A Estação Ecológica Águas Emendadas, a 50 quilômetros de Brasília, é uma unidade de conservação ao mesmo tempo diferente e igual a todas as outras. Quando é praticamente regra no Brasil ter imensas áreas protegidas por pouquíssimo pessoal, Águas Emendadas é uma pequena área de Cerrado de 10.547 hectares cuidada por nada menos que 106 profissionais, entre bombeiros, policiais e administradores do governo do Distrito Federal. Tem também um invejável orçamento: cerca de R$ 5 milhões para custear recursos humanos, equipamentos e manutenção. Por outro lado, o que torna este naco de terra com suas grandes veredas margeadas de buritis semelhante a muitas unidades de conservação são os problemas que a rodeiam.
Águas Emendadas se tornou uma ilha. Mas é como uma ilha ao contrário: muita água rodeada por terra, infelizmente terra degradada. O nome da área se deve a uma vereda de seis quilômetros de onde nascem dois corrégos, o Brejinho e o Vereda Grande. A importância das nascentes, e dos riachos que saem delas é enorme. Eles alimentam as bacias de dois dos maiores rios brasileiros, o Tocantins e o Paraná. Um decreto estadual de 1968 reconheceu a relevância do local e criou a Estação Ecológica, uma categoria de unidade conservação que permite apenas visitas autorizadas e com fins educativos. Este primeiro ato protegeu apenas 5 mil hectares. Mas em 1988 a Estação obteve seu tamanho atual, quando um novo decreto englobou a Lagoa Bonita, a maior lagoa natural do Distrito Federal.
É exatamente no momento em que se visita a área mais nova de Águas Emendadas que a imagem da ilha começa a se formar. Gilvan Luis de França, chefe de brigadas da estação ecológica, mostra, quando olhamos do alto da varanda do centro de educação ambiental, uma fazenda de produção de grãos colada aos limites da área protegida. “Não há reserva legal?”, pergunto ao notar no campo apenas algumas manchas verdes. “O proprietário está dizendo que aquele trecho é a reserva legal”, diz Gilvan apontando para um triângulo de Cerrado denso, que, segundo ele, é uma região que pertence à estação ecológica.
O proprietário citado é o antigo dono da Lagoa Bonita, e que ali também deixou marcas profundas. Ainda do alto, vemos um contraste de vermelho e verde escuro rodeando a lagoa cheia de buritis, como se o campo fosse um quadro de pintor impressionista. “É uma praga”, informa Gilvan. “Capim gordura e braquiária.” Antigo local de pastagem, o núcleo da Lagoa Bonita de Águas Emendadas está tomado por espécies exóticas. Descemos da varanda para dar uma volta em toda lagoa. Em determinado ponto se vê uma série de tanques cheios da água, onde antes se cultivava peixes, principalmente tilápia e tucunaré.
O trabalho para tentar recuperar o Cerrado e combater as espécies exóticas nem começou. A Estação Ecológica ainda não tem plano de manejo. Segundo o gerente de Águas Emendadas, Aylton Lopes Santos, a elaboração do plano ocorrerá ainda este ano. O governo do Distrito Federal já prepara o edital que contratará os consultores. Também está sendo formado o conselho consultivo da área. Conforme o Artigo 29 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (9985/2000), toda zona protegida deve formar um fórum com autoridades e representantes da sociedade civil.
No caso de Águas Emendadas, destaca Aylton, o diálogo com quem vive no entorno será importante. As cidades de Sobradinho e Planaltina sobrevivem com água captada na estação. Por outro lado, há corpos da água que passam em fazendas e que correm na direção contrária, ou seja, para dentro da área protegida. Já há uma preocupação, conta o gerente de Águas Emendadas, de que água contaminada de insumos agrícolas possa estar atingindo os riachos preservados.
Zona de amortecimento Contudo, o tema quente do futuro conselho consultivo já está em pauta: a zona de amortecimento da estação. Os mineradores da região, que extraem principalmente areia, não entendem porque uma unidade de conservação necessita também de um cinturão preservado extrapolando os limites já demarcados. Em 2003 aconteceu um bom exemplo. Um grande incêndio consumiu 40% da vegetação da Lagoa Bonita, vulnerável devido à proximidade com estradas e fazendas. Águas Emendadas não é apenas importante por suas nascentes. Lá encontram-se conservadas as variações típicas do Cerrado: o cerradão, matas de galeria, campos cerrados, campos limpos e sujos.
A zona de amortecimento, explica Ayton, também levaria à reflexão sobre o papel que estão exercendo as quatro rodovias (BR-020, 345, 205 e DF 28) que cercam a estação ecológica. Cobras e veados são constantemente atropelados. Vivem na área protegida espécies em risco de extinção, como o lobo-guará e o tamanduá-mirim, também vítimas das rodovias. O gerente da estação diz que no plano de duplicação da BR-020, a estrada que liga Brasília a Palmas, uma passagem subterrânea de animais será implementada. “Não sabemos se vai funcionar, acho que o trabalho é de conscientização, pois muito motoristas atropelam os animais de propósito”, revela Aylton.
Outra ação importante para consolidar a estação ecológica seria anexar uma área de 400 hectares que se encontra bem em frente ao portão principal da unidade. Apesar de estar bastante degradado, o local é usado para a reprodução de lobos-guará, tanto que ali existe uma fazenda chamada Toca da Raposa. A área já está ocupada por um acampamento do Movimento dos Sem Terra (MST), e segundo Aylton, o Incra anunciou a intenção de lotear o terreno. “O fracionamento da terra seria pior do que a fazenda que já existe, pois traria mais pessoas para o entorno da estação”, reclama.
O gerente de Águas Emendadas tem uma história única com a estação. Nos anos 70, ainda criança, ele morou dentro da área protegida, pois seu pai era funcionário. Depois ele voltou no fim dos anos 90 para trabalhar lá e, em 2003, após se formar em administração tornou-se gerente. Para ele é nítido que a fauna da unidade de conservação está sendo afetada pela degradação ambiental nas redondezas. Lobo-guará, diz ele, via-se aos montes por ali. Hoje, estima-se que existam só 10 dentro de Águas Emendadas. Há pouco tempo, encontraram quatro atropelados. “Só lamento pelas gerações futuras. Não vão ver o que eu vi”, pontua Aylton.
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