Reportagens

Os pântanos estão em sério perigo

Pesquisadores de diversos países reunidos em Cuiabá, no Mato Grosso, alertam para as pressões sofridas pelas áreas úmidas do Planeta. O Pantanal é um dos ecossistemas mais ameaçados.

Josana Salles ·
28 de julho de 2008 · 16 anos atrás

Os mais importantes especialistas em áreas úmidas, espalhados por 30 países que abrigam esses ecossistemas frágeis, fizeram um alerta na semana passada quanto à preocupação de que a evaporação e a crescente destruição desses habitats possam causar a liberação de grandes quantidades de gases do efeito estufa. A estimativa é que áreas úmidas em regiões geladas e que possuem grande quantidade de material orgânico retenham um volume de carbono similar ao existente na atmosfera atualmente. É como se essas áreas fossem um “barril de pólvora” prestes a explodir assim que a temperatura aumentar e a matéria orgânica começar a se decompor rapidamente.

O assunto foi amplamente debatido assim como diversas ameaças que sofrem as áreas úmidas com a poluição dos rios, excesso de sedimentos, agricultura, irrigação, diques, hidrelétricas e as fortes secas que atingem todo o planeta. Cerca de 700 pesquisadores entre japoneses, chineses, alemães, americanos e brasileiros estiveram reunidos na 8ª Conferência Internacional de Áreas Úmidas (Intecol) que aconteceu de 21 a 25 de julho em Cuiabá, porta de entrada do Pantanal, a maior área úmida contínua do mundo. Ao todo, a América do Sul chega a ter 20% de seu território tomado por áreas úmidas o que representa 3,5 milhões de metros cúbicos de água. Boa parte dessas áreas estão no Pantanal, Amazônia, Andes e Argentina.

O pesquisador alemão Wolfgang Junk, do Instituto Max – Planck para a Biologia Evolutiva, ressaltou por várias vezes durante a conferência de que as estimativas de áreas úmidas no planeta – em torno de 6% – são defasadas, imprecisas. Por isso, diz ele, “a pesquisa precisa avançar mais para classificar estas áreas. Um bom exemplo são as veredas que as leis ambientais por muito tempo ignoraram a necessidade de proteção”, disse. Junk afirmou que as áreas úmidas de grande porte estão ainda bem conservadas mas defende a classificação e um inventário das áreas úmidas em todo o planeta bem como um plano de gestão a ser encaminhado aos governos para assegurar a proteção.

A mesma proposta foi defendida pelo pesquisador Paulo Teixeira, secretário-executivo do Centro de Pesquisas do Pantanal(CPP), entidade que organizou a conferência em parceria com a Associação Internacional de Ecologia e a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). “A humanidade precisa entender os inúmeros serviços ambientais que as áreas úmidas proporcionam, absorvendo e apreendendo carbono, distribuindo de forma equilibrada a rede hídrica, garantindo a sobrevivência da fauna e mantendo atividades econômicas tradicionais e inseridas no sistema biológico destas áreas”, disse.

Teixeira e Junk também destacaram os resultados de diversas pesquisas no Pantanal que mostram a importância das áreas úmidas (brejos, veredas, pantanos, turfeiras, deltas de rio, mangues, tundras, lagoas , planícies alagadas) como corredores de migração da fauna. “É preciso diminuir a pressão sobre as áreas úmidas pois elas poderão ser uma estratégia de adaptação de mudança de clima, uma alternativa para o controle artificial das inundações e dragagem nos casos de maiores e mais frequentes cheias previstas em todo o planeta com o aumento da temperatura”, disse Junk.

Ameaças

Para o diretor do Instituto para a Terra, Água e Sociedade, Max Finlayson, a agricultura tem sido a maior ameaça às áreas umidas em todo o mundo desde os primórdios da história da humanidade. Sempre é bom lembrar da tragédia que se abateu na Mesopotâmia na Idade Média com o excesso de uso de suas planícies alagáveis para a agricultura, tornando a região um deserto salinizado.

Ele apontou em diversos estudos que fez na Austrália, Ásia e Estados Unidos e que a agricultura dificilmente conseguirá ser uma atividade sustentável em áreas úmidas. “ A agricultura em todo o mundo fica de olho nestas áreas porque são ricas em nutrientes e têm água em abundância, mas a atividade exige que os locais sejam drenados e desmatados“ afima. Finlayson garantiu que a perda de espécies aquáticas nas áreas úmidas é bem maior que nas florestas tropicais por causa da atividade agrícola.

