Reportagens

Desfazendo a má fama

Redes de monitoramento da qualidade do ar não funcionam bem no Brasil. São Paulo, por ter uma medição pouco mais eficaz, leva sozinha a fama de cidade poluída.

Aline Ribeiro ·
14 de julho de 2006 · 18 anos atrás

“Todos fazem xixi dentro da piscina. A diferença é que São Paulo faz de cima do trampolim”. Foi essa a metáfora que o médico patologista Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), utilizou para dizer que a poluição do ar, ao contrário do que muitos pensam, não é um desprivilegio da capital paulistana. “A diferença é que aqui os níveis de gases são medidos com pouco mais eficácia e a poluição fica visível.” Em outras cidades brasileiras, os programas de monitoramento são ainda mais precários do que o do estado de São Paulo. Isso quando eles existem de fato. Dos 27 estados do país, apenas oito têm redes de medição – a maioria concentrada nas regiões metropolitanas. Um ou outro município interiorano tem estação de monitoramento. Ou seja, muitos não deram sequer o primeiro passo para resolver um problema que atinge milhões de pessoas.

O Eco realizou um levantamento em busca de informações como números de estações de medição em cada estado, profissionais envolvidos, idade dos programas, tipos de poluentes monitorados e dados gerados diariamente. O resultado não foi nada agradável. Das poucas cidades que se preocupam em saber o que as pessoas andam respirando, pode-se dizer que nenhuma tem um programa que funcione satisfatoriamente. “Não existem dados consistentes e séries históricas de informações para entender a evolução dos níveis de emissão. O governo, em geral, não tem esse tipo de preocupação”, avalia Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em questões relacionadas à qualidade do ar. Apesar da passividade do poder público, a resolução 003/1990 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) determina que “o monitoramento da qualidade do ar é atribuição dos estados.”

As estações de medição da poluição são divididas entre automáticas e manuais. A primeira monitora poluentes como fumaça, partículas totais em suspensão (PTS) e material particulado (MP). Trocando em miúdos, são esses os equipamentos que quantificam os níveis de poeira existentes no ar. Já as estações automáticas monitoram níveis de gases como monóxido de carbono (CO), ozônio (O3), dióxido de enxofre (SO2) e dióxido de nitrogênio (NO2). “São mais ágeis do que a manual. Elas ficam distribuídas em diferentes pontos da cidade e captam a poluição produzida por veículos, indústrias e outras fontes. Os dados são enviados por linhas telefônicas e depois disponibilizados no site, em forma de boletins”, explica Jesuíno Romano, gerente da Divisão de Avaliação da Qualidade do Ar da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), órgão que mede as emissões no estado de São Paulo.

Insuficiente

Nos oito estados brasileiros (São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Pernambuco, Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro) que medem as taxas de poluição atmosférica, existem hoje cerca de 180 estações de medição, entre automáticas e manuais – segundo levantamento de O Eco. Não há um parâmetro que indique o número ideal de estações por área ou número de habitantes, mas especialistas dizem considerar o cenário brasileiro insatisfatório. “Não é suficiente. Precisamos saber quem são os responsáveis pelos gases poluentes que a população está respirando. Sem medições eficientes, não dá para responder a essa pergunta”, opina André Ferreira, consultor da Fundação Hewlett para assuntos sobre a qualidade do ar nos grandes centros.

A pesquisa de O Eco mostra ainda que a coleta de dados, em muitos locais, não é contínua. Em Recife e Brasília, que não possuem estações automáticas, as informações são geradas semanalmente. “O monitoramento é intermitente em muitos municípios”, atesta Paulo Artaxo. Para ele, São Paulo é o único estado cujo programa pode ser chamado de rede de monitoramento, mas também apresenta restrições. “Deixa a desejar em relação ao que é necessário. Hoje são 19 estações automáticas funcionando na região metropolitana. Para uma cidade desse tamanho, o número de estações é extremamente reduzido.”

Na opinião de Artaxo, cidades de médio e pequeno portes do interior do estado também deveriam medir seus índices de emissões. “Paulínia, que tem diversas refinarias, e regiões como a de Ribeirão Preto, com vastas plantações de cana-de-açúcar, precisam prestar atenção na poluição. Não dá para fazer isso sem que haja monitoramento constante da qualidade do ar.”

O físico da USP diz acreditar que um dos principais entraves para o aprimoramento das redes de medição no Brasil é a falta de políticas públicas mais rigorosas. “Se uma cidade brasileira ultrapassa os limites de poluição estabelecidos pelo Conama, não acontece nada. É a mesma coisa de dizer que não pode matar, mas não botar na cadeia aquele que cometeu o crime. Nos Estados Unidos, a cidade é declarada “nonattainment” e sofre sanções. Deixam de receber dinheiro por causa disso.”

O custo dos equipamentos é outro empecilho para a expansão e melhoria das redes. André Ferreira estima que uma estação completa de monitoramento da qualidade do ar deve custar em torno de US$ 3 milhões. “Num país com problemas na educação e saúde, é complicado convencer que a poluição atmosférica é questão prioritária.”

Não está sozinha

Estudo do IBGE mostra que a poluição dos grandes centros não se restringe a São Paulo. Divulgado em 2004, o levantamento é o mais recente do IBGE e traz dados que permitem comparar os níveis de poluentes nas cidades brasileiras que apresentam programas de medição do ar. Segundo a pesquisa, a Região Metropolitana de São Paulo, em 2003, atingiu 377 microgramas/m³ como máxima concentração de partículas totais em suspensão (PTS). Enquanto isso, Brasília teve o pico de 861 microgramas/m³, sendo que o nível tolerado pelo Conama para esse poluente é de 240 microgramas/m².

Quando o assunto é emissão de dióxido de enxofre (SO2), quem sai na frente é Camaçari, cidade da Região Metropolitana de Salvador (BA). Enquanto São Paulo apresentou índice máximo de 62 microgramas/m³ em 2003, Camaçari alcançou 525 microgramas/m³. O Conama estabelece o valor limite de 365 microgramas/m³. Esses são só alguns exemplos para mostrar que, enquanto os estados não se capacitarem para medir a poluição atmosférica, a capital paulista continuará levando a fama sozinha.

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