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Volta por cima

Quarenta e cinco anos depois de sua criação, quando ninguém mais achava possível tirar o Parque Nacional de São Joaquim do papel, Ibama anuncia que deslanchou sua regularização fundiária.

Manoel Francisco Brito ·
30 de novembro de 2006 · 18 anos atrás

É o tipo de extensão de terra considerada insignificante quando o assunto é uma área de proteção integral. Mas os 2 mil e 300 hectares que o Ibama finalmente adquiriu no município de Urubici, no Planalto de Santa Catarina, terão um impacto infinitamente maior do que o seu tamanho. Eles compõem o primeiro naco totalmente regularizado de uma unidade de 49 mil e 300 hectares, criada em 1961, ainda no governo Jânio Quadros, o Parque Nacional de São Joaquim (foto). Para o órgão, é uma dupla vitória. Sinaliza seu comprometimento com uma das mais antigas e importantes Unidades de Conservação do país e desanuvia sua tensão com as populações locais, que há muito deixaram de acreditar que algum dia o Parque seria finalmente regularizado.

Até a última quarta-feira, dia 28, quando o superintendente do Ibama em Santa Catarina, Luiz Trein, assinou as primeiras escrituras de aquisição, a única área dentro do Parque que pertencia à União era a do terreno onde a Aeronáutica, no início dos anos 80, plantou uma base de radares para controle aéreo. Tanto o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) quanto o seu órgão substituto – o Ibama – se esforçaram ao longo dos anos para ampliar as terras públicas, mas as iniciativas nunca deram em nada. Principalmente por falta de recursos para as aquisições, pouca intimidade com o mercado imobiliário da região ou negociações mal conduzidas. E o Parque Nacional de São Joaquim acabou atravessado na garganta da burocracia ambiental brasileira.

Seu status fundiário deixava o Ibama em situação delicada. Não era raro ele ser usado como um dos principais exemplos de descaso com políticas de conservação. Ou então como bandeira contra a criação de novas áreas de proteção no Sul do país. Afinal de contas, se depois de quatro décadas São Joaquim continuava 100% irregular, para que criar novos parques? Por conta desse passado, quando o Ibama tomou a decisão de enfrentar mais uma vez essa briga, resolveu fazer um planejamento de longo prazo para garantir o sucesso da empreitada.

Prazos

O trabalho, conduzido pela área de regularização fundiária da Diretoria de Ecosistemas do Ibama, mobilizou profissionais na Superintendência de Santa Catarina, na Coordenação de Finanças e de outros setores do órgão. Enquanto se tentava assegurar os recursos – que vieram de compensações ambientais de projetos como as hidrelétricas de Barra Grande e Machadinho, gasoduto Brasil-Bolívia e duplicação da BR-101 -, a equipe envolvida na operação mapeou a área, cadastrou os proprietários e fez uma pesquisa de mercado para ter certeza do valor dos imóveis rurais na região e escapar da especulação com as terras.

A negociação com os donos do terreno envolveu discussões que foram além da questão do preço de seus terrenos. Debateu-se também prazos de pagamento e de desocupação das áreas de quem fez acordo com o Ibama. A saída dos proprietários foi escalonada ao longo do tempo. Com essas medidas, reduziu-se a capacidade de especulação do mercado e, ao mesmo tempo, evitou-se que uma grande quantidade de gado desalojado de pastos pressionasse para baixo o preço do boi e produzisse um prejuízo indesejado para os criadores da região.

O Ibama, que teve o seu trabalho de regularização em São Joaquim apoiado pela Procuradoria da República de Lages, acredita que a aquisição dos primeiros 5% de terreno do Parque Nacional consolida a visão de se trata de uma unidade prioritária para o órgão. E tem algum gostinho de vingança em relação aos céticos que davam de barato que São Joaquim nunca sairia do papel. A expectativa é que até o fim desse ano, o Ibama conclua a aquisição de outros 5% da área demarcada para o Parque. Ele abriga o Morro da Igreja, ponto culminante de Santa Catarina com 1 mil 822 metros de altura e é dominado por vegetação típica de altitude, com campos naturais onde crescem capões de floresta dominados por araucárias.

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