Reportagens

Colônia ameaçada

Cratera formada há milhões de anos em São Paulo é um enigma para a ciência. Tem mananciais e espécies raras, mas sofre agressões por falta de saneamento e ocupação irregular.

Karina Miotto ·
6 de dezembro de 2006 · 18 anos atrás

Muita gente não imagina que na região sul de São Paulo, a apenas 35 quilômetros do centro da cidade, existe uma cratera de 3,6 quilômetros de diâmetro formada graças à queda de um corpo celeste (cometa ou meteorito) entre 36 e cinco milhões de anos atrás.

A Cratera de Colônia, como é conhecida, é uma das cinco formadas por choque de corpos celestes com o solo no Brasil e está entre as 170 registradas em todo o mundo, a maioria identificada nos últimos 50 anos. Ela inclusive faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) Capivari-Monos, criada em 2001. E em 2003, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT) aprovou o tombamento de sua área.

O desnível entre a planície em seu interior e as colinas que a circundam é de 150 metros. E no subsolo se escondem alguns de seus maiores segredos. Com o impacto, formou-se uma depressão de aproximadamente 450 metros de profundidade que, ao longo de milhões de anos, foi preenchida por vegetação, sedimentos de areia e argila.

“O estudo desse material pode revelar mudanças climáticas e ambientais que ocorreram na região nos últimos 2,5 milhões de anos”, explica José Antonio Ferrari, pesquisador do Instituto Geológico da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e um dos autores do estudo Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil, publicado em 2005 e coordenado pelo professor Cláudio Riccomini, do Instituto de Geociências da USP. E tem mais. “Estudar a cratera também pode auxiliar a compreender os primeiros vestígios da ocupação humana no local”, afirma Anita Correia de Souza, chefe da Seção Técnica de Unidades de Conservação da prefeitura.

A Cratera de Colônia começou a ser estudada há 30 anos e, além do importante material ao longo dos 450 metros de sedimentos, na superfície podem ser encontradas espécies raras de vegetais e animais. O Inventário da Fauna do Município de São Paulo, publicado em junho deste ano pela Secretaria do Verde, registrou 73 espécies – 70 de aves (das quais 12 são endêmicas e oriundas da Mata Atlântica) e três de mamíferos. Quanto à vegetação, estudos feitos pelo Herbário Municipal até 1999 registraram 100 espécies de plantas, entre elas a palmeira Lytocaryum hoehnei, ameaçada de extinção.

Como este levantamento foi feito há sete anos, pode ser que o número de espécies nativas atualmente seja outro. “É muito provável que tenha diminuído, tendo em vista o processo de degradação ambiental que a área tem sofrido, apesar de todos os esforços para conservação”, afirma Ricardo Francischetti, biólogo que participou deste estudo.

Cratera ocupada

Essa redução no número de espécies tem a ver com o processo de ocupação da cratera. Em 1988, apareceram os primeiros habitantes. Hoje, quase 40 mil pessoas vivem num terreno conhecido como “fazenda” e que ocupa 1/3 de Colônia – todas em situação irregular. O restante da cratera é preenchido por sítios de uso agrícola e áreas remanescentes de Mata Atlântica.

Um dos primeiros moradores foi Sebastião Carmo Silva, fundador e presidente da Associação Comunitária Habitacional Vargem Grande (Achave). Líder comunitário, ele frequentemente incomoda a prefeitura, o governo do estado e a população com pedidos para melhorias ambientais e de qualidade de vida. “Ele é um guerreiro!”, comenta César Pegoraro, educador ambiental do Núcleo União Pró-Tietê, da SOS Mata Atlântica, ao dizer o quanto Sebastião se esforça para incentivar a implementação de fossas sépticas nas casas enquanto o tratamento de esgoto não vem. “Noventa e nove vírgula nove por centro não utilizam esse recurso”, diz Sebastião.

“Isso aqui é a Alphaville dos pobres. Quem briga por tudo sou eu e algumas poucas pessoas com mais consciência. Infelizmente a maioria pensa que posso fazer tudo sozinho”, desabafa. Uma das principais preocupações de Sebastião é, além da preservação ambiental da cratera, o Centro de Detenção Provisória de Vargem Grande, inaugurado em 87 e que abriga 1350 detentos. “Queremos a desativação do presídio para transformá-lo em centro de pesquisa, na sede de um parque, em museu, biblioteca…”.

Saneamento inexistente

O problema do presídio é menos seus ocupantes e mais os impactos ambientais que ele provoca. O centro de detenção libera esgoto sem tratamento diretamente no córrego do Ribeirão Vermelho – que também recebe dejetos domésticos. Depois deságua na represa Billings com todo tipo de sujeira. “Sabemos do problema de coleta e tratamento de esgoto nas periferias. A cratera está em área de mananciais, é um descaso total da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e da prefeitura. Desejável seria tratar o esgoto de toda a população, plantar árvores no entorno, fiscalizar”, afirma Pegoraro. “Essa APA está sendo devastada, não existe fiscalização”, completa Sebastião. A Sabesp admite que a cratera não é atendida por coleta e tratamento de esgoto. Mas diz que pretende resolver o saneamento do local com as obras complementares do Projeto Tietê, com previsão de término para dezembro de 2007.

Outro problema na cratera é a retirada da mata ciliar que cresce em torno do rio. “As pessoas confundem mato com sujeira sem ter a menor noção de que ela filtra a água, pois retém parte do lixo, animais mortos, sedimentos, além de servir de berçário a peixes, moluscos, répteis, anfíbios e insetos”, explica Pergoraro.

Enquanto os problemas ambientais se agravam, moradores e cientistas pensam em alternativas para manter vivo esse cantinho peculiar de São Paulo. “O turismo pode ajudar a salvar a cratera. Até trilha ecológica temos aqui. Precisamos cuidar desta natureza toda”, diz Sebastião. Os pesquisadores concordam. “A cratera constitui-se num sítio extremamente favorável às pesquisas científicas. A continuidade das investigações depende da preservação da região”, diz Riccomini, da USP.

* Karina Miotto é jornalista em São Paulo, colunista de meio ambiente da revista Ragga, de Belo Horizonte, e autora do blog Eco-Repórter-Eco.

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