Na baixa temporada, quando as ruas do Guarujá (SP) mal vêem turistas, os moradores da cidade costumam sentir um cheiro insuportável em vários pontos da cidade. Não vem de esgoto nem de produtos industriais. É diferente. Não por acaso, de junho a outubro, caminhões carregados de grãos transitam com mais freqüência pela região, indicando basicamente duas coisas: exportações de vento em popa e a passagem nada discreta da soja. O mesmo grão que tira o lugar de vastas extensões de cerrado e floresta amazônica, até no litoral é motivo de discórdia.
Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, sempre sobram grãos nos caminhões depois que eles descarregam no porto do Guarujá, que compõe o complexo portuário de Santos. Ao atravessar a cidade supostamente vazios, eles deixam cair a soja que restou nas caçambas. O problema – que só mesmo graças ao odor não é ignorado – já rendeu a empresas como a Cargill pelo menos cinco multas, a última aplicada na semana passada.
Elson Maceió, secretário de Meio Ambiente do Guarujá, explica que a questão é séria. “Quando esses grãos espalhados ficam expostos à chuva e à umidade, eles começam a se decompor rapidamente, exalando esse cheiro podre”. Como medida mitigatória pelo dano, Maceió obrigou a Cargill a varrer as ruas da cidade para retirar os grãos. Que não são poucos. Apesar de não existir um cálculo preciso, o secretário explica que, certa vez, ele mesmo contou em um dia pelo menos 12 sacos de 60 quilos cheios do maldito grão.
Mas só varrer não basta. “Queremos saber dos responsáveis pelo transporte da soja para onde os resíduos estão sendo levados”, lembra Maceió. Na semana passada parte desse mistério começou a ser desvendado. “Descobrimos seis sacos abandonados numa Área de Preservação Permanente (APP) aqui do Guarujá”. Foi a gota d’água. Maceió intimou na última quarta-feira a Cargill, a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) e a empresa de transporte ferroviário Portofer (que também deixa cair soja pelos trilhos) a apresentarem as licenças que autorizam o trânsito dos grãos e os locais de deposição do material retirado das ruas. Representantes das três empresas têm dez dias para se explicar se não quiserem receber mais multas.
Incômodo
No início deste ano, Elson Maceió tornou-se o primeiro secretário de Meio Ambiente do Guarujá. Tenta resolver em sua administração os problemas que apontava como militante da ong Coletivo Alternativa Verde. Já no cargo, foi o primeiro a denunciar o descaso em relação à soja na cidade. “Moro na zona portuária e sempre me incomodei com o fedor desses grãos. Li o Código de Postura do município e vi que as empresas tinham que se responsabilizar por isso”, conta. Depois que a denúncia saiu num jornal local, moradores do Guarujá e comerciantes congestionaram a secretaria com reclamações. “Nosso próximo passo vai ser pressionar para que seja elaborada uma legislação específica para tratar dessa questão por aqui”, avisa o Maceió.
A preocupação do secretário é legítima. Durante o Fórum Nacional para Expansão do Porto de Santos, que aconteceu no início de outubro, o vice-presidente da Bunge Alimentos insistiu na necessidade de aumentar a zona portuária. Ele estima que a carga de grãos exportada por Santos vai passar de 20 milhões para 40 milhões nos próximos dez anos.
Até o fechamento desta edição, a Cargill não explicou a O Eco o que está fazendo com os grãos recolhidos. Mas um fiscal da Secretaria de Meio Ambiente do Guarujá informou que desde o mês de setembro os funcionários da empresa não estão mais tão rigorosos na limpeza das ruas da cidade sob o argumento de que o trabalho cabe à prefeitura, uma vez que a soja representa “apenas” 20% do lixo recolhido. Segundo Maceió, a Cargill alega não ter culpa e se diz usada como “bode expiatório” para a Secretaria de Meio Ambiente atacar o porto de Santos e outras companhias. Pois sim.
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