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Boa pedida

Perto de Belo Horizonte, o Parque Nacional da Serra do Cipó tem natureza preservada ao alcance de pedaladas ou cavalgadas. E o melhor, longe da multidão.

Andreia Fanzeres ·
23 de novembro de 2005 · 19 anos atrás

Quem anda meio frustrado porque já não tem muito tempo nem espaço para andar de bicicleta pela cidade, pode aproveitar o fim de semana para matar as saudades das pedaladas num dos lugares mais aprazíveis de Minas Gerais.

É preciso ter disposição para circular por dezenas de quilômetros no meio do cerrado. Em compensação, a inspiração para vencer o terreno arenoso vem a cada curva das trilhas, todas surpreendentemente planas e com toques especiais. Elas são margeadas por diversos tipos de flores, borboletas, pássaros coloridos, pequenos arbustos e cursos d’ água. Esse ambiente tranqüilo e convidativo fica a menos de 100 quilômetros de Belo Horizonte, mas nem por isso tem atraído multidões, para sorte de um dos mais belos parques nacionais da região sudeste, o da Serra do Cipó. 

De acordo com o chefe do parque, o engenheiro agrimensor Henri Collet, a unidade de conservação recebe cerca de 45 mil visitantes por ano – pouco para uma área protegida de 33.800 hectares com tantos atributos naturais e tão próxima da capital mineira. A Serra do Cipó faz parte da Serra do Espinhaço, que corta o estado de Minas dividindo duas importantes bacias hidrográficas, a do rio Doce e a do rio São Francisco. “Parte da produção de água do São Francisco depende da região do Cipó”, diz o analista ambiental Celso Paiva. Ele conta que o parque nacional presta um importante serviço ao Velho Chico, pois só ali e no parque da Serra da Canastra os rios que o abastecem são protegidos legalmente. Por esse mesmo motivo, a Serra do Cipó interessa e muito quem quer preservar o rio Doce.

Não por acaso, a pesca está proibida desde setembro de 2004 no rio Cipó, que ajuda ainda o rio das Velhas, que recebe uma enorme quantidade de poluentes da região metropolitana de Belo Horizonte. “Os cardumes do Cipó estão repovoando o rio das Velhas e a qualidade da água no local do encontro desses cursos também vem melhorando”, diz Collet.

Como a região é rica em recursos hídricos, sobram cachoeiras e corredeiras, muitas na Área de Proteção Ambiental (APA) Morro da Pedreira, que protege cerca de 100 mil hectares no entorno do parque nacional. Quase todas as águas têm coloração avermelhada devido à enorme quantidade de nutrientes. É o caso da Cachoeira Grande (foto), que fica na beira da estrada que leva à entrada do parque. Mas, definitivamente, o parque não teria nem um pouco do seu charme não fossem pelas suas flores.

Foi principalmente por causa delas que se decidiu criar uma unidade de conservação federal naquele trecho de cerrado, em 1984, onde desde 1975 já existia um parque estadual. Várias espécies de plantas só existem ali, especialmente nas partes mais altas do parque, em campos naturais e rupestres em até 1.700 metros. Dois dos maiores destaques florísticos são das famílias Eriocauláceas (sempre-vivas) e Veloziáceas (canelas-de-ema). Orquídeas, bromélias, cactos e liquens também podem ser encontrados no parque, que apresenta ainda áreas de cerradões, afloramentos rochosos de mármore, quartzitos e calcário. Além disso, a região tem diversas lagoas, remanescentes de antigos braços dos rios. 

A Lagoa Comprida foi formada assim. É hoje lar de quatro lindos jacarés-de-papo-amarelo, ameaçados de extinção. Com sorte o visitante pode ter também um encontro especial com lobos-guarás, mas não mais com onças e tamanduás, que já deixaram de ser vistos na região há um certo tempo. Além disso, capivaras, micos, gatos-do-mato, raposas, borboletas e pelo menos 260 espécies de aves habitam a região. O local tem ainda abismos e grutas diversas, principalmente fora do parque, onde existem menos restrições para acessá-los. Geralmente, próximo às grutas é possível encontrar sítios arqueológicos.

Agradável passeio

Parte desse cenário é alcançável com uma boa caminhada, pedalada ou cavalgada. Na vila de Serra do Cipó (antiga Cardeal Mota) é possível alugar cavalos e bicicletas por algo entre 15 e 30 reais a diária. São as melhores opções porque quem prefere caminhar, nesse caso, talvez não tenha a chance de aproveitar tanto cada pedacinho das trilhas. Elas são bem longas. Sem guias, os visitantes podem chegar tranquilamente a pelo menos dois destinos: a cachoeira da Farofa, a 8 km da entrada do parque, e o Cânion das Bandeirinhas (foto), a 12 km dali.

