A paixão pelas cores vibrantes, pelas vozes afinadas e formas graciosas das aves reuniu, na última semana em São Paulo, um grupo de pessoas para discutir o potencial turístico que os pássaros representam para o país. Nada de se restringir aos nomes em latim, às características de espécies e outros aspectos científicos. O Avistar – Encontro Brasileiro para a Observação de Aves é voltado para aqueles que gostam de ir para o mato e apreciar esses bichinhos, sem se prender exclusivamente ao conhecimento técnico-científico. Considerado um grande passo para o crescimento da atividade nos próximos anos, o encontro é o primeiro no Brasil destinado ao turismo amador. “O mais importante é trazer a observação do nível científico para o cultural. Acho que estamos de fato chegando a uma nova fase em relação às aves: a do amor por elas”, ressalta Guto Carvalho, organizador e idealizador do evento.
A idéia da realização do encontro tem origem curiosa. Surgiu de uma lista de discussões pela internet, a OrnitoBr, criada em 2001 por cinco ornitólogos de diferentes locais do país. Conforme crescia o número de participantes da lista, os moderadores foram notando um aumento no número de amadores presentes nos debates. Uma enquete mostrou que cerca de 25% dos membros não eram cientistas, simplesmente gostavam de observar aves. “Antigamente, fotógrafos e pessoas interessadas em pássaros tinham de procurar as universidades para tirar suas dúvidas. Hoje eles disponibilizam a imagem ou a descrição do animal na internet e algum especialista de plantão esclarece tudo”, comenta Fernando Straube, um dos criadores da OrnitoBR e ornitólogo da Sociedade Fritz Müller. O planejamento do evento também foi feito exclusivamente na rede. O balanço final mostrou mais de 3.170 e-mails enviados, além das inúmeras horas de conversa pelo Messenger.
Mercado tímido
O mercado de observação de aves no Brasil ainda é bastante discreto. “Se você for hoje para uma cidade, mesmo que seja desenvolvida, vai encontrar zero ou quase zero de estrutura para a atividade. Este encontro pode ser uma porta para que, nos próximos 10 anos talvez, o segmento tenha melhorado”, comenta Straube. A estrutura inclui às vezes detalhes pequenos, como o horário do café da manhã. Quem gosta de ver pássaros, madruga.
O objetivo principal do evento é chamar a atenção para esse filão que vem sendo descoberto lentamente por empresários do turismo. Israel Waligora, proprietário da operadora Ambiental Expedições, está no ramo há seis anos e conta que seu público principal é composto por estrangeiros. “Normalmente, são pessoas com mais de 40 anos, vindas da Europa e Estados Unidos, com bom nível socioeconômico. Na maioria das vezes, já vêm com uma lista de espécies que os interessa.”
Waligora diz que o segundo semestre do ano, período em que as aves são avistadas facilmente e cantam mais, é a época mais procurada pelos observadores estrangeiros. “Itatiaia, Foz do Iguaçu, Intervales, Ubatuba, Amazônia, Planalto das Guianas, Presidente Figueiredo e alguns pontos do cerrado são os locais preferidos”, relaciona. Um dos entraves para a observação de aves, segundo ele, é a carência de guias especializados. “Trabalhamos com uns dez guias, mas sempre estão com a agenda lotada. Os caboclos que moram nas regiões visitadas até suprem parte da demanda, mas muitos deles não falam inglês.”
O guia Bret Whitney, da companhia de turismo americana Field Guides, comprova com números a movimentação econômica que a atividade representa. Sozinho, ele traz ao país cerca de 90 birdwatchers por ano. Nas contas de Whitney, cada um dos turistas gasta, no Brasil, algo como 2.650 dólares por viagem. “O turismo ainda está na infância, mas será o grande futuro do Brasil”, aposta. Vitória da Riva Carvalho, proprietária do Cristalino Jungle Lodge (localizado na amazônia matogrossense, próximo à divisa com o Pará), concorda com a idéia da expansão da atividade. “Somente no ano passado, recebemos cerca de 650 observadores estrangeiros. Nos últimos três anos, a procura vem crescendo bastante.”
A tendência também pode ser observada nos parques estaduais e nacionais. O diretor do Parque Estadual Intervales (localizado na Serra do Mar, no sul do estado de São Paulo), Maurício Marinho conta que por ali a atividade vem sendo praticada com cada vez mais freqüência. A unidade de conservação, destino quase que obrigatório na lista de roteiros para a prática do birdwatching, possui cerca de 320 espécies de aves – muitas delas endêmicas da mata atlântica. Segundo ele, apenas dois estrangeiros visitaram a reserva em 2000. No ano passado foram 101. “Acredito que o Avistar vai nos trazer mais idéias para aprimorarmos nossas atividades. É um momento para aprendizado e intercâmbio.”
A observação de pássaros, além de aquecer a economia, é importante para incentivar a conservação. É um ciclo virtuoso. Ao passo que as pessoas começam a gostar das aves, passam a preservar a natureza. “No parque, pretendemos fazer um trabalho de educação ambiental utilizando a atividade. Vamos incentivar as comunidades locais a trocarem o estilingue pelo binóculo”, diz Marinho.
Falta de hábito
Apesar de o país ser um destino muito procurado por estrangeiros para a observação de pássaros, os brasileiros ainda não descobriram a graça da atividade. O ornitólogo Luiz Fernando de Andrade Figueiredo, do Centro de Estudos Ornitológicos (CEO), informa que, nos Estados Unidos, por exemplo, 20% da população são considerados birdwatchers. “O número dos que têm simpatia por aves é mínimo aqui. Mas acredito que agora a moda esteja pegando.” Na opinião dele, a falta de hábito é decisiva para explicar o desinteresse.
Guto Carvalho conta que o início da atração pelos pássaros normalmente segue um caminho específico. “As pessoas começam a fotografar a natureza de forma geral, depois vão para as plantas e, quando viram, já morderam a isca. Aí começam a gostar de observar aves.” Outro perfil, de acordo com o ornitólogo Fernando Straube, são os apaixonados desde a infância. “Muitos começam a gostar bem cedo.” Mesmo com o interesse ainda pequeno, existe quem ache que a consciência ambiental do brasileiro está melhorando. “Quando eu era criança e assistia ao ‘Sítio do Pica Pau Amarelo’, o Pedrinho matava passarinho com estilingue. Hoje não vemos mais isso. Ainda assim, temos muito que melhorar quando o assunto é conscientização”, opina caio Graco, presidente da Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO).
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