Depois de anos de estudo e meses de promessas adiadas, pressões políticas e confrontos judiciais, finalmente o Ministério do Meio Ambiente (MMA) anunciou, no dia 20 de outubro, a criação de duas áreas de preservação da floresta de araucárias. O Parque Nacional das Araucárias e a Estação Ecológica da Mata Preta, em Santa Catarina, somam 19.404 hectares e vão proteger um dos ecossistemas mais ameaçados do país.
A área é menor do que se esperava. O Parque Nacional diminuiu de 15 mil hectares para menos de 13 mil, e a Estação Ecológica perdeu mais de mil dos 7.958 hectares traçados no projeto original. O que não é problema para os ambientalistas que participaram de todo o processo. “As áreas perdidas não comprometem a proposta de conservação. Em alguns pontos foram feitos apenas ajustes técnicos. Em outros, fizemos acordos para criar RPPNs nos limites das áreas protegidas”, explica João de Deus Medeiros, da Federação de Entidades Ecológicas Catarinenses (FEEC). Ele se refere a duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural que fazendeiros prometeram instituir em suas propriedades. Nas RPPNs, poderão explorar o turismo, mas serão obrigados a preservar a floresta.
Agora, fica faltando a criação de seis das oito unidades de conservação prometidas pelo governo para preservar as matas de araucárias, que hoje não ocupam sequer 1% de seu território original. O curioso é que, há cinco meses, o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, anunciou o prazo máximo de uma semana para a criação das cinco áreas protegidas previstas para o Paraná, mas avisou que em Santa Catarina o processo seria mais complicado, por causa da resistência política. Parecia fazer sentido, afinal o governador catarinense, Luís Henrique, é abertamente contra a medida, enquanto seu colega paranaense, Roberto Requião, faz campanha pelas araucárias.
No entanto, a situação no Paraná segue indefinida até hoje. A posição do governador não se refletiu nos políticos locais, que em apoio ao setor madeireiro fazem pesado lobby contra a criação de um Parque Nacional, duas Reservas Biológicas e um Refúgio de Vida Silvestre no estado. As áreas protegeriam mais de 98 mil hectares de florestas. Diversas ações na Justiça atravancam o processo.
Segundo os ambientalistas, o ministério errou ao aceitar reabrir as negociações com os municípios, em maio. “O governo caiu numa armadilha. O tempo permitiu que crescesse um lobby sórdido contra a preservação. Nenhum político no Paraná é a favor”, diz Clóvis Borges, diretor da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Proteção Ambiental (SPVS), esquecendo-se do próprio governador. Ele explica por que Requião não conquistou aliados para o projeto: “O que há é muita demagogia. Os políticos não assumem que são contra. Mas dizem que ‘desse jeito não dá’”.
O diretor de Áreas Protegidas do MMA, Maurício Mercadante, concorda. “O tema virou um prato cheio para os políticos locais fazerem campanha”. Tanto que prefeitos catarinenses já anunciaram que vão entrar na Justiça contra as áreas criadas no estado. “Não há motivo para tanta oposição. As áreas não são grandes, o número de proprietários é pequeno, o impacto social e econômico do Parque e da Estação Ecológica será mínimo. Adaptamos o projeto para excluir todas as áreas ocupadas e produtivas”, explica Mercadante.
Cobrança
Há cerca de um mês, o diretor da SPVS foi a Brasília para uma reunião com a ministra e diretores do Ministério, acompanhado de representantes da Rede de Ongs da Mata Atlântica (RMA) e dos dois maiores grupos empresariais paranaenses: O Boticário e Positivo. A comitiva cobrou do governo o compromisso assumido de criar as unidades de conservação, e mostrou que enquanto o MMA adota uma postura conciliadora, os madeireiros investem contra o que resta de floresta na região. Para sensibilizar Marina Silva, levaram fotos de 3.500 hectares desmatados recentemente dentro de uma das áreas selecionadas, em Palmas (PR). “A ministra assinou na nossa frente o encaminhamento dos dois decretos de Santa Catarina para a Casa Civil”, conta Clóvis Borges, sabendo no entanto que isso ainda não era garantia da criação das reservas, pois o processo poderia empacar de novo com a chefe Dilma Rousseff.
O tom ressabiado do ambientalista ainda não se desfez nem com a criação do Parque Nacional e da Estação Ecológica. “Torcemos para que a repercussão seja tímida. Por enquanto, parabenizamos a população de Santa Catarina pelo passo estratégico na agenda de conservação da floresta com araucárias. Mas festa mesmo, só vamos fazer quando forem criadas todas as que faltam”, diz Borges. Ele teme que a resistência política no Paraná volte a crescer, depois de um breve período de calmaria. O lobby anti-araucárias, capitaneado pelo deputado federal Max Rosenmann (PMDB-PR), tenta intimidar o trabalho das ongs. O deputado chegou a mover denúncia-crime junto à Procuradoria-Geral da República, acusando as entidades e técnicos do governo de formar quadrilha para defender interesses pessoais. Nem o apoio das gigantes do setor empresarial garante o sucesso da empreitada preservacionista. “Elas são exceção”, esclarece Clóvis Borges. A Federação das Indústrias do Paraná (FIEP) não quer nem ouvir falar de proteger as araucárias.
Em Santa Catarina, ainda falta criar uma Área de Preservação Ambiental (APA). E, a partir do decreto presidencial do dia 20, ainda vai levar algum tempo até a efetiva implantação do Parque Nacional das Araucárias, nos municípios de Ponte Serrada e Passos Maia, e da Estação Ecológica da Mata Preta, em Abelardo Luz.
Um bom padrão de comparação é o Parque Nacional da Serra de Itajaí, que protege um pedaço da Mata Atlântica catarinense. Criado em junho do ano passado, ele ganhou estrutura e funcionários aos poucos, e só agora, no mesmo 20 de outubro, ganhou um Conselho Consultivo. Mas João de Deus Medeiros, da FEEC, avisa que os madeireiros não conseguirão tirar proveito da lentidão característica desse processo. “O setor de fiscalização do Ibama no estado tem funcionado bem, está usando até helicóptero, consegue conter a pressão”.
Além das araucárias, as novas reservas ambientais catarinenses abrigam, em suas florestas e campos nativos, árvores como canela-sassafrás, canjerana, canela-preta, imbui e xaxim, e uma variada fauna, que inclui lobos-guarás, antas, gralhas azuis, papagaios-de-peito-roxo e até onças pintadas.
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