As sombras que valorizam as alamedas dos Jardins, em São Paulo, estão cedendo lugar a um cenário desolador, feito de vãos de concreto desprovidos de verde. Em pouco mais de um ano, 140 árvores foram erradicadas e 155 amputadas.
O motivo da temporada de podas e derrubadas é que grande parte das árvores está doente e apresenta riscos à população. Parece uma justificativa plausível para livrar-se delas, mas muitas pessoas não estão convencidas de que a política adotada pelo município seja a mais adequada. Incomoda ver uma das regiões mais arborizadas da cidade transformada em selva de pedra.
“Não temos de falar apenas em poda e corte de árvores. Quero conversar sobre cuidados. Sugerir, por exemplo, medidas de prevenção, como adubação e tratamentos. Isso não acontece por aqui. Depois que as árvores já estão em estado irreversível, não adianta mais. As pessoas precisam entender que a vegetação é um patrimônio ambiental impagável”, afirma a advogada Célia Marcondes, presidente da Sociedade dos Amigos e Moradores do Bairro Cerqueira César/Jardins (Samorcc).
Em 2004, quando um estudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) apontou para o risco de queda de árvores em sete bairros de São Paulo, a Subprefeitura de Pinheiros deu início às podas e erradicações nos bairros Cerqueira César e Jardins. A pesquisa avaliou os pontos da capital mais vulneráveis a incidentes. “Analisamos 7.050 árvores. O foco do trabalho não era poda, porque esse método propicia a entrada de cupins e o desequilíbrio da espécie. A intenção era fazer um diagnóstico do estado de sanidade das árvores, por meio de um modelo matemático que inferia no risco de queda de cada uma delas”, recorda Sérgio Brazolin, pesquisador do instituto e, na época, coordenador do projeto “Operação Árvore Saudável”.
Condenadas
Munidos do levantamento do IPT, técnicos do município avaliaram as necessidades de corte. Os critérios utilizados foram a presença de fungos, cupins e outras pragas, a porcentagem de vazio (se estão ou não ocas), diâmetro, copa e equilíbrio, entre outros. “A primeira etapa do trabalho foi determinar as que apresentavam altos índices de risco”, explica Carmen Silvia Facioli, supervisora técnica de Limpeza Pública da Subprefeitura de Pinheiros.
Nessa fase do processo, 41 árvores foram podadas, 80 erradicadas e três caíram naturalmente. Uma delas, localizada na rua da Consolação, não sofreu intervenção porque é muito alta e depende do desligamento da rede elétrica para ser cortada. “Nestes casos, temos de pedir ajuda para a Eletropaulo, que interrompe a transmissão de energia, com o objetivo de evitar problemas aos nossos funcionários enquanto fazem os serviços”, diz Carmen.
A segunda etapa das atividades começou em novembro do ano passado e está quase concluída. Das 174 árvores classificadas pelo IPT como de grande risco, 114 foram amputadas e 60 retiradas. “Ainda faltam 3 remoções e uma poda, porque tivemos um problema com a população, que nos impediu de tirá-las. Estamos aguardando uma análise jurídica da subprefeitura para saber como agir”, comenta a supervisora. Ela explica que mesmo tendo aparência perfeita a árvore pode ser derrubada, se estiver oca.
Espécies
A tipuana (Tipuana tipu) é uma das espécies mais presentes na região dos Jardins, e a que mais apresenta problemas. Isso não quer dizer, porém, que seja de má qualidade. Na verdade ela é uma vítima da urbanização. “O grande problema é que essa espécie foi, com o tempo, limitada a uma série de ações. Plantadas há cerca de 50 anos, foram vítimas das mudanças que ocorreram no entorno, principalmente com a verticalização”, defende Carmen. “As doenças se propagam com facilidade porque, como são da mesma espécie, uma praga que destrói determinada árvore acaba com todas”.
De acordo com as normas da Secretaria Municipal de Verde e Meio Ambiente, a subprefeitura tem obrigação de repor as árvores retiradas com outras. A nova espécie é escolhida conforme as características do local em que será plantada. “A exigência é que sejam nativas do Brasil. Na região dos Jardins, por exemplo, sugerimos ipê, sibipiruna, pau-ferro, pata-de-vaca, jacarandá-mimoso, entre outras”, informa Marcelo Cocco, coordenador do Núcleo de Legislação para a Proteção e Fomento da Vegetação da secretaria.
As 80 árvores retiradas na primeira etapa já foram substituídas por novas mudas. Já as 60 arrancadas desde novembro só devem começar a ser replantadas daqui a um mês.
Energia
Em novembro do ano passado, a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo estabeleceu uma parceria com a Eletropaulo para podar as árvores consideradas condenadas pelo IPT. Até o final do verão, quando as chuvas e os ventos fortes aumentam os riscos de queda, 453 árvores serão podadas ou removidas. Segundo o acordo, a companhia fará a poda para livrar da fiação elétrica as árvores localizadas nas regiões de cinco Subprefeituras: Vila Mariana, Pinheiros, Santo Amaro, Sé e Lapa.
As quedas de galhos e de árvores sobre a rede elétrica são responsáveis por 30% das interrupções no fornecimento de energia em dias de chuvas. “Estes desligamentos prejudicam principalmente a população, pois dependendo do tamanho da árvore é necessário um trabalho conjunto entre a Eletropaulo e o Corpo de Bombeiros para fazer a remoção. Além disso, existe o impacto negativo nos indicadores de qualidade da empresa”, ressalta o presidente da Eletropaulo, Eduardo José Bernini.
Mais cortes?
O estudo do IPT avaliou ainda as árvores com médio e pequeno riscos de queda. Isso significa que mais podas e erradicações podem vir pela frente. Segundo a Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras, a necessidade de uma terceira etapa de cortes ainda está sendo estudada. Os técnicos vão se reunir para avaliar os trabalhos já realizados e diagnosticar o que deve ser feito a seguir.
Enquanto o verde se vai e as novas árvores não crescem, o jeito é arranjar outras formas de se proteger do sol.
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