O Rio de Janeiro é uma cidade cercada de morros e florestas, mas que também abriga muito verde em sua área urbana. A história da arborização carioca acaba de ganhar novas luzes, com o lançamento do livro “Árvore Cidade” (editora Desiderata).
Os autores são a museóloga Mariana Várzea e o urbanista Roberto Rinbinder, ambos ex-funcionários da Fundação Parques e Jardins. Auxiliados por belas fotos de Cesar Duarte, eles apresentam, em imagens e histórias, as 28 mais importantes espécies encontradas na área urbana do Rio de Janeiro.
“A idéia surgiu quando percebi, ainda na época em que trabalhava na Fundação, que entre a população ocorriam mais pedidos de poda do que de plantio, na proporção de dez para um”, revela Roberto. “Concluí que havia um olhar pouco generoso para a arborização da cidade. Somente na década de 80 começou a surgir uma consciência ambiental. Antes, a expansão imobiliária fazia o espaço urbano passar o trator em cima das árvores”, ressalta o urbanista.
As árvores começaram a ser plantadas mais sistematicamente na cidade no século XIX, com a chegada do paisagista e botânico francês Auguste Marie Glaziou, que em 1858 assumiu a diretoria dos Parques e Jardins da Casa Imperial. “Ele soube dar às árvores um caráter estratégico na organização do espaço urbano”, afirma Roberto. Glaziou misturou espécies de árvores nativas com outras exóticas e influenciou os mais importantes projetos de arborização da cidade no século XX.
Nomes conhecidos como o sanitarista Oswaldo Cruz, o prefeito Pereira Passos e o paisagista Roberto Burle Marx fizeram a arborização ganhar caráter de embelezamento e higienização das ruas, ao mesmo tempo em que servia para consolidar no Rio de Janeiro os moldes urbanos franceses, iniciados por Glaziou.
Todo esse processo transformou em uma marca da cidade a presença notável das árvores. No livro, os autores buscam contextualizá-las no cenário urbano. A amendoeira, por exemplo, é uma espécie asiática que se adaptou ao clima brasileiro, mas teve seu plantio proibido em 1990. A culpa é da queda das folhas, que formam um tapete dourado no chão. Embeleza a paisagem mas entope os bueiros.
Outra que causou polêmica foi a australiana casuarina. Muito vista na região do Recreio dos Bandeirantes e na Lagoa Rodrigo de Freitas, ela está com seus dias contados em alguns pontos da cidade. Será substituída pelo ipê, mais ecologicamente correto, pois a casuarina tem a característica de esterelizar o solo, o que impede o crescimento de outras plantas. “Não acho que na beira da Lagoa, por exemplo, haja espaço para mais de uma espécie. Por isso sou contra a retirada das casuarinas”, defende Roberto.
Bem adaptadas
Há locais que são especialmente privilegiados. O bairro do Flamengo abriga o Aterro, um gigantesco jardim planejado por Burle Marx, onde cada árvore tem uma razão prática para ter sido plantada. O pau-rei (foto acima) foi pensado para dar sombra e é também muito encontrado em outras praças. O mesmo ocorre com as figueiras italianas, de copa esplendorosa, mas com raízes capazes de destruir calçadas. O jerivá (ao lado), por sua vez, adapta-se bem à poluição e por isso hoje vem sendo plantado na Avenida Brasil.
Outra que sobrevive em pleno caos urbano, como no bairro de Copacabana, é o oiti, espécie típica de Mata Atlântica. Um bom exemplo de adaptação é a figueira microcarpa (foto), original da Ásia. A árvore depende de um inseto asiático para sua polinização, mas ao incorporar o jeitinho carioca, foi capaz de eleger uma vespa bem brasileira para prestar o serviço. Infelizmente, a figueira, muito encontrada em locais como a praia de Botafogo e o Flamengo, já é considerada uma praga na cidade.
A palmeira imperial, símbolo do Jardim Botânico, também guarda uma história curiosa. Foi por anos produto de contrabando. Suas sementes valiam muito dinheiro, pois acreditava-se que só poderiam ser plantadas pelas mãos de quem houvesse recebido o presente diretamente do rei D. João VI. O livro não deixa de citar também a histórica pau-brasil, que foi pouco plantada na cidade porque seu crescimento é muito lento.
Outra bem conhecida dos cariocas é a mangueira, que nomeou um bairro e uma escola de samba. Sua origem é indiana, assim como a da estercúlia. Esta é encontrada em locais como a Glória e o Leblon, e também facilmente notada por quem passa na rua. Não só pela beleza, mas pelo cheiro desagradável de suas flores. Completando o time das indianas naturalizadas cariocas, há a paineira-vermelha, espécie sob a qual Buda teria nascido, e a figueira-religiosa, onde ele teria atingido o Nirvana.
A espécie campeã de plantio é o ipê, seja roxo (foto), amarelo ou rosa. O principal motivo é a tentativa tardia de substituir as espécies exóticas por outras nativas. “Desconfio dessa idéia xenófoba de que temos que plantar sempre árvores nativas. Árvore não tem passaporte. Se existem algumas que se estabelecem tão bem, por que não plantá-las?”, diz Roberto. De fato, das 28 espécies contempladas no livro, 16 não são brasileiras. Por ser tão miscigenada, a arborização faz do Rio uma cidade excepcionalmente verde. E colorida.
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Acho que na casa da minha tia tem uns 2 pés de amendoeira, muito bom!
Parabéns pelo artigo!
Conteúdo muito bom e de fácil entendimento!