Reportagens

Sentindo-se Darwin

Galápagos, o famoso arquipélago equatoriano, é tudo o que dizem e muito mais. Uma viagem inesquecível, entre tubarões, iguanas, tartarugas e leões-marinhos.

Priscila Geha Steffen ·
14 de dezembro de 2005 · 19 anos atrás

Não dá para evitar: quem vai às Ilhas Galápagos volta um pouco naturalista. Impossível passar por lá sem observar a natureza em múltiplas formas e interações. Impossível observar sem se deslumbrar. Melhor ainda se você tem disposição para alguma atividade esportiva, como surf, mergulho autônomo ou mesmo um simples passeio na superfície das águas claras com snorkel.

Fazer a viagem até que não é difícil. Há vôos diários do continente para as duas principais ilhas do arquipélago: Santa Cruz e San Cristóbal. A partir delas, é só escolher os destinos. São treze ilhas de origem vulcânica, paradisíacas e no meio do Oceano Pacífico, a 1.000 km do litoral do Equador. Apenas quatro são habitadas, e toda a área é de proteção ambiental, por estar dentro do Parque Nacional Galápagos. Na chegada, ainda no aeroporto, todo turista tem que pagar uma entrada de 100 dólares, em dinheiro. Para os turistas de países andinos, a taxa é de 50 dólares. Equatorianos pagam apenas 6 dólares.

A maioria dos visitantes sai do aeroporto diretamente para um barco. O roteiro turístico típico é conhecer as ilhas fazendo cruzeiros em pacotes fechados, opção que não é para qualquer bolso. Além do custo, o programa perde parte da graça pela falta de interação com a população local, já que os grupos são pastoreados de uma atração a outra sem praticamente nenhum contato direto com os isleños, em roteiros previamente definidos pelos guias.

Para quem está a fim de rodar pelas ilhas, a melhor opção é ficar por Santa Cruz, e de lá pegar barcos para as demais ilhas. Ganha-se em praticidade mas perde-se no pitoresco: Santa Cruz é a mais habitada, o principal centro turístico e comercial entre as ilhas e já perdeu aquele toque especial de lugar remoto. Nossa opção foi outra: duas semanas em San Cristóbal, a pequena capital administrativa, com 6 mil habitantes, que ainda guarda o jeito original de cidade de pescadores.

Briga de leão

A riqueza da vida marinha impressiona ainda em terra, com os habitantes mais comuns da região: leões-marinhos. Eles estão em todas as praias – e às vezes na calçada – dividindo o espaço com moradores e turistas. Estima-se que existam 50 mil leões-marinhos em todo o arquipélago. Duas vezes mais do que os 23 mil moradores humanos.

Com toda essa exuberância fica fácil brincar de cientista: basta sentar no Malecón – a rua à beira-mar – e observar o jeito pelo qual a praia é dividida pelos leões machos, que não fazem outra coisa a não ser brigar entre si. As leoas, apesar de serem o objetivo principal dessas furiosas batalhas, aparentam não dar a mínima, e zelosamente amamentam seus filhotes. Os leõezinhos, por sua vez, querem brincar o tempo todo. Aliás, os leões-marinhos não estão nem aí para as pessoas, e só se manifestam quando se chega a menos de um metro de distância.

Não dá para ficar apenas contemplando: tem que participar. Máscara e snorkel a postos, e é só entrar na água para as fêmeas e filhotes de leões-marinhos curiosos chegarem bem perto. Ficam ali por um bom tempo se divertindo. O único perigo é se um macho irritado aparecer, querendo tomar satisfações de quem invadiu seu território. Ainda na superfície, é possível nadar com tartarugas marinhas, arraias, enguias e grandes cardumes de peixes. Nos locais mais distantes, também há muitos cardumes de tubarões. É para lá que fomos.

Entre tubarões

Em San Cristóbal, o melhor ponto para observar tubarões é o impressionante rochedo chamado León Dormido, a 40 minutos de lancha do Malecón. Eles vivem em cardumes de 20, 30 e até 50 indivíduos. Várias espécies freqüentam a área, incluindo o tubarão-galápagos, que só existe lá, e o curioso tubarão-martelo (foto ao lado). Volta e meia, mergulhadores também têm a sorte de se deparar com o tubarão-baleia (foto abaixo), o maior de todos os peixes.

Por mais que o guia nos tranqüilize, informando que eles não se alimentam de carne humana, o frio na barriga é inevitável quando a contagem passa dos vinte tubarões nadando apenas poucos metros abaixo. E eles são curiosos: chegam a se aproximar bastante.

Depois que nos habituamos à sua presença, é possível começar a observar além deles. O que se vê é uma quantidade inacreditável de cardumes dos mais variados peixes. Tartarugas, arraias e leões-marinhos são outros personagens obrigatórios. O cenário fica completo com a impressionante parede de rocha vulcânica, por onde o mergulho é conduzido. Por ser de formação frágil, a grande rocha se dividiu provavelmente na época em que as ilhas submergiram e formou uma fenda com largura que permite a passagem de um grande veleiro.

