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Agonia de um rio

Outro acidente ambiental mata milhares de peixes no rio dos Sinos e revela a urgência de frear o despejo de esgoto e resíduos num dos leitos mais castigados do Rio Grande do Sul.

Andreia Fanzeres ·
9 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

Às 17h do último sábado, crianças a bordo de um barco-escola tiveram uma aula prática de educação ambiental. Testemunharam, em primeira mão, a tristeza de mirar uma espessa camada formada por milhares de peixes mortos a boiar no rio dos Sinos, no município de Sapucaia do Sul, a pouco menos de 20 quilômetros de Porto Alegre. A cena não estava prevista no roteiro de excursão criado pelos instrutores do Instituto Martim Pescador, que ao fim do passeio ligaram para o órgão ambiental do estado para relatar uma das maiores mortandades já registradas no rio.

De Arroio Portão (pequeno rio localizado na parte mais poluída do rio dos Sinos) até a foz, pelo menos 15 quilômetros do leito do rio dos Sinos ficaram comprometidos. Pior: é época de piracema, quando os peixes começam a nadar contra a corrente para reprodução. De acordo com o biólogo Jackson Muller, diretor técnico da Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente (Fepam), até a tarde desta segunda-feira foram identificadas no mínimo dez espécies de peixes afetados, entre traíras, dourados, pintados, piavas, grumatãs e lambaris.

O rio dos Sinos corre por 190 quilômetros e cruza uma das principais regiões econômicas do Rio Grande do Sul, a grande Porto Alegre. Recebe os efluentes de 32 cidades e abastece cerca de 1,3 milhões de pessoas. Segundo Uwe Schulz, biólogo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) que há 10 anos estuda a ictiofauna da região, mortandades se tornaram eventos comuns, mas não na escala atual. “A situação crítica no rio dos Sinos se repete na época de estiagem, quando o nível da água é baixo e, de repente, ocorre uma enxurrada. Isso eleva abruptamente a quantidade de água e remexe o fundo, deixando o rio sem oxigênio, o que provoca a mortalidade dos animais”, relata.

Eventualmente, essa revolução no substrato pode levar à tona materiais pesados depositados há anos, ainda que, na opinião de Schulz, a maioria das indústrias tenha passado a cuidar bem melhor de seus efluentes nos últimos 20 anos. No entanto, nem esse histórico de agressões parece suficiente para explicar o aparecimento repentino de tantos peixes mortos.

Ao longo de Arroio Portão, existem pólos industriais dos setores alimentício, químico e de couro. A região está tão saturada de empreendimentos poluidores, e que necessitam de água, que a própria Fepam proibiu a instalação de novas empresas ou a ampliação das existentes desde o ano 2000. Agora, uma equipe de técnicos da fundação iniciou um trabalho de vistoria nas 40 maiores empresas para saber em que condições estão sendo lançados resíduos industriais no rio. No entanto, Muller admitiu que ficaram de fora as menores, exatamente as que não dispõem de qualquer licenciamento ambiental.

Esgoto sem tratamento

Para o pesquisador da Unisinos, o problema maior vem do esgoto das cidades que ficam às margens do rio. “À exceção do município de São Leopoldo, nenhuma outro trata os efluentes domésticos antes de lançá-los no rio dos Sinos”, diz. A Fepam admite que até agora as prefeituras não receberam quaisquer punições por continuarem a despejar esgoto sem tratamento. A sensação de impunidade também é conhecida por Schulz. Ele diz que durante todo tempo em que estudou a região jamais presenciou a responsabilização de algum empreendimento após as freqüentes mortandades de peixes. “Nem o governo do estado nem ninguém está preparado para lidar com emergências como esse acidente”, diz o pesquisador. O diretor técnico da Fepam afirmou que cada evento desses estimula o aumento da fiscalização, “mas nesse caso não foi suficiente”, reconhece.

Muller acredita que pode ter havido uma confluência de fatores, como baixa disponibilidade de oxigênio associado a um represamento natural do rio dos Sinos ao desembocar no lago Guaíba. Segundo ele, por mudanças na direção dos ventos e na vazão, o rio dos Sinos ficou parado desde a última sexta-feira, o que “aparentemente impossibilitou a diluição da carga de poluentes lançados através do Arroio Portão”, informa nota técnica do órgão. O professor Schulz, no entanto, não crê que a causa do desastre ambiental possa ser atribuída a esse represamento. “Peixe não morre pelo vento, mas por falta de oxigênio devido a lançamento de poluentes”, atesta.

Desde o fim de semana, equipes da Fepam trabalham para recolher amostras de oxigênio dissolvido no rio dos Sinos, além de efluentes e peixes para análise. Muller acredita que até a próxima quinta-feira, dia 12 de outubro, os primeiros resultados saiam sobre as causas do acidente. Henrique Pietro, presidente da ONG Instituto Martim Pescador informou que vai entregar ao Ministério Público Estadual uma cópia do relatório da Fepam para que ele também tome as providências necessárias.

O órgão ambiental do estado informou ainda que espera colaboração da população que vive ao longo do rio dos Sinos no fornecimento de mais dados que possam ajudar a elucidar os motivos imediatos do acidente através do telefone 51-99827840 e de seu site oficial.

*Colaborou Mariana Menezes.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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