Os dados de desmatamento e mudança no pulso das águas no Pantanal brasileiro foram discutidos em plenárias e reuniões paralelas à conferência. Recentemente, a ONG Conservação Internacional (CI-Brasil) fez um levantamento da situação atual da vegetação natural da Bacia do Alto Rio Paraguai (BAP) e do Pantanal brasileiro mostrando que 45% da área total da bacia e 17% da cobertura vegetal original do Pantanal já foram destruídos, principalmente para a abertura de áreas de pastagem e cultivo. O impacto imediato dessa situação é a degradação do solo, o comprometimento dos processos hidrológicos que determinam os ciclos de cheia e seca, em grande parte responsáveis por toda a riqueza biológica da região, e a perda de biodiversidade, pois recursos como abrigo, alimento e locais de reprodução oferecidos pelas florestas e demais tipos de vegetação às espécies animais não estarão mais disponíveis.

A BAP possui aproximadamente 600 mil km², que se estendem pela América do Sul, dos quais 363.442 km² estão em território nacional. As nascentes dos rios da bacia ocupam uma área de 215.813 km² localizadas nos planaltos do seu entorno e representam 59% da área da bacia.

As pequenas, médias e grandes hidrelétricas foram discutidas como uma das ameaças a grandes áreas úmidas como o Pantanal. O pesquisador Paulo Teixera defende que empreendimentos hidrelétricos como a Usina de Manso, localizada na cabeçeira do rio Manso em Chapada dos Guimarães interferiu no pulso de inundação do Pantanal mato-grossense causando a perda de organismos aquáticos que chegavam em determinadas áreas na cheia, alimentando a flora e a fauna. “O que é preciso entender é que tudo que acontece no Planalto de ruim chega à planície. É o caso do esgoto e o lixo produzido na Grande Cuiabá assim como o excesso de material sólido produzido pela agricultura”, apontou. Ainda hoje 70% do esgoto coletado pela capital mato-grossense seguem sem tratamento para o Pantanal além de 400 toneladas de lixo que são depositados em terrenos baldios e margens de córregos.

Estoque de Carbono

O aumento de temperatura no planeta e as consequências para as áreas úmidas, principalmente as localizadas nas zonas mais frias, tomaram conta da maioria das discussões. A grande preocupação é que o aquecimento da temperatura global acelere tanto as taxas de evaporação da água quanto as de decomposição de material orgânico. Segundo Paulo Teixeira, as áreas úmidas funcionam como se fossem um estoque de carbono, na forma de vegetação morta. “Na Rússia e no Canadá existem muitas áreas com grande quantidade de material orgânico congelado que agora vai se decompondo rapidamente e podem liberar a mesma quantidade de carbono que já existe na atmosfera. Isso é muito preocupante”, diz.

Pelas estimativas dos especialistas, estas áreas formam um estoque de cerca de 20% do carbono terrestre do planeta. As áreas cheias de água contêm 771 gigatons(771 bilhões de toneladas) de gases do efeito estufa (CO2 e metano). Quantidade de CO2 equivalente ao carbono contido na atmosfera atualmente. “A drenagem dos pântanos das florestas tropicais, por exemplo, libera aproximadamente 40 toneladas de carbono por hectare por ano”, avalia o pesquisador Wolfgang Junk.

Legislação

Pesquisadores mato-grossenses aproveitaram o evento para protestar contra a Lei de Gestão do Pantanal aprovada pela Assembléia Legislativa, e que considerou índices de inundação da planície pantaneira apenas no período de seca, omitindo os limites do Pantanal nos meses de cheia. Assim, áreas que deveriam estar protegidas foram liberadas para o uso de atividades econômicas como agricultura, pecuária e turismo. O cultivo de cana-de açúcar foi proibido apenas na planície. A pró-reitora de Pesquisa e Graduação da Universidade do Estado de mato Grosso, Carolina Joana da Silva, apresentou no ano passado sugestões para a nova lei que envolviam os conceitos de ciclo hidrológico, dinâmicas do pulso de inundação, níveis de enchente, cheia, vazante e seca que influenciam na produtividade e na diversidade vegetal e animal do local. No entanto, as sugestões para a definição dos limites não foram consideradas pelos deputados estaduais. A proposta é agora modificar os limites do Pantanal na Lei do Zonamento Socioeconomico e Ecológico de Mato Grosso, que está sendo discutido em vários municípios.

Leia declaração final do Conferência Internacional de Áreas Úmidas.

* Josana Salles é jornalista free-lancer em Cuiabá.

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