Diferente de alguns de seus colegas, o cientista Thomas Lovejoy não tem medo de participar da discussão pública sobre meio ambiente e sobre as medidas que podem e devem ser tomadas para protegê-lo. Ao contrário: ele acredita no dever do cientista de levar ao público aquele conhecimento que só ele tem. Passando por São Paulo para a inauguração da Cátedra Paulo Nogueira-Neto da Universidade São Marcos, ele falou com O Eco sobre temas controvertidos como a conservação da Amazônia, aquecimento global e soluções de mercado para questões ambientais.
Lovejoy é biólogo, especialista em ecologia, doutor pela universidade Yale. Seu envolvimento com a bacia amazônica começou em meados da década de 60, quando ainda estava na faculdade. O jovem cientista sonhava com aventura e planejava trabalhos de campo nas montanhas do leste da África quando recebeu, em 1965, o convite para passar oito semanas na Amazônia brasileira, através do Instituto Evandro Chagas e do Museu Goeldi. Foi, segundo ele, uma grande desafio. Naquela época só havia uma estrada na região, e quase nenhum biólogo. Havia somente um estudo sobre a ecologia amazônica do Peru.
O que não quer dizer que a fragilidade do ecossistema amazônico fosse desconhecida. Os cientistas já sabiam disso, mas o tema não havia chegado aos jornais. Lovejoy ajudou a popularizar o assunto. Em 1972, escreveu e publicou nos Estados Unidos um artigo com o título “Transamazonica: Highway to Extinction?”. Naquele momento a experiência da Belém-Brasília já mostrava que a abertura de estradas na região levava à colonização instantânea e, consequentemente, ao desmatamento.
O desafio de controlar o acesso e evitar esse desmatamento “espontâneo” persiste até hoje. Lovejoy aplaude iniciativas como a criação de áreas de contenção ao redor de novas estradas. Mas o desafio é grande. O imperativo do desenvolvimento econômico, a expansão da agricultura, a demanda chinesa por grãos exerce enorme pressão sobre o meio-ambiente. Os grandes projetos de infra-estrutura facilitam o acesso e dificultam o esforço de contenção.
Mudanças irreversíveis
O problema que o governo não vê é o custo dessa destruição. Lovejoy mostra-se particularmente preocupado com o efeito do desmatamento da Amazônia sobre o regime de chuvas não só da região como do resto do Brasil. As chuvas dependem da evaporação da floresta. Esse fato não é novidade – Enéas Salati fala no assunto faz 25 anos – mas só recentemente se comprovou a dependência de outras regiões do Brasil. Lovejoy teme o que pode ocorrer quando se combinarem os efeitos do El Niño com a mudança no ciclo hidrológico em um ano de seca.
Com 17% da floresta amazônica desmatados, Lovejoy teme que já tenhamos ultrapassado o ponto de não retorno do ciclo hidrológico. O que nos leva à questão inevitável da importância ou futilidade dos esforços conservacionistas. Ele certamente tem experiência suficiente para uma reflexão informada sobre o assunto. Seu envolvimento com o conservacionismo veio naturalmente. Em 1973 ele soube que o World Wildlife Fund (WWF) estava procurando um coordenador de projetos e se candidatou pensando em ficar talvez dois anos por lá. Foram 14 anos, seguidos por períodos na Smithsonian Institution, no Banco Mundial e agora no Heinz Center.
Sua passagem pelo WWF coincidiu com o momento de maior expansão e ascendência intelectual e política do ambientalismo nos Estados Unidos. A Conferência de Estocolmo aconteceu em 1972, inaugurando uma era em que leis pioneiras e de efeitos profundos foram criadas. Como o Clean Air Act, Clean Water Act e o Endangered Species Act, só para citar as mais conhecidas. As Ongs ambientais também ganharam tamanho e importância nesse período. O WWF, por exemplo, cresceu de seis para 75 pessoas no período em que Lovejoy trabalhou lá.
