O Ministério do Meio Ambiente (MMA) acaba de divulgar um novo mapa sobre áreas de relevância biológica para a Amazônia. O documento vai servir como referência para discussão de representantes da sociedade civil a partir da semana que vem para que sejam estabelecidas as novas áreas prioritárias para conservação na região amazônica até o fim do ano.
Por enquanto, o que se tem é um mapa preliminar, elaborado depois de uma oficina técnica que reuniu quase noventa especialistas, entre representantes de ONGs, de centros de pesquisa e do governo, em Cuiabá, em setembro. Na ocasião, eles passaram cinco dias debruçados sobre mapas, bancos de dados e programas de computador num esforço de integrar conhecimentos para definir o que deve estar no topo das preocupações de preservação na Amazônia nos próximos anos.
Para reunir tantos dados diferentes, o governo adotou uma metodologia conhecida como PSC – Planejamento Sistemático para Conservação, aprovada pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio). Na primeira etapa, foram definidos alvos e metas. “Os alvos são propriamente os locais relevantes para biodiversidade, como espécies ou ecossistemas inteiros. As metas, por sua vez, são percentuais de proteção para cada um desses alvos, usando um software de sistemas de informações geográficas”, explica Rogério Azevedo, representante da secretaria de biodiversidade e florestas do MMA.
Os pesquisadores elegeram áreas consideradas insubstituíveis para biodiversidade na Amazônia hoje, que no mapa foram ilustradas em vermelho. “Precisamos dessas áreas se quisermos atingir nossa meta de conservação”, explica Ronaldo Weigand, coordenador do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) no MMA. À exceção das áreas em azul, que marcam as unidades de conservação de proteção integral existentes, as demais cores representam locais também importantes para biodiversidade, mas que poderão ou não ser apontadas, no fim do processo, como áreas prioritárias. “Não vamos abandonar, mas temos que escolher algumas delas para compor um cenário”, diz Weigand.
Apesar da presença de organizações sociais e de setores do governo preocupados com a ocupação da Amazônia, na oficina técnica não foram inseridas informações sócio-ambientais no sistema, que é capaz de consolidar os dados segundo múltiplos critérios. Em função disso, a representante do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado de Populações Tradicionais (CNPT) do Ibama, Daise Siqueira, retirou-se formalmente do encontro e, na opinião dos presentes, esse foi o ponto mais polêmico da reunião.
Valor biológico para tradição
A discussão se instaurou quando surgiram as propostas de considerar conhecimento tradicional como patrimônio biológico, algo refutado pelo representante do MMA. “O objeto de conservação da biodiversidade não pode ser a população”, argumenta Azevedo. Embora ele reconheça que critérios sociais serão contemplados nas próximas reuniões, em Cuiabá foi impossível aproveitar as informações dos setores mais voltados para o social. “Por mais que haja populações já identificadas e que já utilizem algum recurso natural, as pessoas não souberam dizer onde ele ocorre ou em que quantidade”.
Daise, que declarou ter como princípio não falar com jornalistas, esclareceu através da assessoria de imprensa do Ibama que decidiu sair da reunião mais cedo porque o grupo que organizava as informações no sistema estava com uma posição fechada. Por isso, ela justificou que as discussões não “poderiam avançar”. Deixou duas pessoas do CNPT acompanhando o encontro e não deu mais explicações.
Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), acredita que faltaram esclarecimentos quanto à forma de inserção de dados no sistema porque a metodologia escolhida não aceitava as demandas levadas pelas organizações sociais. “Quando chegamos à oficina não estava claro de que modo as propostas das populações seriam consideradas” diz. Mas para ela, o ISA poderá participar mais na segunda fase do processo de seleção das áreas prioritárias, que começa semana que vem. Nos seminários regionais, com base no mapa de áreas prioritárias, a sociedade será convidada a discutir ameaças – como interesses minerários, pressão humana, asfaltamento de rodovias, construção de hidrelétricas – e oportunidades, como potencial turístico, tradicional ou econômico de determinada área. Afinal de contas, o objetivo é que no final do processo o governo tenha em mãos a atualização do mapa das áreas prioritárias para conservação, uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade brasileira.
Isso significa que até mesmo as áreas assinaladas em vermelho, as insubstituíveis, podem ser futuramente alvo de políticas de proteção não necessariamente integral. Ou seja, podem virar unidades de conservação de uso sustentável ou de manejo apenas. Weigand não vê contradição nisso. “O uso sustentável também protege”, diz. “Embora não exista nenhuma outra área que contenha aqueles aspectos da biodiversidade, eles podem ser resistentes a algum uso sustentável dependendo do que há na região”, opina o coordenador do Arpa.
Na prática, este mapa de áreas relevantes da Amazônia reforça as áreas apontadas como prioritárias para conservação em 1999 e que vigoram, por lei, 10 anos. Mas, na opinião de Weigand, também identifica novas zonas importantes, como o entorno de Belém e da capital do Amapá. “A região ao longo da BR-319 (Porto Velho-Manaus) não estava tão marcada como agora. Este mapa também valoriza áreas de várzeas, ao longo dos rios, onde se sabe que existe agricultura tradicional, o que demonstra a necessidade de combinar essa prática à conservação”.
O próximo encontro acontece em Brasília entre os dias 24 e 27 de outubro. Foram convidadas cerca de 150 pessoas, entre governo federal, estaduais, municipais, representantes de centro de pesquisa, empresários, universidades, organizações sociais e ambientais de Maranhão, Tocantins, Rondônia e Mato Grosso. Depois, entre os dias 6 e 9 de novembro, Belém sediará a segunda reunião regional, que envolve Acre, Amazonas, Roraima, Amapá e Pará.
Segundo Azevedo, terminadas as etapas dos seminários regionais, a intenção do MMA é estar com o mapa das áreas prioritárias finalizado em dezembro e submetê-lo à aprovação da Conabio para, em seguida, embasar um decreto federal que reconheça a importância dessas áreas e estabeleça ações prioritárias.
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