O lento processo de criação do Parque Nacional do Juruena em 2 milhões de hectares na fronteira do Mato Grosso com o Amazonas cumpriu sua penúltima etapa técnica na terça-feira, 21 de março, com a realização de uma consulta pública no município mato-grossense de Apiacás. Agora, falta apenas um ajuste fino nos limites propostos para o Parque, que deve ser feito ao longo dos próximos 15 dias no Ibama, em Brasília, e pronto: a proposta para instalar o Parque sobe para o Ministério do Meio Ambiente e dali para a Casa Civil, onde será decidida sua sorte futura.
“A decisão final de criar o Parque, como é normal em se tratando de unidades de conservação, é sempre política”, diz Sergio Brant, do Ibama, a quem coube, junto com Reuber Brandão e Carlos Bianchi, a tarefa de conduzir a parte técnica do assunto.
E é essa a razão pela qual a idéia de se fazer um parque numa área praticamente intocada e considerada chave para a preservação da biodiversidade pode levar ainda muito tempo. Pode até nem sair. A política conspira contra o Juruena. Este é um ano eleitoral, e político nenhum gosta de tomar decisões impopulares quando a sorte de seu mandato volta a ser jogada nas urnas. A reação da população que habita municípios onde há uma proposta para criar áreas protegidas é quase sempre de oposição aberta. E na consulta pública recém realizada em Apiacás, o comportamento dos presentes não fugiu a essa regra. No galpão anexo à igreja onde a consulta foi realizada, foram estendidas 13 faixas. Todas contra o Juruena. O tom dos discursos dos deputados e vereadores presentes só serviu para acirrar o ânimo oposicionista da platéia, formada por 700 pessoas.
Além da oposição local, o Juruena enfrenta também uma espécie de lava-mão do governo estadual em relação à sua criação. O governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, acompanha o assunto de perto mas fala sobre ele apenas em caráter privado. Em reuniões que teve com a ministra Marina Silva, se disse a favor do Parque Nacional, mas reiterou que era incapaz de se manifestar em público sobre isso para não cometer suicídio político. O deputado estadual José Riva, com base eleitoral em Apiacás e um dos mais ferrenhos opositores do Juruena, disse durante a consulta que Maggi lhe garantiu ser contra o Parque.
Em cima do muro
O discurso que seu subsecretário de Meio Ambiente, Luis Henrique, fez na consulta pública em Apiacás foi reflexo perfeito disso. Não revelou a posição do governo do estado em relação ao assunto e nem discutiu diretamente a proposta que Brant, do Ibama, apresentou no encontro. Preferiu dizer que tinha sido convocado para a consulta através de ofício do Ibama entregue apenas 24 horas antes da sua realização e que seu governo permanecia desinformado sobre as intenções do governo federal. É possível que o documento em papel só tenha chegado a Cuiabá na véspera do encontro. Mas tinha sido enviado por fax pelo Ibama uma semana antes.
Quanto à reclamação de desinformação, Brant retrucou que a apresentação sobre o Parque que fazia em Apiacás tinha sido mostrada à Secretaria Estadual de Meio Ambiente em dezembro de 2004, e a prefeitos dos municípios na sua zona de influência no ano passado. A impossibilidade do governo estadual de deixar clara a sua posição abriu flanco para que em fevereiro a Assembléia Legislativa aprovasse por unanimidade proposta recomendado que o Executivo do estado iniciasse estudos para criar na região do Juruena, bem onde Brasília estuda implantar o Parque Nacional, uma Floresta Estadual. A diferença é que florestas estaduais permitem a exploração econômica dos recursos naturais.
A nível local, portanto, a implantação do Parque Nacional continua politicamente confusa. Mas na política nacional sua situação não é menos enrolada. Os estudos para implantar o Parque começaram em 2002. Na ocasião, o plano era criá-lo bem na área onde os rios Juruena e Teles Pires se encontram para formar o rio Tapajós, um colosso de preservação integral com 3 milhões de hectares, juntando áreas privadas no norte do Mato Grosso com terras da União no sul do Amazonas. Os planos do Ibama foram atropelados por uma decisão política de Marina Silva, tomada no segundo semestre de 2004, de ceder parte da área que seria destinada ao Parque para que o governo do Amazonas criar um mosaico de Unidades de Conservação.
Em 2005, por conta do assassinato da freira Dorothy Stang em fevereiro do mesmo ano no Pará, a agenda política do Ministério do Meio Ambiente (MMA) concentrou-se em levar adiante a criação de Unidades de Conservação naquele estado. Isso condenou o Juruena a ser mandado de volta ao banco de trás das prioridades do MMA, de onde só voltou a sair no começo de 2006. Não foi a melhor época para retirá-lo da gaveta. Além de ser um ano eleitoral, a decisão de Marina Silva de largar seu posto no governo federal para concorrer ao governo do Acre vai provavelmente atrasar ainda mais, se é que não inviabiliza completamente, a criação do Parque Nacional. O que é uma pena.
