A reportagem Tubarão bom, é tubarão morto, publicada semana passada sobre a prática de se caçar tubarões a menos de um quilômetro das praias de Recife para prevenir ataques a banhistas, gerou polêmica. Além de comentários de leitores, O Eco recebeu um email na terça-feira, dia 18, do oceanógrafo Fábio Hazin, presidente do Comitê Estadual de Monitoramento dos Incidentes com Tubarões (CEMIT) e responsável pelo abate dos animais.
Ele defendeu que o trabalho do comitê “envolve uma profunda preocupação com a conservação dos tubarões e com a construção de uma solução equilibrada nos seus aspectos éticos, ecológicos, humanos, sociais e econômicos”. Reconheceu que a ação adotada é polêmica, mas argumentou tratar-se de um problema que coloca em risco vidas humanas. E lançou o seguinte dilema:
“Suponha que você é um gestor público e que na cidade em que você vive, há doze anos, vem se verificando um surto de ataques de tubarões com uma incidência próxima a 4 ataques por ano, com duas a três mutilações severas e uma a duas mortes. Suponha também que haja fortes indícios de que uma pesca seletiva com espinhel que resulte na captura de 8 tubarões tigre, 2 tubarões cabeça-chata e 1 tubarão galha-preta, por ano, reduzam fortemente esta estatística. Suponha, ainda, que essas espécies não se encontram ameaçadas de extinção, que essas 11 capturas representam uma fração diminuta (menos de 0,5%) do que já é rotineiramente capturado no Estado pela pesca artesanal e que todos os tubarões capturados serão estudados com o objetivo de melhor se conhecer a sua biologia. Ciente de que esta ação contribuirá significativamente para salvar vidas humanas e evitar mutilações, sem considerar os aspectos sócio-econômicos do problema, você decidiria pela implementação da mesma ou não ?”
O Ibama optou pelo sim. A situação descrita é a observada em Pernambuco desde 1992, quando foi registrado o primeiro ataque de tubarão a humanos no litoral do estado. O abate dos animais começou em maio de 2004 com uma autorização temporária concedida pelo Ibama. O documento vigora até hoje e não determina uma cota de tubarões a serem mortos. Para o coordenador de licenciamento do instituto em Recife, Reinaldo Tenório, impor um limite é irrelevante porque o número de animais mortos sempre será menor do que o número de espécimes capturados por pescadores na região. “Tenho total confiança no trabalho do pesquisador, não vou complicar a vida deles fazendo mais exigências”, disse, ao ressaltar que as espécies caçadas pelo comitê não estão ameaçadas de extinção. Em 21 meses de trabalho foram capturados 22 tubarões considerados agressivos. Sendo 16 tigres, 4 cabeças-chata e 2 galhas-preta.
O Ibama de Brasília também é a favor do projeto e assina embaixo da decisão tomada pelo orgão em Pernambuco. “Se a espécie não configura da lista de animais em perigo de extinção, então a coleta não é crime. Ela está sendo feita apenas para proteger a população”, afirma Hiram Vercilo, coordenador substituto de pesca.
Fábio Hazin é um dos principais especialistas em tubarão do Brasil. E a importância de seus estudos é reconhecida por diversos profissionais. Mas a opção de matar os animais para evitar ataques a banhistas não é aceita como a melhor solução. Otto Bismarck, biólogo especialista em tubarões e pesquisador da Unesp acredita que a saída encontrada por Hazin deveria ser usada em última instância. “A pesca é uma solução muito precipitada, só deveria ser feita caso nenhuma das alternativas como educação ou redes de contenção dessem certo”, afirma. Para Mauro Maida, oceanógrafo e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco a rede, apesar de ter uma manutenção cara, também seria a melhor alternativa. No momento, ele estuda a criação de uma rede que funcione como uma tela de exclusão que impossibilite o tubarão de passar, mas não imponha perigo a outras espécies marinhas. Ele também é a favor de se limitar as áreas de banho, apesar de admitir que a decisão acarretaria um problema econômico, especialmente por conta da diminuição do turismo.
Segundo Hazin, há doze anos é realizado um trabalho de educação ambiental em escolas públicas e privadas de Pernambuco no qual se ensina a importância dos tubarões para o ecossistema marinho e a necessidade de sua conservação. Também foram feitas campanhas em colônias de pescadores para dissuadir a comunidade a caçar o animal, principalmente quando acontece um ataque.
Quanto ao uso de redes, ele afirma que o Comitê é radicalmente contra. Essas redes, segundo o oceanógrafo, não são seletivas, podendo capturar todo o tipo de animais, como tartarugas marinhas. Além disso, a exemplo das que são usadas no litoral da África do Sul e da Austrália, são redes que emaranham o animal, que morre preso. O uso de painéis de proteção, que, ao contrário das redes, possuem uma malha quadrada e não flexível, que apenas impede a passagem já está sendo estudado e testes com o material estão previstos para maio.
Ainda assim, Hazin afirma que a rede “ jamais resolverá o problema, uma vez que jamais será possível, nem seria desejável, se cercar todo o trecho de risco”. Isso se deve, segundo ele, ao fato de ser “financeiramente e tecnologicamente impossível” cobrir toda a área que hoje é utilizada para banho e esportes no mar, já que as pessoas não respeitam os avisos de não nadarem em mar aberto. “Existem áreas que já são naturalmente protegidas pelos arrecifes, por exemplo. O problema é a falta de consciência das pessoas, que ultrapassam essas áreas”, afirma Hazin. O uso de redes ou painéis esbarra na questão financeira. “O custo para implantação e manutenção dessas redes é muito alto. Seria preciso que os orgãos públicos estivessem envolvidos com esse projeto”, complementa o pesquisador.
Por fim, volta a defender a caça dos tubarões agressivos como uma ação eficiente, apesar de admitir que há um custo ecológico envolvido. “ A pergunta que se impõe é se esse custo, nas suas dimensões atuais, é aceitável ou não, em relação aos ganhos ? Para que possamos responder adequadamente é importante que não deixemos de considerar o impacto ecológico que também resultaria do desemprego e perda de renda conseqüentes a um índice elevado de ataques. Devemos considerar, também, que a praia é a mais importante e mais democrática alternativa de lazer dos recifenses. Até o momento o CEMIT tem considerado que os ganhos tem compensado o custo ecológico”, conclui.
Os prováveis motivos que levaram tubarões a começar a atacar banhistas em Recife na década de noventa já foram assunto de duas outras reportagens em O Eco:
No rastro do sangue – por Regina Morais e Flávia Harten.
O revide dos tubarões – por Nicole Vergueiro.
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