É claro que o mergulho em águas profundas não é menos espetacular. As Ilhas Galápagos são consideradas um dos melhores pontos de mergulho do planeta. São mais de 50 locais do que em espanhol é chamado de buceo, para todos os graus de dificuldade. Outro ponto de mergulho “cinco estrelas” é o Rocas Gordon, próximo à Ilha Santa Cruz.

Para mergulhadores experientes ou profissionais, o melhor é buscar expedições de mergulho, que durante 8 a 12 dias de viagem em lanchas ou catamarãs, e percorrem os melhores locais para o esporte em todo o arquipélago.

No caminho de volta a San Cristóbal, uma parada em Isla Lobos é imprescindível. Trata-se de uma enorme colônia de leões-marinhos, mas onde há também os belíssimos piqueros. Conhecidos no Brasil como atobás, lá eles existem em três espécies: os de patas azuis (foto), os de patas vermelhas e os mascarados, que têm uma tarja preta nos olhos. São aves marinhas que só existem lá.

Mais bichos

Essa é a característica especial de Galápagos: por sua distante localização do continente, as espécies que se desenvolveram lá são únicas. É o que os biólogos chamam de endemismo. A saga desses animais é extraordinária: alcançaram as ilhas voando, nadando ou flutuando sobre pedaços de terra. Não existia vida terrestre quando as ilhas emergiram há 5 milhões de anos. Por isso não há mamíferos terrestres nativos. Eles não sobreviveram a tão árdua viagem.

Já os répteis, animais de sangue frio, que conseguem passar muito mais tempo sem beber e comer, ocuparam os solos vulcânicos de Galápagos sem temer concorrência.

Um grupo de famintas iguanas terrestres acabou se especializando (por falta de alimento em terra) em alimentar-se de algas marinhas, transformando-se nas famosas iguanas marinhas, lagarto sem similar no resto do mundo. Seu contorno se confundem com a cor escura das pedras vulcânicas.

Mas as estrelas do espetáculo são as tartarugas terrestres, cujos ancestrais, segundo estudiosos, chegaram boiando ao arquipélago em pedaços de vegetação do continente. Em cada ilha desenvolveram-se espécies distintas, perfeitamente adaptadas ao árido clima de Galápagos, e de tal modo incorporaram-se ao ambiente que acabaram batizando o lugar.

Galápago quer dizer tartaruga. Antes da chegada do homem às ilhas, existiam ali 14 espécies de tartarugas terrestres. Mas sua saborosa carne transformou-se em provisão predileta de piratas e outros barcos que passavam pelo arquipélago. Hoje, três espécies estão extintas, mas são feitos trabalhos intensos de preservação da tartaruga terrestre desde a década de 1950, com a criação da Fundação Charles Darwin e do Parque Nacional Galápagos.

Vale a visita até o famoso Solitário George, único exemplar de tartaruga da sua espécie (Abingdon), endêmica da Ilha Pinta. Hoje, ele está na Ilha de Santa Cruz, na Fundação Charles Darwin.

San Cristóbal também possui sua espécie única de tartaruga, a Geochelone chatamensis. Sua população original era de 100 mil indivíduos. Agora está reduzida a pouco mais de mil. Para salvar a espécie, um projeto recente, o La Galapaguera, cria um grupo de 33 tartarugas em ambiente semi-natural, de modo a estimular a procriação – algo bem lento, pois somente aos 25 anos elas atingem a maturidade sexual.

Já existe um pioneiro filhotinho, de seis meses, batizado apropriadamente de “Gênesis”, que está sob vigilância 24 horas para não sofrer predação por animais introduzidos por humanos – geralmente gatos e cabras, enquanto ratos e formigas atacam os ovos.

Na crista da onda

San Cristobal é destino cobiçado por surfistas do mundo inteiro. Estamos em plena temporada de esquerdas e direitas, longas e perfeitas. As condições ideais vão de dezembro a março, quando as ondas podem chegar aos 4 metros de altura. Em fevereiro, acontece o Campeonato Internacional de Surf Galápagos, que transforma a pacata San Cristobal no ponto de encontro mundial dos surfistas.

Mas cuidado, a água pode ser bem fria. As Ilhas Galápagos estão no encontro de duas grandes correntes marítimas: a gélida corrente Humboldt e a caliente corrente do Panamá. Isso ajuda a explicar a grande diversidade marinha, já que os nutrientes sobrevivem melhor às correntes frias.

Dicas

No Brasil existe uma agência de turismo especializada em Ilhas Galápagos. Ícaro Brandão, o proprietário, freqüenta o arquipélago desde 1987 e já foi para lá 52 vezes. Tem todos os roteiros de viagem, do mais completo ao alternativo. É a Galapatours: (11) 4239-4089.

Como só conhecemos a ilha de San Cristóbal, limito-me a indicar lá, com conhecimento de causa, alguns lugares de hospedagem…

Hotel Orca (Tel.: 520233)
Pousada Miconia (Tel.: 520608)
Teclas Surf Resort (Tel.: 520632)

… o contato para mergulho…

Chalo Tours – Dive Master: Victor Carrion (Tel: 520953)

… e dois restaurantes:

Miconia e La Playa – ambos na avenida Charles Darwin / Malecon

O código para ligações do Brasil para Galápagos é 593.

* Priscila Geha Steffen é jornalista e colunista do O Eco.

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