Slogan militar
Além de intocada, a área que o Ibama quer destinar para o Juruena é fundamental para a preservação da biodiversidade na Amazônia. Brant, do Ibama, tentou deixar isso claro na consulta realizada em Apiacás. “No sentido Sul-Norte, é uma área fundamental de transição entre o cerrado e a floresta amazônica”, disse. “No sentido Leste-Oeste, há na região vegetação amazônica variada, como florestas abertas, florestas fechadas e savanas”. Infelizmente, a platéia e as lideranças presentes na consulta de Apiacás mal deram ouvidos às palavras de Brant. Queriam discutir meios de manter a região aberta à exploração econômica ou, em muitos casos, apenas vociferar contra a criação de Unidades de Conservação na região Norte do Brasil.
Exemplo disso foi o discurso feito pelo deputado estadual Pedro Satélite. Depois de dizer que o governo, cedendo a pressões de ongs e governos de outros países, tinha transformado o Pará num grande parque, lembrou o slogan do regime militar sobre a Amazônia, “integrar para não entregar”, e afirmou que se o Juruena fosse criado ele só traria mais miséria para a região. Mas foi o deputado José Riva que deu o tom dominante da oposição à criação do Parque na região. Ao invés de confrontá-la abertamente, preferiu investir na implantação de uma Floresta, estadual ou nacional, na região. Invocou até mesmo a ministra do Meio Ambiente para corroborar suas idéias.
Lembrou a aprovação do Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, que abriu à exploração econômica, em regime de concessão, de recursos florestais em terras do governo na Amazônia. Lembrou também as iniciativas de desenvolvimento sustentável – há dúvidas se são dignas deste nome – levadas a cabo por ela e o clã dos Vianna no Acre. “A ministra quer conciliar desenvolvimento econômico com meio ambiente”, disse Riva. “Ela sabe que não dá para deixar árvore de pé se as pessoas estiverem morrendo de fome. Por que não podemos criar uma floresta ali? Por que impedir o homem de usufruir dessa riqueza?”, perguntava.
Indenização
“Não há exploração madeireira na região que seria destinada ao Parque”, respondeu Brant. Ele mostrou que até mesmo por conta das dificuldades de acesso, a viabilização do corte por lá, ainda que não fosse impossível, demoraria muito tempo para acontecer. Disse também que mesmo com a criação do Parque, Apiacás ainda teria território suficiente para ensaiar seus passos rumo à expansão econômica. “Com o Juruena implantado, Apiacás ainda fica com tamanho proporcional ao de outros municípios no Norte do Mato Grosso”. Sobre a possibilidade de se criar no lugar uma Floresta, foi ainda mais enfático.
Primeiro, explicou que a área destinada ao Parque no Mato Grosso está em mãos privadas. “Não faz sentido o governo comprar essa área de mãos privadas para, num segundo momento, abri-la justamente à exploração de interesses privados. Se for para isso, melhor deixar como a coisa está”, disse. Quase ninguém deu ouvidos à sua explicação. Uma das exceções foi Gustavo Irgang, do ICV, uma ong com forte atuação na região e que é favorável à criação do Juruena. “Nós testamos a possibilidade de se fazer ali uma floresta. O Brant argumentou corretamente. Não há lógica em se desprivatizar a terra a um custo provavelmente alto para privatizar a sua exploração logo depois”, disse.
Irgang também concorda que a instalação de um Parque na região, até mesmo pela distância que está de Apiacás, não teria impacto econômico negativo no município. Ele vê na oposição ao Parque um sinal da preocupação do setor madeireiro na região com o futuro do estoque de árvores. “Aqui no entorno imediato de Apiacás acabou. Árvore para derrubar agora só se encontra a 70, 80 quilômetros daqui”, disse. Essa oposição ao Parque é em boa parte encorajada pelo medo que a floresta próxima vai sumir e que eles terão que, um dia, lançar mão das florestas próximas ao Juruena para continuar a atividade madeireira”.
Outro que também parece ter ouvido o que Brant dizia foi Luis Pedro Serafim, madeireiro importante no Norte do estado e que é dono de 81 mil hectares, comprados da empreiteira C. R. Almeida, bem na área que o Ibama quer destinar para o Juruena e que por conta da falta de recursos e da indefinição do futuro, ele acha que só poderia começar a estudar sua exploração num futuro distante. Na manhã seguinte à consulta pública, hospedado no mesmo hotel que o representante do Ibama, ele aguardava ansioso a sua chegada à mesa do café da manhã.
Quando Brant apareceu, não quis conversar sobre Floresta e nem insistiu que a criação do Juruena era um absurdo. Queria saber com que velocidade receberia uma indenização do governo federal por suas terras. Brant disse que caso ele e o Ibama chegassem a um acordo, o desembolso poderia ser feito em no meaximo um ano. Serafim parece ter gostado do que ouviu. Só que a política, que parece continuar sem condições de absorver a implantação imediata do Parque Nacional do Juruena, pode atrapalhar sua vontade de receber rápido uma indenização.
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