiscalização da origem da madeira usada em obras públicas.
O programa é dividido em duas etapas. A primeira é a assinatura de um termo de compromisso no qual o governo municipal reconhece que a utilização de madeira ilegal em obras públicas é um problema e se compromete a tomar medidas para resolvê-lo. Na segunda etapa a prefeitura deve formar um grupo de trabalho para discutir a criação de uma legislação específica para a compra de madeira certificada para obras públicas. A maioria das cidades que participam da campanha estão neste ponto dos trabalhos. Mas a cidade só ganha o título de “Amiga da Amazônia” depois que a legislação for aprovada. Até agora apenas quatro cidades paulistas receberam o título: Botucatu, Conchas, Piracicaba e São Miguel.
No Rio de Janeiro, a tentativa de parceria transformou-se em um grande jogo de empurra. O Gabinete da Prefeitura deixou a decisão com a Secretaria de Meio Ambiente (SMAC), que disse ter aprovado os termos do contrato e o repassado à Procuradoria Geral do Município. Esta afirmou ter dado parecer positivo, e encaminhado o processo de volta à SMAC. Cobrada novamente, a Secretaria saiu-se com versão diferente: disse que a proposta estava no Gabinete da Prefeitura.
Finalmente, no dia 8 de setembro, o prefeito publicou decreto determinando que as licitações dos órgãos municipais devem seguir “os preceitos estabelecidos na legislação federal” para o uso de madeira e outros produtos de origem vegetal. Ou seja, apenas reafirmou a ordem vigente, sem se comprometer com o Greenpeace nem com a elaboração de novas políticas.
Mesmo sem a assinatura de um documento formal, a ong considerou o decreto uma sinalização de que a Prefeitura acordou para o problema e pretende, finalmente, fazer a parceria andar. Rebeca Lerer, coordenadora da campanha, diz que em conversa telefônica e e-mails trocados com a SMAC na sexta-feira, dia 8, recebeu da Prefeitura a garantia de que a adesão ao Programa, agora, vai sair. “O próximo passo é a assinatura do termo de compromisso e criação de um grupo de trabalho para definir as regras de controle do material usado em obras públicas”, explica.
A nova posição da Prefeitura representa uma reviravolta nos sinais de desdém que vinha emitindo sobre a proposta até a semana passada. “O prefeito assinou a autorização para o início das negociações em janeiro, mas desde abril nós escutamos que o convênio está sendo analisado pela Procuradoria do município”, queixava-se Rebeca, dias antes da asssinatura do decreto.
A demora no desenrolar do caso deixou os ambientalistas impacientes e eles resolveram intensificar a pressão a partir de julho, com e-mails para o prefeito e ações como os busdoors, culminando com a faixa pendurada na sede da administração municipal. A prefeitura não parecia estar com pressa. Semana passada, Marcos Miranda, assessor de imprensa da Prefeitura, chegou a classificar como “bobagem” a campanha e o próprio César Maia afirmou que o governo municipal já usa apenas madeira certificada em suas obras.
O fato é que a iniciativa do Greenpeace deixa mesmo esta dúvida no ar: para quê exigir das prefeituras o que já está definido por lei? Segundo Rebeca Lerer, a criação de uma legislação específica para o uso de madeira legal em obras públicas demonstra o interesse local em preservar a Amazônia e ajuda a conscientizar a população. Além disso, uniformiza o processo de licenciamento ambiental das obras. Sem o compromisso do poder público, fica a cargo da empresas que fazem a obra zelar pela legalidade da madeira, o que nem sempre acontece.
Tanto que a investida do Greenpeace junto à prefeitura do Rio começou com uma denúncia de utilização de madeira ilegal na reforma dos deques da Lagoa Rodrigo de Freitas, em julho de 2004. A madeira nobre, maçaranduba vinda do sul do Pará, tinha Autorização para o Transporte de Produtos Florestais (ATPF), mas o documento estava vencido e a madeireira em situação totalmente irregular.
Por isso um dos critérios do programa é: não basta ter ATPF, tem que ter Plano de Manejo Sustentável. As leis criadas pelos municípios podem ajudar a monitorar todo o caminho da madeira, tornando mais difíceis fraudes como aquela. Segundo Rebeca Lerer, a utilização de madeira “esquentada” com documentos falsos é tão grande que, se de um dia para outro o Rio de Janeiro, São Paulo Belo Horizonte e Curitiba criassem leis rígidas exigindo madeira certificada, provavelmente não haveria mercado legal para suprir a demanda. “A última coisa que se quer é embargar uma licitação pública por falta de oferta de madeira”, ressalva Rebeca. Por isso, a campanha propõe uma “fase de transição” para as prefeituras e o mercado se adaptarem.
Mas para isso o poder público precisa ao menos ser receptivo à idéia. Será que agora vai?
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