A polêmica ganhou amplitude com a publicação, na revista Science de 23 de setembro (vol. 309), de um artigo dos pesquisadores brasileiros Bruno Pimenta, Célio Haddad, Luciana Nascimento, Carlos Cruz e José P. Pombal Jr., contestando os critérios da GAA. A resposta de Simon Stuart, responsável pelo relatório do GAA, foi publicada na mesma edição.
A entidade listou, na categoria “declínio rápido”, espécies que não apresentam informações científicas suficientes, classificadas como DD (data defficient, ou deficientes em dados). “A inclusão dessas espécies inflou artificialmente a lista. Muitos anfíbios brasileiros são DD. Só sabemos que a espécie existe e que alguns poucos exemplares foram encontrados. Pode até ser que estejam ameaçadas de extinção, mas o fato é que não sabemos nada a respeito”, afirma Pombal Jr., professor do Departamento de Vertebrados do Museu Nacional da UFRJ. Para Stuart, entretanto, a inclusão dessas espécies é uma medida de precaução realista defendida pela IUCN.
Outro critério questionado pelos brasileiros é o que considera como ameaçado qualquer animal encontrado numa extensão geográfica restrita. Segundo Pombal Jr., muitos anfíbios da Mata Atlântica são abundantes em pequenos trechos da floresta. Como 92% do bioma já foram destruídos, há uma tendência de se acreditar que os anfíbios estão intrinsecamente ameaçados. Porém, a maior diversidade biológica está justamente nas áreas mais acidentadas, sem ocupação humana e de difícil acesso.
Segundo Bruno Pimenta, também do Departamento de Vertebrados do Museu Nacional da UFRJ, a imensa maioria das coletas é feita em locais onde a logística permite o acesso de carros e a hospedagem em cidades próximas. Com isso, a composição da fauna de um grande território permanece desconhecida. “Acreditamos que coletas em locais remotos ou não visitados gerarão novos dados de distribuição. Todos os anos, várias espécies que só tinham ocorrência conhecida em uma ou poucas localidades são descobertas em outros lugares, destruindo a crença de um endemismo restrito”, afirma Pimenta. Para ele, a abordagem “precaucionista” do GAA pode levar a muitos enganos. “Somos cientistas, trabalhamos com fatos e evidências, não com especulações”, argumenta.
Desrespeito
A polêmica em torno da lista foi agravada pelo fato de que os pesquisadores brasileiros se sentiram desrespeitados, já que os dados cedidos por eles foram reavaliados e o resultado final jamais foi submetido à sua apreciação ou aprovação. “Em todo esse processo, o que mais importa é que fomos contestados por pesquisadores que não são especialistas em anfíbios, nunca publicaram nada sobre a fauna de anfíbios do Brasil e que pegaram nossos dados e deles fizeram o que bem entenderam, sem nossa aprovação”, afirma Pimenta.
Stuart admite que os cientistas brasileiros que criticaram seu trabalho são todos excelentes experts: “Eles sabem muito mais sobre sapos brasileiros do que nós”. Mas não se faz de rogado. Segundo ele, o problema começa no momento em que precisam identificar e listar espécies, e especificamente ao lidar com questões de incertezas de dados. “É por isso que quase com certeza eles subestimam muito o número de sapos brasileiros. Há uma forma muito fácil de testarmos quem está certo. Vamos ver quantas espécies serão consideradas ameaçadas ou extintas em 2010. Acho que isso vai mostrar que estamos mais perto da verdade do que eles”, desafia.
Outro fator que aflige os pesquisadores brasileiros é o da credibilidade. Segundo Pimenta, após a publicação da lista final com 110 anfíbios pelo GAA, no ano passado, alguns colegas daqui insinuaram num congresso que os próprios pesquisadores brasileiros haviam incluído mais espécies como ameaçadas para angariar verbas para pesquisa, uma vez que estudos com animais em extinção costumam ter mais facilidade para captar recursos. Essas insinuações deixaram a equipe particularmente ofendida e motivaram a elaboração do artigo publicado na Science, que teve entre os objetivos esclarecer os fatos para a própria comunidade científica.
De acordo com Pimenta, após a publicação vários colegas do Brasil e do exterior demonstraram apoio ao grupo. Além disso, os organismos internacionais começaram a mudar de postura em relação aos cientistas brasileiros. “Eles vêm tomando mais cuidado com as nossas opiniões. Já admitem, por exemplo, não haver dados suficientes para considerar algumas espécies em declínio. Sua população pode estar apenas flutuando naturalmente. Mostramos que temos uma comunidade científica atuante que não aceita mais fórmulas prontas importadas e que faz questão de participar dos processos de tomada de decisão”, diz.
Ele finaliza garantindo que os pesquisadores brasileiros não estão lutando por uma lista com poucas espécies ameaçadas, mas sim por uma lista confiável, baseada nos conhecimentos acumulados até hoje. “Lutamos por credibilidade. Há espécies ameaçadas, claro. Mas temos que ir em busca do conhecimento que ainda falta, e precisamos do apoio da comunidade científica e das autoridades para isso”, conclui.
* Marina Lemle é jornalista especializada em ciência e tecnologia. Trabalhou na Ciência Hoje/SBPC, em O Globo e no Jornal do Brasil. Atualmente trabalha na Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e colabora para os sites No Mínimo e SciDev.Net.
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