Em corredores, crachás e portas da COP-8 ( a oitava conferência das partes da Convenção sobre Diversidade Biológica – a CDB) figura a morte. Ela foi colocada lá pela sociedade civil organizada como garota-propaganda da campanha contra o “terminator”, a última invenção da biogenética com o poder de produzir sementes estéreis. A novidade é vendida pelas multinacionais produtoras de sementes como a peça que faltava para a liberação dos transgênicos. Se as plantações geneticamente modificadas produzirem sementes estéreis, a contaminação de cultivos tradicionais será impossível, argumentam.
Mas como sintetizou a geneticista alemã Ricarda Steinbrecher, que se alinha aos que desejam banir os terminators, nada é tão simples quando se trata de engenharia genética. A técnica que está sendo testada publicamente em estufas nos Estados Unidos pertencentes à companhia Delta & Pine Land é baseada na inibição química, ou por outro fator, dos genes responsáveis pela germinação da semente. O problema, explica Steinbrecher, é que genes falham. Não se pode vender essa tecnologia como 100% “biossegura” se ela for baseada no pleno funcionamento de um gene inibidor. Para ela, o melhor caminho seria eliminar os genes responsáveis pela reprodução. O que, na prática, também não é simples.
No momento a tecnologia está no purgatório da Convenção de Diversidade Biológica. Na COP-5, em 2000, foi imposta uma moratória sobre a comercialização e teste de terminator em campos abertos até se obter maior conhecimento, e consenso, sobre os benefícios e reais riscos de se liberar a plantio de sementes estéreis. A pressão a favor é crescente. Ano passado, em uma reunião na Ilha de Granada específica sobre o artigo 8J da Convenção — que regulamenta o acesso a recursos genéticos e a repartição de benefícios gerados por eles — foi aprovado um texto interpretado como ambíguo e a favor de experiências com terminators em campos abertos. O texto, que precisa ser ratificado na COP-8, propõe que autorizações para testes com sementes estéreis sejam dadas pelas autoridades responsáveis por biossegurança em cada país e que sejam analisadas caso a caso. Na leitura dos opositores à tecnologia, caixão a caixão.
Árvores transgênicas
O mais novo aliado dos terminators, ou gurts (sigla em inglês para tecnologia genética de uso restrito) nasceu na floresta. Ou melhor, na ausência dela. A tecnologia das sementes estéreis é apontada por engenheiros florestais e investidores do setor como a melhor forma de se aplicar a política da boa vizinhança a outro temido frankenstein: as árvores transgênicas.
Essas já estão por aí. Só na China, estima-se que nos últimos quatro anos foram plantados mais de 1 milhão de espécimes da versão transgênica da Populus nigra. Uma árvore que recebeu em laboratório o gene Bt para se tornar mais resistente a insetos que atacam as folhas.
Esse tipo de transgenia chegou pela primeira vez aos campos abertos do planeta na Bélgica, em 1988, e foi largamente estudado nos Estados Unidos. Mas enquanto os europeus e americanos resolveram seguir o princípio da precaução e adotar medidas restritivas à comercialização de árvores transgênicas, os chineses arcaram com as conseqüências para tentar frear a desertificação do país. A industrialização a galope levou à liquidação das florestas nacionais, o que refletiu em enchentes e na expansão do deserto de Gobi. Como antídoto, o governo investiu pesado em reflorestamento com poucos tipos de espécies, mas de repente viu sua muralha verde ser carcomida por insetos. Abriam-se as portas para as árvores transgênicas. E hoje já se testa a tecnologia com finalidade comercial em diversos países, incluindo o Brasil.
As vantagens da tecnologia seguem a lógica econômica: as árvores crescem mais rápido, têm mais biomassa, maior poder de combustão, maior capacidade de seqüestrar carbono. Isoladas são fantásticas, até mesmo do ponto de vista ambiental. Mas, em campo, teme-se por uma catástrofe.
A dispersão dos genes dessas árvores promovida pelo vento ou por insetos pode levar ao cruzamento com espécies similares selvagens e à contaminação de florestas nativas. O que poderia acarretar no surgimento de espécies semi-invasoras ou no distúrbio do equilíbrio ecológico. Insetos e animais que se hospedam ou se alimentam das árvores poderiam ser contaminados. Estudos mostram que borboletas e mariposas são sensíveis à toxina Bt. Em caso de morte em grande escala, os pássaros que se alimentam delas seriam afetados e, conseqüentemente, toda uma cadeia alimentar. Pesquisas também mostram que a saúde humana pode ser afetada, já que a toxina Bt tem características alérgicas e estaria presente no pólen das árvores.
No site da Fundação David Suzuki, uma das principais opositoras a modificações genéticas em árvores, argumenta-se que espécimes “programados” para crescer mais rápido podem absorver nutrientes e água num ritmo igualmente acelerado e assim comprometer a produtividade do solo. E plantas geneticamente alteradas para produzir menos lignina podem perder proteção contra o frio e morrerem mais cedo. O longo tempo de vida das árvores é um outro contratempo às certezas da tecnologia.
Em um fórum promovido em 2004 pela Duke University, nos Estados Unidos, sobre o futuro das árvores transgênicas, cientistas concordaram que é impossível evitar que genes desse tipo de árvore se espalhem por ecossistemas vizinhos através da polinização promovida por insetos ou até mesmo pelo vento. Há controvérsias, e incógnitas, sobre os danos provocados pela dispersão ao meio ambiente, mas uma maneira de evitar maiores problemas seria o desenvolvimento de árvores estéreis.
O ciclo se fecha e o argumento dos ambientalistas e cientistas mais cautelosos permanece o mesmo. Não há como garantir a esterilidade das sementes. Em se tratando de natureza, o instinto de sobrevivência e de evolução pode levar as plantas a debelarem os genes impostos pela tecnologia terminator para cumprirem o seu objetivo primordial: a perpetuação da espécie.
Nesta terça-feira, na COP-8, em Curitiba, o governo brasileiro se posicionou contrário à liberação do terminator. Semana passada, o Parlamento Europeu instruiu a delegação européia a também se opor à liberação da tecnologia e à aprovação do Artigo 8J conforme proposto em Granada. Entre os países que apóiam a comercialização das sementes estéreis estão Austrália e Nova Zelândia. Os Estados Unidos não participam oficialmente da Convenção, mas enviaram observadores que, segundo ativistas da ong Ban Terminator, fazem lobby junto aos governos para afrouxarem a moratória. Representantes das principais companhias de sementes também participam das negociações. Só a delegação brasileira é composta por 19 integrantes do setor de biotecnologia.
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