As trilhas são sinalizadas a cada quilômetro e, embora estejam cercadas pelos altos paredões da serra do Cipó, são planas. De vez em quando fica difícil pedalar porque a terra deixa de estar compactada para dar lugar a um solo idêntico a areia branquinha de praia. Segundo Collet, o terreno de todo parque é assim, mas se esconde por camadas de húmus e vegetação. “O pisoteio vai lavando o solo e acelera a decomposição das pedras, que é um processo natural”, diz. Em outros momentos – poucos, é verdade – um cursinho de mountain bike faz falta, já que é preciso passar por cima de pedras, troncos e córregos.

No caso da cachoeira da Farofa e do Cânion das Bandeirinhas, além de córregos é preciso atravessar o ribeirão Mascates, tributário do rio Cipó. A travessia vale a pena. Pela aventura e pelo visitante já ter andado tanto para ver as atrações do parque. Mas é importante não se deixar levar só pela vontade de completar as trilhas e observar cuidadosamente as condições do rio. A correnteza pode estar forte e dificultar principalmente quem tenta atravessar de bicicleta o trecho do rio próximo à cachoeira da Farofa, mais estreito e profundo. Para chegar ao Cânion das Bandeirinhas, a travessia é feita num ponto mais largo e raso, mas que também tem correnteza (foto). Ou seja, não fique frustrado se, faltando pouco mais de um quilômetro para chegar às atrações, você tiver que dar meia volta.

Enquanto não são construídas pontes, é o jeito. “Falta ponte, mas também falta dinheiro. Avaliamos que o parque precisa de pelo menos quatro passagens suspensas e estamos procurando parceiros”, conta Collet. Ele admite que uma sede é pouco para uma área tão grande e diz que está negociando uma sub-sede do outro lado da unidade, em Itambé do Mato Dentro. Para ele, o número de funcionários também é insuficiente. “Somos 14 do Ibama, mas, para fazer conservação de verdade, precisaríamos de 90, além de sete portarias”.

Mais recursos

João Madeira, biólogo que coordena a elaboração do plano de manejo, acha que o parque precisa de mais pontos de fiscalização e controle de entrada de pessoas. “É fácil entrar por todos os lugares. A vegetação é pouco densa”, diz. Mas isso não quer dizer que eles não tentam cuidar do parque. “Em vários pontos contamos com um funcionário de rádio e binóculos. Ele avisa sempre que acontece alguma coisa e acionamos o resto da equipe”, explica o chefe da unidade. Os alertas são lançados principalmente em casos de incêndio ou invasão de gado na área do parque, o que, na opinião de Collet, é o maior problema de sua administração.

Como apenas 30 dos 150km de perímetro do parque são demarcados por cerca, a unidade de conservação recebe com freqüência a visita dos bovinos, que são levados pelos fazendeiros da região para as áreas de serra. “Ano passado tiramos muito gado daqui. Chegamos a ter mil cabeças no parque”, conta. E o problema não é só esse. Os proprietários ateiam fogo para que o capim rebrote e o gado se alimente. Só que, às vezes, tanto o fogo quanto o capim fogem de controle. “O capim-gordura e a braquiária crescem muito rápido e se espalham com facilidade sobre o cerrado”, explica Paiva. Ele diz que a equipe do parque está iniciando trabalhos de controle e monitoramento dessas áreas preventivamente, pois não querem que as zonas já comprometidas superem os 100 hectares atuais.

Embora se espere que, em vez de bois, o parque receba mais turistas, convém não exagerar. Madeira conta que no carnaval de 2003 mais de 30 mil pessoas passaram pela região, mas uma parcela bem pequena conheceu o parque. Quer saber por quê? “Não é todo mundo que dá conta de andar sete quilômetros para ver a primeira atração”.

E tem que andar. É assim desde que o Ibama proibiu a circulação de automóveis dentro da unidade de conservação, acabando com o barato da turma que visitava o parque num jipe de turismo. Mas os visitantes se afastaram mesmo depois que o Poço Azul foi interditado. Trata-se de uma singela piscina natural de águas transparentes e profundas colada à entrada do parque, e, portanto, de acesso facílimo. “Um dia eu fui lá e encontrei 100 pessoas, sendo que o lugar comporta 10 e olhe lá”, conta Madeira. O poço e a vegetação no entorno ficaram degradados. “Sabemos que fechar não é a solução, mas enquanto não recebermos mais recursos para criar infra-estrutura que permita diversificar as áreas visitadas sem que sejam ameaçadas, tem que ser assim mesmo”, desabafa o biólogo.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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