Nesta segunda-feira, Copacabana está de ressaca. Depois de ceder espaço para o maior revéillon do país, o bairro amanheceu cheio de lixo, que vai dar trabalho a um exército de garis. A expectativa antes da festa era que estivessem presentes à queima de fogos na praia 2 milhões de pessoas. Na verdade, mesmo em dias comuns, gente é o que não falta por lá. São cerca de 150 mil moradores no bairro – a maior densidade populacional da cidade do Rio de Janeiro (3,4 pessoas por metro quadrado). Concreto Copacabana também tem de sobra. E carros. E trânsito. Nada ecológico, pensa o leitor. Mas o que então faz este texto sobre o bairro nestas tão verdes páginas virtuais?
Pois é, quem diria, Copacabana é sede de uma unidade de conservação. Para ser mais preciso, de um parque estadual. Sem embuste. Chama-se Parque Estadual da Chacrinha. E está logo ali, atrás da estação de metrô Cardeal Arcoverde. Um parque que não sofre com invasões ou problemas fundiários. Em compensação sofre do mesmo mal que qualquer outro espaço carioca: falta de segurança.
A área é pequenina mas razoavelmente bem cuidada. São míseros 13,3 hectares de Mata Atlântica, encravados entre os prédios e os morros de São João e da Babilônia. Só para se ter uma idéia, o Parque Estadual da Pedra Branca, o maior da cidade, tem 12,5 mil hectares. A Chacrinha representa cerca de 0,1% dele. O Parque passou recentemente por uma boa recauchutada, depois de andar abandonado devido a passagens de mão do estado para o município – e, de volta, desde 2004, para o Instituto Estadual de Florestas (IEF), que pertence à administração estadual. Fechou em dezembro de 2005 e foi reinaugurado em julho de 2006. Ganhou banheiros novos, um mini-museu (ainda com poucas peças), um auditório, sinalização – com um material que imita madeira, mas é feito de garrafas pet –, um anfiteatro, novo parquinho infantil, entre outras coisas.
Os recursos para a obra, 190 mil reais, vieram do pagamento de compensação ambiental pela instalação de uma usina termelétrica na região norte fluminense. Um conselho consultivo foi instalado e há um plano de manejo na iminência de ser aprovado. A Chacrinha é o parque estadual mais antigo do Rio: foi criado em 1969. O visitante que se propõe a percorrer os 40 minutos da única trilha demarcada vai encontrar pelo caminho ruínas antigas, como a casa de um pescador de nome Teodoro, que, conta a história, viveu por lá no século XVIII. Essa é tida como a primeira casa de Copacabana.
Até a década de 90, a Chacrinha serviu a própositos bem distantes do que se espera de um parque estadual. Uma favela que ocupava a área foi removida, logo que o parque foi criado. Mas mesmo depois disso, o espaço era usado para depósito de entulho, por ambulantes que guardavam lá seus carrinhos e até por uma escola de samba. O propósito de conservar a natureza e promover a aproximação entre a população e o meio ambiente começou a ser posto em prática só há menos de 20 anos, principalmente depois de ter recebido dinheiro de compensação pela construção do metrô, em 1996. O principal legado dessa obra para a área é um enorme respirador de concreto construído dentro do parque.
Freqüêcia eclética
Por enquanto a Chacrinha, administrada pelo IEF, ainda não cobra entrada. Por isso, a freqüência acaba sendo, na maioria das vezes, de moradores do entorno, que o utilizam como uma praça comum. São de 250 a 300 visitantes diariamente. Segundo o administrador do parque, Cristiano Paes, isso acaba criando situações incomuns em unidades de conservação mais afastadas do meio urbano.
“Tem dia que as babás são tantas que há engarrafamento de carrinhos de bebê”, conta ele. Mas isso é o de menos. Bem mais sério são os jovens que elegem o mato para o consumo de entorpecentes. De acordo com Paes, o problema persiste hoje mesmo com o fechamento do parque durante a noite. Mas já foi pior. Os funcionários, diz ele, têm feito o máximo para combater esse tipo de coisa. Mas a fiscalização das trilhas é limitada – ao todo, a equipe do parque tem seis pessoas, incluindo o administrador. Paes diz que recebe ajuda da Polícia Militar e do Exército. Outros problemas de segurança, como ladrões que se escondiam por lá para dividir frutos de roubo, eram presença mais freqüente até algum tempo.
Além das babás, ladrões e excursões de colégio (o parque recebe cerca de três por semana), há quem freqüente o lugar para prática do montanhismo. Os morros oferecem vias de escalada em sua maioria bastante difíceis – e têm a conveniência do acesso muito facilitado. Mas alguns montanhistas não se conformam com a falta de segurança que dizem encontrar. “O lugar é alucinante. Mas, por causa da insegurança, não compensa”, diz a praticanete de escalada Mariana Pardal. Segundo ela, muita gente tem deixado de freqüentar o lugar por causa de encontros com pessoas suspeitas nas trilhas. “Um grupo teve que sair correndo pela trilha, há algum tempo, para não cruzar com possíveis bandidos”, diz.
Já para o presidente da Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro, Bernardo Collares, a opinião de Mariana não vale para todos os praticantes desse tipo de atividade. Segundo ele, as trilhas sempre foram freqüentadas por pessoas que se encaixam no estereótipo de assaltante que algumas pessoas têm na cabeça. Segundo ele, vindos de favelas próximas, como o morro da Babilônia. Mas isso não impede que se freqüente a área – são poucos os incidentes conhecidos de assaltos no Parque. “Normalmente quem escala só leva mesmo o equipamento da subida. E mesmo se há assaltantes, eles não se interessam por isso”, afirma.
Ele considera ótimo ter um lugar para prática de montanhismo tão perto de quem mora no centro urbano. Principalmente em se tratando de um parque, que garante a preservação e, ao mesmo tempo, a possibilidade de visita. Mas quando perguntado se a vista lá de cima é mesmo tão espetacular, o esportista é sincero: “Eu, particularmente, acho Copacabana feia. Então não aprecio muito aquele monte de prédios, mesmo vistos do alto. Mas olhando mais adiante, tem o mar, os morros. E aí é bonito, claro, como qualquer lugar do Rio de Janeiro”.
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