Reportagens

Passou da conta

Falta de informação, ausência de ministros e frustração com a política anti-desmatamento na Amazônia fazem ongs abandonarem seminário do governo em Brasília.

Manoel Francisco Brito ·
15 de dezembro de 2005 · 19 anos atrás

A paciência das ongs com a política do governo para reduzir o desmatamento na Amazônia se esgotou. Basicamente porque continuam sem saber se ela realmente existe, para além do declaratório oficial comemorando a queda no corte de árvores este ano.

Seus representantes abandonaram, nesta quinta-feira, 15 de dezembro, seminário organizado pela Casa Civil para avaliar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na região Norte do país. Foi um protesto. “Não havia nada lá para avaliar”, diz Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace. “Não havia dados, informações sobre o plano e tampouco qualquer avaliação preliminar de cada um dos 13 ministérios envolvidos no programa sobre o que funcionou e o que não funcionou naquilo que cabia eles a fazer”.

Como se não bastasse a desinformação, Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil e responsável por liderar o plano do governo, não estava nem presente. Sua ausência, na verdade, não surpreendeu. Desde que substituiu José Dirceu no cargo em meados do ano, Dilma nunca se dispôs, pelo menos não oficialmente, a discutir ou aparecer em qualquer discussão sobre o assunto. Duro mesmo foi constatar que os chefes dos outros ministérios envolvidos também não compareceram ao encontro. Nem Marina Silva, do Meio Ambiente (MMA), pelo menos em teoria a ministra que deveria estar mais diretamente interessada no tema, apareceu.

Pressionado, o representante da Casa Civil, Johaness Eck, reconheceu que o governo não tinha como apresentar um balanço detalhado de suas ações. Foi a gota d’água. O pessoal das ongs, reunido sob o guarda-chuva do Grupo de Trabalho (GT) de Florestas do Fórum de Ongs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) , entidade que congrega 21 instituições, resolveu bater em retirada da reunião e se dirigir à sede do Instituto Socioambiental (ISA), onde redigiram nota desancando a desorganização do governo (clique para ler a nota).

Eterna ausente

Nela, mencionam que apesar de ter adiantado em 4 meses a divulgação dos índices de desmatamento na Amazônia, o governo, ao contrário dos anos anteriores, não antecipou à ongs envolvidas os dados obtidos para que pudessem ser analisados. A nota lembra ainda que em julho Dilma, já ministra, recebeu um pedido oficial do GT de Florestas da FBOMS para um encontro. Eles queriam discutir ações estruturais contra o desmatamento na Amazônia. Até hoje não tiveram resposta. Eck, segundo um dos participantes do encontro, tentou se desculpar pela chefe. Melhor faria se tivesse ficado calado.

Disse que ela andava muito atarefada, sendo constantemente chamada ao Palácio do Planalto por Lula por conta da crise política. Como resposta, ouviu que se Dilma está sem tempo, o mínimo que se espera dela é que renuncie à sua posição de coordenadora do plano do governo contra o corte indiscriminado de árvores na região. O GT diz ainda que sua saída do encontro é uma maneira de mostrar como o grupo considera o diálogo com o governo importante e o plano, de cuja elaboração participaram, mais ainda.

Desde a quarta-feira, os representantes das ongs já imaginavam que o encontro convocado pelo governo iria dar em nada. Além da eterna ausência de Dilma de toda essa história e do fato de ninguém ter recebido informações antecipadas para poder discuti-las objetivamente na reunião, sua pauta foi subitamente mudada na véspera. As mesas temáticas de três dos cinco componentes do plano, criadas para poder aprofundar as discussões, foram canceladas. E um dos seus pontos mais importantes, o de infra-estrutura, que tem a ver com as obras de grande porte que Lula e Dilma planejam fazer na região, foi simplesmente empurrado para fora do seminário.

Tudo isso aconteceu sem que fosse dada qualquer explicação. O pessoal das ongs recebeu essas notícias vindo de 48 horas de experiência frustrante no Senado, onde foram fazer pressão para tentar que o plenário da Casa votasse o Projeto de Lei sobre Gestão de Florestas Públicas. Seu texto autoriza e regula a exploração de madeira em regime de manejo em matas que se encontram em terras de estados e da União. Saiu do Ministério do Meio Ambiente e era considerado fundamental para ajudar no controle do desmatamento na Amazônia. Mas nesse tempo todo em que as ongs passaram no Congresso, ninguém do governo, exceto Tasso Azevedo, diretor de Florestas do MMA e um dos principais defensores do projeto, apareceu por lá.

Elvis

Os senadores da base aliada do Planalto tampouco fizeram qualquer barulho em seu favor. Por tudo isso, os membros do GT de Florestas da FBOMS perceberam que estavam indo para um encontro onde se discutiria o nada e começaram a planejar seu protesto. Eles chegaram à reunião exatamente na hora em que ela estava marcada, 9 da manhã. No telão do auditório, com som alto, passava um DVD de um concerto de Elvis Presley. “Foi a melhor coisa do seminário”, disse um dos participantes. Os burocratas do governo chegaram com 35 minutos de atraso. Mal abriram a boca. “Ouviram logo que tudo o que tínhamos eram informações fragmentadas e nenhum acesso prévio aos dados sobre o desmatamento”, diz André Lima, do ISA.

João Paulo Capobianco, diretor de Biodiversidade do MMA, percebeu que a possibilidade de o pessoal das ongs abandonar a reunião era grande e tentou negociar com eles, em separado, sua permanência no auditório. Foi em vão. Enquanto ele parlamentava em favor de um compromisso, Eck, da Casa Civil, continuava sob bombardeio. Durou 45 minutos. No final, conta Lima, ouviu que “para as ongs não era possível fazer uma avaliação responsável sem os dados e que era melhor que eles, governo, se reunissem sozinhos para fazer seu dever de casa”.

Por detrás de toda essa confusão, está a sensação das entidades de que apesar da queda de 31% no corte da floresta registrada este ano pelos satélites que servem ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o governo Lula, como seus antecessores, não tem ou não quer executar uma ação definitiva e de longo prazo contra o desmatamento na Amazônia. A redução detectada em 2005 é creditada a ações tópicas do governo, tipicamente de reação, como o aumento de sua presença na região na esteira da morte da freira Dorothy Stang, e a queda no preço das commodities de exportação, que fez encolher um dos motores do desflorestamento, o agronegócio.

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