Lovejoy defende a diversidade na sociedade civil, pois para ele cada um tem um papel diferente para interpretar. E cita o caso de Russell Train, que ocupou importantes cargos no governo Nixon e teve papel fundamental na passagem da legislação mencionada.Ele costumava dizer que as posições extremas de gente ligada ao Sierra Club faziam com que as suas posições parecessem razoáveis.
O clima intelectual mudou bastante de lá para cá. Talvez o tema meio ambiente não tenha hoje a prioridade que merece, mas tem uma dimensão que não tinha 20 anos atrás, segundo Lovejoy. Mesmo nos Estados Unidos, onde o governo não parece muito interessado no assunto, está havendo uma mudança muito grande de atitude. Principalmente com relação à mudança climática. As corporações, governos de estados e pessoas comuns têm consciência do problema e estão tentando fazer algo a respeito.
Boa oportunidade
Lovejoy acha que o governo americano erra ao encarar mudança climática como um problema. Deveria ser vista como oportunidade. É o que o estado de Nebraska, segundo ele, está fazendo ao pagar fazendeiros para fazer agricultura que fixa carbono no solo. Ele acha ainda que um engajamento maior dos Estados Unidos com o tema virá com uma mudança política em Washington. Acredita que o meio ambiente será um dos grandes temas da próxima eleição presidencial americana.
Os sinais de que o assunto é sério continuam a surgir. No dia sete de junho, o jornal International Herald Tribune publicou artigo de Lovejoy sobre a ameaça representada pela crescente acidificação dos oceanos, causada pela presença cada vez maior de gases do efeito estufa na atmosfera, e em particular de dióxido de carbono. A acidez das águas prejudica o desenvolvimento de moluscos e corais, com efeitos profundos sobre toda a cadeia alimentar dos oceanos.
É preciso agir rapidamente, escreve Lovejoy, para estabilizar os níveis de gases do efeito estufa. Mas como fazê-lo, se o único processo político com esse objetivo, o protocolo de Kyoto, parece morto? Pode haver aí uma oportunidade, diz Lovejoy. O seu bom senso lhe diz que quando o que está em jogo é o planeta, é preciso levar o problema a sério. Espera que não sejam necessárias grandes catástrofes para acordar o mundo para isso. E acredita que o re-engajamento americano no processo de negociações possa vir a trazer o impulso necessário para começarmos a considerar as medidas necessárias, muito mais sérias do que os modestos objetivos de Kyoto. Para Lovejoy, o que precisamos é de um programa mundial de emergência para mudar a nossa base energética. Ele acredita que a primeira pessoa que falar nisso será tratada como louca, mas esse é o preço do pioneirismo.
A perda acelerada de biodiversidade é outro perigo da mudança climática. Lovejoy sofreu pesadas críticas por ter divulgado projeções que mostravam níveis alarmantes de extinções de espécies dado o ritmo atual de destruição de habitats. O meu objetivo ao divulgar essas projeções não era acertar no alvo, diz ele. Pelo contrário: o objetivo é mudar tendências.
O que nos traz novamente à questão do papel do cientista na sociedade. Lovejoy é uma personalidade influente, e teve papel decisivo, por exemplo, na criação de mecanismos de conversão de dívida externa em projetos de conservação, na arrancada do Tratado de Cooperação Amazônica, sob liderança brasileira, e na inserção do tema biodiversidade na agenda do Banco Mundial. Ele também ajudou a colocar o assunto na mente do público estimulando a criação da série Nature, do sistema de televisão público dos EUA. Uma iniciativa importante, pois uma população urbanizada muitas vezes não conhece a riqueza que está perdendo através da destruição do mundo natural.
A ênfase na educação deve estar também dentro das universidades. O desafio é romper as barreiras disciplinares, fazendo com que especialistas de diversas áreas de conhecimento trabalhem juntos. É o que ele espera que seu amigo Paulo Nogueira-Neto consiga fazer na São Marcos.
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