“Responsabilidade comum, porém diferenciada” é a expressão do Protocolo de Quioto que a diplomacia brasileira defende com mais esmero. Este apego, no entanto, tem gerado turbulências nas negociações da 12ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 12), que se iniciaram há uma semana em Nairóbi, no Quênia. As disputas giram em torno de qual o grau de responsabilidade que uma nação em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, deve ter. Pelos sinais dados até agora por nossa delegação, é improvavel que o país aceite compromissos formais de redução de emissão de gases estufa.
A resistência brasileira é evidente no grupo que negocia o Artigo 9 do Protocolo de Quioto. O tópico prevê que o tratado internacional poderá sofrer uma revisão para que novas metas sejam estabelecidas. O que se tenta em Nairóbi com esta revisão, é avançar para as metas pós-2012, quando estará terminada a primeira fase de Quioto. As organizações não-governamentais e os institutos de pesquisa alertam que quanto mais rápido for feito este arranjo, mais chances haverá de se adotar medidas que realmente tenham efeito sobre o aquecimento global.
Como relatórios recentes comprovam que nações como China, Kuwait e Coréia do Sul já têm uma participação notável nas emissões globais, é grande a possibilidade dos países ricos cobrarem compromissos dos emergentes para aceitarem maiores metas para si próprios no futuro. É aí que o Brasil começa a implicar. Os diplomatas brasileiros defendem que este não é o momento de discutir se Quioto terá metas para os países em desenvolvimento. Antes de tudo, alegam, os ricos devem mostrar se são capazes de alterar suas economias altamente poluentes.
Foi esta interpretação que fez com que a rede internacional de ONGs Climate Action Network (CAN), premiasse o Brasil com o troféu “Fóssil do Dia”. Diariamente, o país que mais emperra as negociações em Nairóbi recebe a menção. Segundo a CAN, o Brasil ganhou o primeiro lugar na sexta-feira passada (dia 10) por ter usado uma “racionalidade espúria para egoisticamente prevenir o uso do Artigo 9 para ampliar a proteção ao clima no período pós-2012.” “O Brasil”, finalizaram as ONGs, “esforça-se para atrasar qualquer discussão séria sobre como os países em desenvolvimento podem contribuir para o Protocolo de Quioto”.
“O Brasil acha que pode escapar de qualquer novo compromisso nesta rodada, e só começar a negociar na próxima fase, assumindo mais compromissos só em 2016”, avalia o especialista em mudanças climáticas do Fórum Brasileiro de ONGs Mark Lutes. Segundo ele, a delegação brasileira vem insistindo que os países desenvolvidos, que fazem parte do Anexo II do protocolo, continuem a atuar apenas com medidas voluntárias. Este é o sentido, por exemplo, da principal proposta levada ao Quênia pelo Brasil: um fundo para o desmatamento evitado.
Meio termo
Na visão do governo brasileiro, o fato de nos dois últimos anos o Brasil ter reduzido em 52% a sua taxa de desflorestamento na Amazônia, já mostra um compromisso com o combate às mudanças climáticas. De acordo com a proposta de desmatamento evitado, essa redução deveria ser premiada por recursos de um fundo provido com dinheiro dos países desenvolvidos. A dúvida, entretanto, é saber se os ricos vão aderir ao fundo sem que existam sanções às nações em desenvolvimento.
Para Rubens Born, da organização Vitae Civilis, ter apenas medidas voluntárias é assumir o risco de não solucionar o problema do aquecimento global. Em sua opinião, as nações em desenvolvimento, reunidas no Grupo dos 77 (G77) deveriam definir a partipação de cada país nas mudanças climáticas e assumir compromissos formais de longo prazo. “O Brasil não pode ficar na retranca, se defendendo o tempo todo, esperando que uma pressão de fora para dentro cobre mudanças”, diz . Segundo ele, é preciso começar a preparar as empresas, os governos locais para metas futuras.
Lutes argumenta na mesma linha. Aceitar compromissos além do simples voluntarismo não significa receber metas arrojadas imediatamente. Pode haver um meio termo. Poderia se ter um objetivo de ampliação do mercado doméstico de carbono ou políticas específicas para setores intensivos em carbono. É possível ainda estabelecer um índice de mudança na intesidade de carbono gerado pelo Produto Interno Bruto (PIB) do país sem que haja sanções num primeiro momento.
O Brasil não é o único que está usando a estratégia de empurrar com a barriga. A Coréia do Sul, o Kuwait e a Arábia Saudita, também têm defendido que a discussão do Artigo 9 deve ser feita apenas daqui há dois anos, quando de fato começa a avaliação da primeira fase de Quioto. O tratado prevê que os países responsáveis por 55% das emissões do planeta devam reduzir, entre os anos 2008 e 2012, sua emissões em 5,2% sobre os níveis de 1990. Por serem considerados países em melhores condições, os coreanos e os sauditas podem ser os primeiros a receberem metas entre os emergentes; daí sua preocupação em atrasar a discussão.
Em um comunicado lançado durante a COP, as ONGs afirmam que não há ilusão de que se chegue, agora no Quênia, a um acordo final sobre as novas metas de Quioto. Mas elas reforçam que é preciso ao menos firmar como e quando serão feitas estas negociações para que se tenha um período entre 2012 e 2016 mais proveitoso do que este primeiro que se inicia em 2008. Como aumentam cada vez mais as evidências dos impactos significativos que terão as mudanças climáticas, não fazer nada pode transformar a expressão tão cara à diplomacia brasileira em “Irresponsabilidade comum e indiferenciada”.
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